Acórdão nº 6818/21.3T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | AFONSO CABRAL DE ANDRADE |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório Por apenso aos autos de execução movida por N... - Sociedade de Garantia Mútua, S. A.
contra AA, e outros, veio este defender-se mediante embargos de executado.
Alega em síntese que: -O título dado à execução é uma livrança subscrita pela sociedade A... - TRANSPORTES E ALUGUER DE EQUIPAMENTOS DE CONSTRUÇÃO, LIMITADA (de ora em diante abreviadamente designada A... ou Devedora), da qual foram avalistas os Executados nestes autos.
-Sucede que o Executado AA foi sócio e gerente da A... até 2013.03.12, data em que renunciou ao cargo.
-Desde então, o Embargante não mantém qualquer relação com a Devedora, -Nada sabendo da A... sequer, não participando em nada da sua gestão ou na sua vida social, desde essa data.
-De facto, desde 2013.03.12 que o Embargante se desvinculou da sociedade A..., deixando de pertencer aos órgãos sociais da mesma e, consequentemente, deixando de ter qualquer participação social, ligação à Devedora ou conhecimento dos seus negócios, -O que é do conhecimento da Embargada desde, pelo menos 2015; e -Sendo certo que, como igualmente era e é do conhecimento da Embargada, as garantias que havia prestado à sociedade A..., enquanto gerente da mesma, só o foram porquanto enquanto estava ligado e fazia parte dos corpos sociais da Devedora.
-A A... veio a ser declarada insolvente por sentença proferida em 2016.05.09, tendo o prazo para apresentar a competente reclamação de créditos terminado a 2016.06.09.
-A Embargada promoveu o preenchimento da livrança e pôs fim à sangria dos juros apenas em 2021.02.19; -A presente execução apenas foi apresentada a juízo em 2021.11.26, propositadamente, impedindo, assim, o Embargante de exercer o seu direito de regresso contra a Devedora.
-A Embargada nunca interpelou ou avisou o Embargante de que iria proceder ao preenchimento de livrança em branco que tinha na sua posse, cujo pacto não invoca, nem junta, -O Embargante não deve à Embargada os montantes que constam das livranças aqui dadas à execução.
-A actuação da Exequente excede de forma manifesta e desrazoável os ditames da boa-fé e do direito, o que torna ilegítimo do exercício do seu direito contra o aqui Embargante.
A embargada contestou os embargos, chamando a atenção, em síntese, para o seguinte: -Reafirma todo o conteúdo do seu requerimento executivo.
-Na sequência do incumprimento total por parte da A..., das obrigações emergentes assumidas com o Banco, este resolveu o contrato de mútuo, declarando vencidas todas as prestações, tendo solicitado à N... - Sociedade de Garantia Mútua, S. A., ao abrigo da referida garantia, o pagamento do valor de € 100.000,00 correspondente ao valor vivo da garantia a essa data.
-A N... - Sociedade de Garantia Mútua, S. A. pagou aquele valor global.
-A Embargada ficou sub-rogada nos direitos do Beneficiário sobre a referida empresa e, consequentemente, sobre os seus Avalistas, conforme resulta da lei geral (artigo 644.º do Código Civil).
-A Embargada interpelou a A... para proceder ao pagamento dos valores em dívida, mas esta nada pagou.
-Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do referido contrato, a empresa A... efectivamente entregou à Exequente uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pelo ora Embargante.
-De acordo com a referida Cláusula Quarta: “Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas emergem do presente contrato, deverão entregar, nesta data, à ... livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da ..., ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor, quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando--lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicado como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” (negrito e sublinhado nosso).
-O Embargante assinou, pelo seu próprio punho, na qualidade de avalista, o contrato junto como Doc. n.º ..., bem como avalizou a livrança subjacente ao mesmo.
-O Embargante quis obrigar-se, ele próprio, a título pessoal, como meio de garantir a concessão do crédito, no caso de incumprimento da empresa A....
-face à impossibilidade de recuperação do montante desembolsado, viu-se a Embargada obrigada a preencher a livrança entregue como garantia do bom cumprimento do contrato.
-Assim, a livrança que fundamenta os presentes autos é exigível desde a data de vencimento da mesma, não tendo, a Insolvência da empresa A... qualquer efeito ou implicação sobre a exigibilidade e prazo de vencimento de tais obrigações.
Chegando à fase de saneamento dos autos, o Tribunal, atento o teor dos documentos juntos aos autos, considerou que o estado dos autos permitia proferir desde logo uma decisão quanto ao mérito, e em consequência proferiu sentença que julgou improcedentes os embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução apensa contra o embargante/executado.
