Acórdão nº 344/12.9TAFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCÂNDIDA MARTINHO
Data da Resolução08 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira I. Relatório 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº344/12.9TAFAFAF, que corre termos no Juízo Local Criminal de Fafe, foi proferida sentença a condenar, para além do mais, a recorrente/demandada “X Seguros, S.A”, a pagar ao ofendido M. A. a quantia de €165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros), a que acresce o pagamento da quantia de €229,60 (duzentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) de despesas de deslocação e transporte.

Mais foi condenada, no que respeita à quantia de €165.000,00, no pagamento dos juros de mora à taxa legal supletiva para os juros civis a contar da sentença até integral pagamento e, ainda, no que tange à quantia de €229,60 nos que se vencerem, à mesma taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização até efectivo e integral pagamento.

  1. Não se conformando com essa condenação, veio a demandada “X Seguros, S.A”,recorrer da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «1.

    O demandante foi indemnizado das consequências patrimoniais do dano biológico, ou seja, pela redução permanente da sua capacidade de trabalho e de ganho, ao abrigo do regime específico de acidentes de trabalho.

  2. Assim, como parece transparecer da fundamentação da decisão que incidiu sobre o dano biológico, a quantia atribuída ao demandante a esse título, no valor de € 50.000,00, destina-se a compensá-lo, essencialmente, das consequências não patrimoniais desse dano, pois se assim não fosse haveria uma inadmissível cumulação da indemnização atribuída ao demandante ao abrigo do regime específico de acidentes de trabalho com a indemnização que lhe foi arbitrada pela sentença recorrida a título de dano biológico.

  3. Sem questionar a importância dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, parece à demandada que o quantum indemnizatório que lhe foi atribuído na sentença recorrida - de € 50.000,00 pelo dano biológico (aqui se incluindo, essencialmente, as suas consequências não patrimoniais), €40.000,00 pelo quantum doloris, € 20.000,00 pelo dano estético e € 15.000,00 por outros danos não patrimoniais, no valor total de € 125.000,00 – é manifestamente exagerado, por referência à bitola jurisprudencial que tem vindo a ser adoptada noutros casos semelhantes, à qual o julgador deve atender na aplicação do art. 496º/4 do CC e na fixação da indemnização com recurso à equidade, sob pena de violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP, que deve orientar a definição da medida da compensação por danos não patrimoniais, para que não seja conferido tratamento desigual aos sinistrados em situação idêntica.

  4. Com efeito, à luz de tantas e tantas decisões que têm sido proferidas sobre a questão da medida da compensação dos danos não patrimoniais, e quando comparado com os valores indemnizatórios nelas atribuídos a esse título a sinistrados com lesões e sequelas de igual ou maior gravidade do que as do demandante, sem prejuízo do respeito que estas merecem, o referido quantum indemnizatório não pode deixar de ser considerado desadequado e desproporcional, especialmente (mas não só) os valores, verdadeiramente incomuns, de € 40.000,00 e € 20.000,00, destinados apenas a compensar o quantum doloris e o dano estético, respectivamente, ambos de grau 5, numa escala de 7 (o desfasamento entre esses valores e os previstos na Portaria nº 377/2008, de 26.5 - que, para um quantum doloris e um dano estético máximos, isto é, de 7 pontos, prevê compensações até € 5.335,20e € 10.260,00, respectivamente – é abissal, sendo que os tribunais não devem deixar de ponderar esses valores, apesar de não estarem, naturalmente, vinculados à sua aplicação).

  5. Também se se atender às compensações habitualmente atribuídas pela perda do mais importante direito fundamental, ou seja, do direito à vida, cujo valor médio ronda, sensivelmente, os € 50.000,00, e raras vezes ultrapassa os € 80.000,00, as quais, salvo melhor opinião, há que ter em consideração na compensação dos demais danos de natureza não patrimonial, concluir-se-á pela desadequação dos valores indemnizatórios fixados na sentença recorrida a título de danos não patrimoniais.

