Acórdão nº 6292/20.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, intentaram a presente ação declarativa de condenação, contra II - Centro de Apoio Social JJ., deduzindo os seguintes pedidos: Ser a R. condenada a pagar aos AA.: 1. € 2.596,97 (dois mil quinhentos e noventa e seis euros e noventa e sete cêntimos), referente a danos patrimoniais; 2. € 15.000,00 (quinze mil euros) a ser pago a cada A., referente ao ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelos AA., perfazendo a quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros); 3. € 20.000,00 (vinte mil euros) referente ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, pelos danos sofridos pela própria vítima, devido a cada A., em partes iguais; 4. € 50.000,00 (cinquenta mil euros), quantia devida aos AA., em partes iguais, por direito próprio (cabendo a quantia de 6.250,00€ a cada A. filho), pela perda do direito à vida da sua mãe; 5. Juros de mora desde a citação, até ao integral pagamento.

6. Condenar a Ré no pagamento das custas do processo e demais legais acréscimos.

*A ré deduziu contestação e requereu a intervenção da A... - Companhia de Seguros de Vida, SA.

A seguradora foi chamada aos autos e apresentou contestação.

Foi proferido despacho saneador.

*Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condeno a ré A... - Companhia de Seguros de Vida, SA., a pagar aos autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, os seguintes montantes: - € 2.596,97 aos autores a título de danos patrimoniais (esse montante será dividido de acordo com as despesas assumidas individualmente por cada um dos autores).

- € 10.000,00 a cada um dos autores como reparação dos danos não patrimoniais sofridos individualmente (no valor global de € 80.000,00).

- € 40.000,00 aos autores como reparação do dano morte.

- € 6000,00 aos autores como reparação pelo dano não patrimonial relativo ao sofrimento da vítima antes de morrer.

Condeno a ré II -Centro de Apoio Social JJ, a pagar aos autores o montante correspondente a 10% do valor global de € 128.596,97, relativo à franquia do contrato de seguro.

Condeno as rés, na proporção fixada anteriormente, a pagar juros de mora sobre as aludidas quantias à taxa legal de 4%, nos termos da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril, contados desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento” Custas pelas partes na proporção do decaimento.

Registe e notifique.”*Inconformada veio a Ré A... - Companhia de Seguros de Vida, SA. recorrer formulando as seguintes Conclusões: 1.

O objeto primordial do presente recurso é a determinação do sinistro como fora do âmbito do contrato de seguro de responsabilidade civil de exploração celebrado.

2.

Desde logo, para tanto, importa clarificar a base contratual da responsabilidade civil em causa, dado que o evento lesante só se verificou por omissões de deveres de vigilância específicos da relação contratual celebrada entre a Ré II e Autores, considerando o objeto do contrato e a prestação de cuidado necessário à infeliz sinistrada.

3.

Assim, foi por quebra do dever de vigilância que se verificou o sinistro dos Autos, subsumindo-se, deste modo, os factos dados como provados ao instituto da responsabilidade contratual.

4.

Acontece que, ao contrário do decidido em Primeira Instância, o contrato celebrado entre a Apelante e a Ré II não prevê a cobertura dos danos ocorridos, porquanto a responsabilidade contratual da Ré não se encontrava transferida.

5.

Na verdade, o contrato tem por objeto a responsabilidade extracontratual da Ré II.

6.

Tal âmbito do contrato resulta de forma literal das condições gerais e especiais do contrato, reforçado pela exclusão relativa referente à responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil profissional.

7.

E percebe-se que assim seja: por regra, o contrato apenas prevê a responsabilidade civil extracontratual. Se e só quando for expressamente contratada, é que prevê a responsabilidade civil contratual.

8.

Ora, do contrato de seguro celebrado, nada resulta que tenha sido contratada a responsabilidade civil contratual. Não há a inclusão nas condições particulares de uma qualquer condição especial que preveja a responsabilidade civil contratual.

9.

Donde, não tendo a Ré II contratualizou qualquer outra responsabilidade para lá da sua responsabilidade civil extracontratual, não pode a aqui Apelante ser responsabilizada pelo sinistro ocorrido.

10.

Ademais, a circunstância de se prever a exclusão da responsabilidade civil contratual e civil profissional não implica, necessariamente, o esvaziamento do âmbito do contrato, já que o mesmo se aplica a inúmeras situações do dia-a-dia em que seja possível assacar responsabilidade civil extracontratual da Ré II (exponenciada pela circunstância de se tratar de um estabelecimento aberto ao público, que recebe visitas e sobra a qual pode e deve a Ré II reduzir a exposição ao risco com a contratação de um seguro de responsabilidade civil exploração).

