Acórdão nº 73/19.2GAMGD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelHELENA LAMAS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1. A decisão No Processo de Instrução nº 73/19.... do Juízo de Competência Genérica ..., foi proferida decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos AA e BB, a quem o assistente CC, no requerimento de abertura da instrução, imputara a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física agravada previsto e punido pelos artigos 143º, 145º e 132º, nº 2, al, m) do Código Penal.

  1. O recurso 2.1. Das conclusões do assistente Inconformado com a decisão o assistente interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): I.

    Com o presente recurso pretende o Recorrente invocar a nulidade da douta decisão instrutória, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, mais se almejando colocar em crise a bondade da aplicação do direito.

    II.

    O requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo Assistente, deve revestir a formalidade típica inerente à acusação, devendo conter, entre outros aspetos, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”, assim como a “indicação das disposições legais aplicáveis”.

    III.

    A decisão instrutória é uma verdadeira sentença e está sujeita aos formalismos desta- e que faz caso julgado de mérito.

    IV.

    A sentença, conforme dispões o artigo 374º, nº2 CPP, deve conter “a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de factos e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” V.

    Com as devidas aplicações à sentença instrutória, sempre se dirá que ao invés de factos provados ou não provados, deve a sentença instrutória fazer menção aos factos indiciados ou não indiciados.

    VI.

    Diz-nos o artigo 379.º do CPP quais são as causas de nulidade da sentença, sendo certo que a violação do ora mesmo acabado de referir fere a sentença de nulidade.

    VII.

    Ou seja, faltando a expressa indicação dos factos indiciados e não indiciados, falta, assim, a devida e necessária fundamentação que é inerente à emissão de qualquer sentença ou despacho judicial que não seja de mero expediente.

    VIII.

    A fundamentação da sentença, qualquer que ele seja, é a pedra de toque do nosso ordenamento jurídico-processual, até porque é mediante a fundamentação, de facto e de direito, que obtemos as razões para que a decisão tenha sido uma em detrimento de outra.

    IX.

    No caso em apreço, e adaptando ao contexto da fase de instrução, a sentença doutamente proferida não contém a indicação expressa e inequívoca da factualidade indiciada e não indiciada, não vindo individualizados os factos indiciados e os não indiciados, devidamente elencados e separados.

    X.

    Donde resulta, então, um claro esmagamento direito de defesa e reação do Assistente, enquanto requerente da abertura de instrução.

    XI.

    No caso em análise, o tribunal recorrido terá entendido não existirem indícios suficientes.

    XII.

    Para tanto, sempre terão de ser expressamente indicados os factos indiciados e os não indiciados, o que claramente não sucede na douta decisão recorrida.

    XIII.

    Tal enumeração é fundamental para o estrito cumprimento do dever de fundamentação ínsito no artigo 205º da CRP, para o direito de defesa do Arguido e do Assistente, assim como para facultar os necessários poderes de cognição ao tribunal superior, quando seja o caso.

    XIV.

    Até porque, urge relembrar, tal decisão é uma verdadeira decisão de mérito, qua vai balizar os poderes de atuação do Assistente - ao contrário do que sucede em caso de arquivamento do inquérito.

    XV.

    Perscrutada a douta decisão instrutória, é possível concluir que o tribunal recorrido apenas terá cuidados de aferir da existência, ou não, de indícios da prática do crime.

    XVI.

    Sem, com isso, chegar ao objetivo derradeiro da fase de instrução, que é efetuar a ponderação desses para aferir da probabilidade de vir a ser aplicada, em sede de julgamento, uma pena ou medida de segurança.

    XVII.

    Salvo melhor opinião, e sempre salvaguardando o devido respeito por entendimento diverso, o tribunal recorrido não chegou a tal desiderato, não o cumprindo.

    XVIII.

    São abundantes as referências aos eventuais indícios, ou no caso à sua suposta inexistência, mas sem que isso sirva para tal ponderação, que se impunha por força da lei.

    XIX.

    A douta sentença de que se recorre refere, algures, que “não ficou o tribunal convencido, ainda que indiciariamente, que os Arguidos AA e BB tenham ofendido corporalmente o assistente.” XX.

    Mais uma vez, e com supremo respeito pela posição sustentada na douta sentença recorrida, sempre diremos que pese embora seja sobre o juiz de instrução que recaia o ónus de apreciar a existência de indícios, tais indícios sempre teriam o desiderato final de convencer o juiz do julgamento – e não o da instrução.

    XXI.

    Claro está que sempre poderemos afirmar que, não ficando o primeiro convencido, dificilmente poderá aceitar existirem indícios para convencer o segundo, contudo, sempre diremos que estaríamos a fugir ao escopo e razão da fase de instrução.

    XXII.

    Além de claramente estar em falta, na douta decisão instrutória, a indicação da matéria de facto indiciada ou não indiciada, sempre diremos que lhe falta, também a matéria de direito.

    XXIII.

    Entendemos, assim que existe uma clara omissão de pronúncia, que fere a douta sentença recorrida de nulidade, a qual vai desde já invocada, nos termos do disposto no artigo 379º, nº1, al. c) do CPP. XXIV.

    A este propósito, chamamos à colação o douto aresto da Relação de Évora, de 01/03/2005 (Relator Orlando Afonso), o douto acórdão do Tribunal de Relação do Porto, de 22/09/2021 (Relator Pedro Vaz Pato) e, ainda, o acórdão doutamente proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 27/05/2019 (Relatora Fátima Furtado), supra transcritos.

    XXV.

    Ao contrário do entendimento sufragado na douta decisão instrutória, e atendendo àquele que é o real intuito da instrução, sempre diremos que existem, sim, indícios da prática dos factos de que vem os Arguidos acusados pelo Assistente.

    XXVI.

    Existem, desde logo, a fls.119, elementos que permitem concluir pela existência de escoriações ao nível do esterno.

    XXVII.

    Tais escoriações são coincidentes com as agressões descritas pelo Assistente, ainda que todo o seu relato possa não ser preciso.

    XXVIII.

    No mais, não vindo indicados os exatos pontos de discordância ou divergência entre os depoimentos do Assistente e da testemunha DD, somos do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT