Acórdão nº 549/21.1T8VCT-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório P. P.

intentou a presente oposição à execução mediante embargos de executado, alegando, sumariamente, em sua defesa que desconhecia o negócio subjacente à letra apresentada à execução e que, ainda que as assinaturas apostas nos documentos se assemelhassem à sua, não eram do seu punho, não tendo intervindo no acto de outorga do contrato e não tendo assinado a livrança em causa.

Regularmente citada, a Exequente/Embargada veio impugnar toda a factualidade alegada pelo Embargante, pugnando pela improcedência dos respectivos embargos.

Em sede de saneamento dos autos, entendeu o Tribunal que os autos não tinham complexidade que justificasse a convocação de audiência prévia, tendo proferido por escrito o competente despacho saneador, no seio do qual foi fixado como objecto do litígio aferir da responsabilidade do embargante pela obrigação cartular que emerge do título dado à execução, tendo sido definidos como temas da prova os seguintes: (i) saber o embargante P. P.

apôs pelo seu punho a assinatura que consta da livrança dada à execução, na qualidade de avalista; (2) saber se a embargada procedeu ao preenchimento do título executivo ora dado à execução em manifesta violação das regras da boa-fé.

Realizou-se a audiência final, com observância do pertinente formalismo legal.

Foi então proferida sentença, que julgou os embargos de executado totalmente procedentes, e absolveu o embargante executado da execução contra si instaurada por X – Sociedade ..., S.A.

Inconformada com esta decisão, a exequente/embargada dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,5, 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: A.

Nos Embargos de Executado, o Embargante invocou que a assinatura que se encontra aposta no verso da livrança e cuja autoria lhe é imputada, não foi aí aposta pelo seu punho, que não avalizou a referida livrança, não a assinou nem nela apôs a menção “bom por aval à subscritora”.

B.

Realizada audiência de discussão e julgamento e produzida a prova, a douta sentença recorrida não considerou provado que fosse da autoria do Recorrido a assinatura aposta no verso da livrança dada à execução, conforme se retira do ponto 3.3 da matéria de facto positiva (3.3. Nenhuma das assinaturas ids. em 3.2. pertence ao punho do executado embargante).

C.

Não pode a Recorrente conformar-se, salvo o devido respeito, com a deficiente enumeração dos factos provados, porquanto a prova produzida impõe que sejam considerados provados factos adicionais.

D.

Desde logo, porque a perícia realizada à assinatura aposta no verso da livrança dada à execução permite retirar diversas conclusões. Com efeito, a realização da perícia à letra, foi tido em conta a seguinte questão: 1) se a escrita da assinatura de P. P., aposta numa livrança, identificada fotograficamente, a fls. 7 deste relatório, é ou não do seu punho.

E.

O relatório pericial refere os seguintes resultados obtidos: do exame comparativo, entende-se de especial interesse assinalar o seguinte: 1– A observação da escrita das assinaturas genuínas e a da contestada revela, nos seus elementos semelhanças, designadamente: .no grau de evolução; .na fluência e velocidade de escrita; .no grau de inclinação; .no espaçamento; .no grau e tipo de conexão; .na dimensão absoluta e relativa de escrita; .nos levantamentos de pena; .no grau de angulosidade e curvatura decorrente do tipo de escrita.

Além disso, um exame comparativo de pormenor entre a escrita das assinaturas genuínas e a da contestada, analisados todos os grafismos, revela, igualmente, semelhanças. (negrito e sublinhados nossos).

F.

Formulando a seguinte conclusão: “1– Considera-se que a escrita da assinatura contestada de P. P., aposta no documento identificado como C1, pode ter sido (1) produzida pelo seu punho.

G.

O relatório pericial afirma, pois, de forma categórica, que a assinatura em apreço pode ter sido aposta no verso da livrança pelo punho do Recorrido.

H.

Elencando ainda diversos graus de semelhança que permitem imputar, com algum grau de segurança que, uma das assinaturas apostas na livrança que titula os presentes autos, pertence ao Embargante, aqui Recorrido.

I.

Nos termos da metodologia adoptada pelos peritos, a escala de probabilidades está dividida em onze níveis, sendo o “pode ter sido” o quinto nível de certeza ou probabilidade da autoria da assinatura. Como é sabido, níveis mais elevados de probabilidade (Muito provável ou muitíssimo provável) são de difícil alcance, exigindo a análise de elementos complexos da assinatura que, no caso concreto, não existiam.