  6. Pelo exposto, o valor de € 50.000,00, fixado para compensação do dano biológico (essencialmente, das suas consequências não patrimoniais), bem como os valores de € 40.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, fixados a título de quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, respectivamente, pecam, manifestamente por excesso, face à bitola jurisprudencial adoptada noutros casos idênticos, justificando-se, por isso, uma redução significativa do total (em 40%, pelo menos), distribuída, equitativamente, em diferentes proporções pelos referidos componentes do dano não patrimonial.

  7. Nesse segmento condenatório, a sentença recorrida viola ou aplica desadequadamente, com desconsideração pelo princípio constitucional da igualdade, os arts. 496º/4 e 494º do CC.

  8. Porque susceptível de avaliação pecuniária, o valor da assistência prestada ao sinistrado por terceira pessoa constitui, potencialmente, um dano patrimonial.

  9. No caso sub judice, provou-se que a assistência, diária e parcial, ao demandante é prestada pela sua mulher (em cumprimento do dever de cooperação a que os cônjuges estão vinculados por efeito do casamento), pelo que não o obriga ao dispêndio de qualquer quantia e, consequentemente, não importa o empobrecimento do seu património.

  10. Não representando a prestação dessa assistência qualquer dano patrimonial para o demandante, não assiste a este o direito de ser indemnizado a esse título, e muito menos no valor de € 40.000,00, arbitrado pelo tribunal a quo em violação do art. 483º/1 do CC.

    Termos em que devem V. Exas. conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar, parcialmente, a sentença condenatória recorrida, reduzindo significativamente (em 40%, pelo menos) o valor total da condenação da demandada a título de dano biológico, quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, sem prejuízo de essa redução ser distribuída, equitativamente, em diferentes proporções pelos referidos componentes do dano não patrimonial, e absolvendo totalmente a demandada do pedido de indemnização por assistência de terceira pessoa, com o que fareis a costumada JUSTIÇA» 3.

    O demandante M. A. respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência.

  11. Neste tribunal da Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, atendendo à natureza cível do recurso interposto entendeu nada dizer.

  12. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

    1. Fundamentação A) Delimitação do Objeto do Recurso Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

      O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).

      O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

      No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, está apenas em causa matéria de direito, de natureza cível, sendo as questões a decidir as seguintes: - Se o valor de € 50.000,00, fixado para compensação do dano biológico, bem como os valores de € 40.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, fixados a título de quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, respectivamente, se mostram manifestamente exagerados; - Se o demandante tem direito à quantia arbitrada a título de assistência parcial de terceira pessoa.

      1. Do Acórdão recorrido Com vista ao conhecimento do recurso, interessa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida.

      III – FUNDAMENTAÇÃO - Factos Provados: 1.No dia 04 de Janeiro de 2012, pelas 18:30 horas, o denunciante, M. A.

      , tripulando o ciclomotor de matrícula GG, transitava na Rua …, Fafe, no sentido Fafe-Guimarães, na sua hemi-faixa de rodagem, a velocidade não concretamente apurada, com as luzes ligadas e fazendo uso do respectivo capacete de protecção.

      2. Por seu lado, o arguido J. C.

      , tripulando o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula BB, transitava no sentido inverso, ou seja, Guimarães-Fafe, pela sua hemi-faixa de rodagem, a velocidade não concretamente apurada.

      3. Na localidade de Fareja, o arguido J. C. que circulava atrás de um outro veículo, no mesmo sentido de trânsito e que não foi possível identificar, iniciou manobra de ultrapassagem do mesmo, tendo para o efeito desviado o veículo que tripulava para a hemi-faixa contrária ao seu sentido de trânsito de forma a realizar a manobra e quando estava já na mesma embateu no ciclomotor de matrícula GG, conduzido pelo denunciante, que circulava na mesma.

      4. O embate deu-se entre a parte frontal esquerda do veículo de matrícula BB e a parte da frente do ciclomotor de matrícula GG, estando a parte frontal esquerda daquele veículo a 4,30 metros do limite lateral da faixa de rodagem atento o seu sentido de trânsito, ou seja, no momento do embate estava a totalidade do veículo...

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