Acórdão nº 6748/17.3T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA FERNANDES
Data da Resolução04 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

(…) residente na Travessa (…) em Vila Nova de Famalicão, propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, nos Juízos Locais Cíveis de Vila Nova de Famalicão, J2, Comarca de Braga, contra (…) Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.” e “(…), S.A.”, pedindo: a) a condenação da primeira ré a pagar à segunda ré o capital em dívida a que se vinculou no contrato com o certificado individual de seguro n.(…), à data de atribuição do grau de incapacidade definitivo de 68% à autora em 30.05.2017 ou à data de participação do sinistro de invalidez à segunda ré em 14.06.2017; b) a condenação da primeira ré a indemnizar a autora por todas as prestações bancárias pagas à segunda ré emergentes do contrato de mútuo celebrado, desde 05.09.2017 até à data do trânsito em julgado da sentença, a liquidar em futuro incidente de liquidação de sentença, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e até efectivo e integral pagamento; c) subsidiariamente, para a eventualidade de ser considerado nulo o contrato de seguro celebrado com a primeira ré deverá ser restituída à autora a quantia de € 1.108,03 (mil cento e oito euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal e anual, desde 16.04.2015 e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para o efeito, e em síntese, que celebrou, em 16 de Abril de 2005, juntamente com o seu marido, com a segunda ré, um empréstimo no valor de € 7.865,76, tendo-lhe sido imposta a contratação de um seguro de vida que garantisse o pagamento do capital mutuado junto da primeira ré, tendo a autora vindo a assinar a Proposta de Adesão ao Seguro de Vida – que garantia o pagamento do capital seguro nas situações de morte e invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva -, limitando-se a assinar no local onde a funcionária da segunda ré lhe indicou com um X, após o que foi emitido certificado individual de seguro cujo prémio no montante de € 1.108,03 foi liquidado imediatamente.

Mais alegou que, em 30 de Maio de 2017, lhe foi atribuído um grau de incapacidade permanente e definitiva de 68 %, encontrando-se a autora na situação prevista no artigo 1.º alínea d) das Condições Especiais do Seguro de Vida, em situação de invalidez absoluta e definitiva, necessitando ainda da ajuda de uma terceira pessoa para realizar os actos de vida diários. Sucede que, participado, em 14 de Junho de 2017, o sinistro de invalidez à segunda ré, a primeira ré veio a recusar o pagamento do capital seguro, por considerar a existência de uma patologia pré-existente. Acontece que a segunda ré violou os deveres de informação e comunicação relativamente à declaração de saúde subscrita pela autora, sendo certo que esta não faltou à verdade ou omitiu quaisquer factos na medida em que a doença de que padece e que deu lugar à invalidez em causa não era conhecida pela autora à data da subscrição do seguro.

Devidamente citadas, as rés apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da acção.

A ré (…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.” confirmou a existência do contrato de seguro alegado pela autora, e bem assim a recusa do pagamento do capital de seguro para o que alegou que a doença de que a autora padece (padecia) existe (existia) pelo menos desde 2013, tendo sido omitida aquando da subscrição do seguro. Alegou, ademais, que a autora não se encontra em situação de invalidez absoluta e definitiva nos termos das condições especiais do contrato de seguro em causa.

Relativamente ao pedido subsidiário, entende a ré que o mesmo não é devido porquanto o estorno de € 691,16 emitido na sequência da anulação do certificado individual comunicada em 12.07.2017 foi alocado ao certificado emitido para o marido da autora, uma vez que o risco contratado se manteve.

Por sua vez, a ré “(…), S.A” arguiu a excepção de ineptidão da petição inicial, e, por impugnação, alegou que todos os documentos com base nos quais foi celebrado o contrato de seguro, que foram preenchidos de acordo com informações transmitidas pela autora e marido de forma esclarecida e livre, foram-lhes exibidos, tendo-lhes sido explicado o conteúdo, e entregues as respectivas condições gerais e especiais.