J.

Como tal, o nível de probabilidade constante da conclusão da perícia não poderá deixar de ser entendido no sentido em que os peritos concluíram que, face aos elementos analisados, podem afirmar com um grau de certeza elevado que a assinatura impugnada é da autoria e foi aposta pelo punho do Embargante, ora Recorrido.

K.

Sucede que, relativamente aos resultados da perícia, refere a douta sentença recorrida: Ora, o exequente não logrou demonstrar que o executado embargante assinou a livrança exequenda. Deste modo, impõe-se verificar que o exequente não dispõe de título executivo válido relativamente ao executado embargante.

L.

Mais referindo que, impugnada a genuinidade da assinatura aposta numa livrança, é ao exequente que cabe convencer da verdade da mesma, produzindo designadamente prova que possibilite a conclusão da genuinidade da assinatura, o que não foi o caso, atendendo ao facto de a perícia ter apenas concluído que a assinatura aposta no verso da livrança dada à execução “pode ter sido” do punho do executado embargante, conclusão esta que, segundo entendemos, se não apresenta – designadamente porque desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente – com um grau de certeza suficiente.

M.

Ou seja, no entendimento do Tribunal a quo, a perícia realizada não permitiu alcançar, com suficiente certeza técnico-científica, um parecer que confirmasse ou infirmasse a impugnação do embargante em relação à autoria da assinatura e da expressão que lhe é imputada.

N.

Conforme facilmente se constata, e salvo o devido respeito, a douta sentença em crise inverte os elementos que constituem as conclusões da perícia. Com efeito, a perícia refere expressamente que “Considera-se que a escrita da assinatura contestada de P. P., aposta no documento identificado como C1, pode ter sido (1) produzida pelo seu punho”.

O.

Como tal, a douta sentença recorrida considera que a Exequente não logrou demonstrar que o Executado Embargante assinou a livrança exequenda, quando tal está em oposição com o teor do relatório pericial.

P.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, a Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, porquanto foram excluídos dos factos dados como provados, factos que se entende terem sido objecto de vasta e firme prova.

Q.

Conforme se deixou referido supra, a douta sentença recorrida considerou provado que nenhuma das assinaturas constantes no verso da livrança pertence ao Embargante – ponto 3.3 dos factos dados como provados. O que ocorreu, reitera-se, em clara oposição com o teor do relatório pericial.

R.

Com efeito, tendo o relatório pericial concluído como a assinatura “pode ter sido” da autoria do Recorrido, e tendo em conta que não foi produzida qualquer prova adicional com credibilidade suficiente para afectar a admissibilidade do relatório pericial, deveria a douta sentença recorrida ter dado como provado o facto, porém no sentido que uma assinatura constante no verso da livrança foi aposta pelo punho do Embargante.

S.

A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.

T.

O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. O julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação, que por sinal aqui não ocorreu. Desde logo porque a douta sentença recorrida indica conclusões do relatório periciais opostas às que aí foram formuladas, em manifesto lapso de interpretação.

U.

Destinando-se a prova pericial, em processo civil, à percepção ou apreciação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº. 388º do Código Civil) e, consequentemente, a exprimir um juízo técnico ou científico, este pela sua própria natureza, não obstante o princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal, ínsito nos arts. 389º do Código Civil e 607º, nº. 5 do CPC, só deverá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza; isto sem prejuízo obviamente da valoração da perícia e das conclusões da mesma no contexto da demais prova produzida.

V.

Veja-se, a propósito, o decidido no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/02/2015, processo n.º 165/10.3TBMUR-A.G1, relator Dr. Filipe Caroço, disponível em www.dgsi.pt, e supra transcrito.

W.

Por outro lado, não há dúvidas de que o contrato foi assinado pelo Embargante, pois que a sua assinatura foi reconhecida presencialmente pela Senhora Advogada identificada no reconhecimento de fls. (...), correspondente ao documento junto pela Embargada, como Doc. 1, com a sua Contestação.

X.

Note-se que o Embargante não suscitou a falsidade da assinatura aí constante, nem tão pouco do tal reconhecimento de assinatura (artigo 375º do Código Civil)...

Y.

Destarte, não há dúvidas de que o mesmo assinou o contrato em causa nos autos, cuja assinatura foi presencialmente reconhecida pela Advogada melhor identificada no...

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