Inconformado com esta decisão, o embargante dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).
Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: I- O presente recurso tem por objecto a sentença que julgou improcedentes os embargos de executado deduzidos pelo aqui Recorrente e determinou o prosseguimento da execução contra o mesmo.
II- Em primeiro lugar, o Recorrente entende que foi feita uma errada apreciação da matéria de facto, dando-se como não provados factos que, apesar do Tribunal a quo considerar como factos com relevância para a decisão da causa, não permitiu que, relativamente aos mesmos, o Recorrente tivesse tido a possibilidade de produzir qualquer prova.
III- Com efeito, findos os articulados, o Tribunal a quo proferiu despacho considerando que o estado do processo permitiria, sem necessidade de produção de mais prova, a apreciação total do mérito da causa, tendo nesse momento dispensado a realização de audiência prévia com a intenção de, seguidamente, proferir despacho saneador-sentença.
IV- Esta decisão “anunciada” surpreendeu o Recorrente, uma vez que, salvo melhor opinião, os autos não permitiam, sem mais, uma imediata tomada de decisão sobre o mérito da causa, V- Não tendo sequer sido suficientemente debatida a matéria controvertida e alegada pelas partes para efeitos dos artºs. 6.º e 547.º do CPC, uma vez que cada parte tinha apresentado apenas um articulado e, por isso, o Recorrente não havia podido pronunciar-se sobre a matéria alegada pela Recorrida na sua contestação; VI- Assim, notificado que foi do despacho com a refª. ...84, o Recorrente manifestou o seu desacordo relativamente à dispensa da audiência prévia, expondo e requerendo, em resumo, que deveriam os autos prosseguir para prolação do competente despacho saneador e agendamento da audiência de discussão e julgamento para efeitos de produção da prova indicada.
VII- Como se retira da sentença de que agora se recorre, com a preterição do requerido quanto à produção de prova, o Recorrente ficou impossibilitado de provar os factos que sustentam os presentes embargos de executado, tendo sido violado o seu “direito à prova”, VIII- Pelo que, salvo melhor opinião e com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao tomar esta decisão sem previamente produzir a prova oportunamente requerida, porquanto - como se alcança da sentença - o próprio Tribunal indicou como relevantes factos sobre os quais não permitiu que fosse produzida, acabando por concluir que os mesmos resultaram … “não provados”! IX- Ora, tratando-se de factos eminentemente pessoais, apenas com a produção de prova em sede de audiência, nomeadamente com a inquirição das testemunhas por si arroladas e as declarações de parte a prestar pelo próprio Embargante, aqui Recorrente, essas dúvidas poderiam ter sido colmatadas.
X- Com a não produção de prova testemunhal, proferindo o Tribunal a quo a decisão de mérito agora recorrida apenas com os elementos documentais existentes nos autos, o Recorrente foi impedido de cumprir o ónus probatório relativo aos factos por si alegados, conforme lhe competia, tendo o Tribunal a quo violado o disposto no artº. 595º, nº 1, alínea b), do CPC.
XI- Na verdade, as provas são produzidas ou trazidas para análise dentro do processo com a função primordial de demonstração da verdade dos factos alegados pelas partes, com vista à formação da convicção do juiz.
XII- Nessa sequência, e conforme resulta plasmado na sentença recorrida relativamente à convicção do tribunal, “Os demais factos não provados resultaram da inexistência de qualquer prova quanto à sua ocorrência.”(negrito e sublinhado nossos).
XIII- Ora, se é certo que quem invoca determinado facto deve prová-lo, também é certo que deve ser dada a devida oportunidade para produção dessa prova, para cabal esclarecimento dos factos – o “direito à prova”.
XIV- O que não aconteceu, no caso sub judice, não obstante o Recorrente ter manifestado a intenção e demonstrado a pertinência da produção da prova por si indicada, como meio idóneo a suportar os factos alegados a qual, como resulta dos termos da própria sentença, se reveste de grande importância para a boa decisão da causa.
XV- Enquanto direito fundamental e considerando as consequências deste entendimento do direito à prova, certo é que, havendo dúvidas, designadamente quanto aos factos que não foram considerados provados e que, como tal, não puderam contribuir para a formação da convicção do Tribunal a quo, conforme admitido pela próprio na sentença recorrida, os autos não comportaram a possibilidade de ver respondidas essas dúvidas, porquanto nem sequer foi permitida a...
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