Notificada para, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, se pronunciar quanto às excepções aduzidas pelas rés, apresentou a autora os articulados constantes de fls. 85-87 e 87-90, pugnando pelo seu indeferimento, pela anulabilidade da declaração de saúde inserta na Proposta de Adesão ao Seguro por violação dos deveres de informação e comunicação por parte da segunda ré, mantendo o desconhecimento da doença antes da subscrição do contrato de seguro celebrado. Requereu ainda a ampliação do pedido.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho de não admissão da ampliação do pedido, seguido da fixação do valor da causa e do despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e se afirmou a validade e a regularidade da instância. Mais se identificou o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “DECISÃO Face ao exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência: » julgam-se improcedentes os pedidos formulados a título principal; e » considerando a anulabilidade do contrato por falta de cumprimento do dever de informação, julgar procedente o pedido subsidiário, e condenar a primeira Ré (…) - COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A.” a restituir à Autora o valor do prémio de seguro vida pago, no valor de € 686,04 (seiscentos e oitenta e seis euros e quatro cêntimos), acrescido de juros, à taxa de 4%, desde 12.07.2017 até efectivo e integral pagamento, considerando-se as alterações legais da taxa até que tal pagamento ocorra.

» Custas da acção a suportar pela Autora e pela Ré “(…) - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.” na proporção do decaimento (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Valor da acção: já fixado a fls. 95.

» Registe.

» Notifique..”*Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “Conclusões I.

A questão sobre a qual versa o presente recurso é se poderia a sentença recorrida ter considerado que a Recorrente prestou efetivamente falsas declarações no momento em que preencheu o contrato, por dever considerar que não estaria de boa saúde.

II.

O conceito “estar de boa saúde” é um conceito vago e indeterminado, que carecia de se preenchido atendendo à realidade do caso concreto.

III. Ficou provado que a doença da Recorrente apenas foi diagnosticada após a celebração do contrato, mais se provando que a Recorrente desconhecia a referida doença.

IV. A existência de dores não implica, necessariamente, a existência de uma patologia, e muito menos que essa patologia venha a traduzir um estado de incapacidade funcional.

V. Para um leigo na matéria, estar de boa saúde equivale a não ter qualquer patologia diagnosticada, não ser seguido por nenhum médico devido a nenhuma condição específica de saúde, não estar sujeito a tratamentos clínicos, e não tomar medicação frequente.

VI. A Recorrente, no momento em que assinou a declaração, cumpria com todas as disposições constantes: não lhe havia sido atribuído qualquer grau de incapacidade funcional, estava, ou pelo menos assim achava, de boa saúde, e não esteve sujeita, no ano anterior, a qualquer tratamento médico regular nem havia sido aconselhada a submeter-se a qualquer intervenção cirúrgica ou médica.

VII. Em momento algum prestou a Recorrente falsas declarações e os factos provados em U., V., W., X., Z. corroboram integralmente tudo quanto supra exposto, pelo que a decisão que veio a ser proferida entra em direta colisão com a matéria de facto provada, o que determina a sua nulidade – cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. c) CPC.

VIII. “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” – cf. artigo 236.º CC..

IX. Um declaratário normal, em qualquer circunstância, entenderia que estaria de boa saúde, ainda que estivesse nas mesmas circunstâncias das em que se encontrava a Recorrente, termos em que a sentença proferida viola o disposto 236.º do CC.

X. “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.” – cf. artigo 227.º, n.º 1 CC.

XI. O conceito “estar de boa saúde” é um conceito vago e indeterminado, nele cabendo as mais imprevisíveis situações., sendo certo que a seguradora, querendo, teria várias formas de obstar à utilização deste conceito, utilizando antes terminologia concreta, como faz no restante da declaração.

XII. Tanto que o faz nos demais elementos que constam da declaração relacionada com as questões de saúde assinada pela Recorrente, as quais se revelam fácticas, diretas, facilmente percetíveis pelo declaratário, de compreensão inegável, de prova fácil.

XIII. Podendo recorrer a conceitos determinados, a opção da Recorrida seguradora em colocar sub-repticiamente um conceito indeterminado não é inocente e muito menos exemplo de boa fé contratual, sendo que a sentença proferida vem premiar a conduta dolosa e consciente da Recorrida seguradora, que age em manifesto abuso de direito.

XIV. É a Recorrida seguradora quem...

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