11.

Todavia, o que já não se aceita é que se transforme um seguro de responsabilidade civil extracontratual num seguro de responsabilidade civil contratual ou responsabilidade civil profissional.

12.

Impõe-se, por isso, excluir a responsabilidade da Apelante do presente sinistro e, em consequência, reverter a decisão da Primeira Instância de modo a absolver a Apelante de qualquer responsabilidade civil.

13.

Sem prescindir, e subsidiariamente, impõe-se a redução do quantum indemnizatório final, uma vez que os danos não patrimoniais de sofrimento dos descendentes diretos da infeliz sinistrada se demonstram excessivos à luz da maioria da jurisprudência e considerando os danos que em concreto foram dados como provados, entre outros, a idade da sinistrada, o estado de saúde da mesma e as circunstâncias dadas como não provadas nos artigos 3.º a 10.º da douta sentença.

14.

Com efeito, mostra-se mais equitativo fixar em 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) os danos sofridos por cada um dos sucessores.

15.

Por fim, ante os factos dados como provados, entende a Apelante que não se mostra razoável a condenação na quantia de 6.000,00€ pelo sofrimento da vítima antes da morte.

16.

Não só porque tal dano não resultou provado, como, mesmo por hipótese, se se pretendesse considerar os segundos que antecederam a queda, sempre se deveria ter em consideração o facto dado como provado de que a infeliz sinistrada padecia de doença demencial, além de que não se situava no espaço, no tempo, nem tinha noção do perigo.

17.

Dito de outro modo, em face do estado de saúde da infeliz sinistrada, em especial, pela total ausência de consciência, não deve ser arbitrada qualquer indemnização a este título.

18.

Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 493.º e ss, 496.º n.º 1, 562º, n.º 3, 564º, n.º 2 e 566.º n.º3, todos do Código Civil.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando de conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA! *Os Autores apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

Também a Ré II respondeu a recurso, sintetizando-o da seguinte forma: 1. Em primeiro lugar e em síntese, a recorrente alega que a responsabilidade em causa nos presentes autos deve ser integrada no instituto da responsabilidade civil contratual, mas a sentença a quo que entende que, no caso dos autos, há um concurso aparente de responsabilidades (contratual e extracontratual), mas, nesta situação, se deve optar pelo regime da responsabilidade contratual.

2. A recorrente alega que o contrato de seguro que celebrou com a aqui recorrida II se resume a um contrato de responsabilidade civil extracontratual.

3. E, na falta de documentos que provem que o contrato de seguro que celebrou se resume a um contrato de responsabilidade civil extracontratual, a recorrente alega que “por regra, o contrato apenas prevê a responsabilidade civil extracontratual. Se e só quando for expressamente contratada, é que prevê a responsabilidade civil contratual” (sublinhado nosso).

4. Acontece que, do contrato junto, não decorre que não esteja incluída a responsabilidade civil contratual e não basta, como é óbvio, orientarmo-nos pelo que o que acontece “por regra” para julgar.

5. A aqui recorrente junta um documento intitulado “condição especial 32”, documento que foi impugnado e que não está assinado por qualquer uma das partes.

6. Ao contrário, das condições especiais/particulares do contrato de seguro celebrado entre a ré e a chamada foram juntas como documento n.º ... com a contestação da ora recorrida II, percebe-se que o contrato de seguro inclui a responsabilidade civil contratual da ré, referindo-se ali expressamente que se trata de responsabilidade civil empresarial com a menção de que a atividade é a de “Lares 3ª idade” e ainda que a cobertura contratada é a de responsabilidade civil de exploração.

7. O seguro contratado entre a recorrente e a aqui recorrida II é um seguro de responsabilidade contratual e extracontratual, facto que decorre dos documentos juntos e da única possível interpretação das declarações negociais das partes.

8. Se houvesse dúvidas sobre se aquele é ou não um contrato de seguro de responsabilidade civil contratual e extracontratual (hipótese que se coloca por dever de patrocínio), sendo o contrato de seguro um negócio jurídico formal, facultativo, a interpretação da vontade das partes está sujeita às regras gerais dos negócios jurídicos (artigo 236.º e 238.º do Código Civil e, porque estamos no âmbito de cláusulas contratuais gerais, também pelo regime do DL n.º 446/85, de 25 de outubro).

9. Assim, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente...

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