Acórdão nº 1524/16.3T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | EDUARDO AZEVEDO |
Data da Resolução | 24 de Abril de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães J. S. intentou em 06.07.2016 a presente acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra Sociedade de Construções S. C., Sa.
Alegando ter resolvido com justa causa o recontrato de trabalho celebrado com a R por falta de pagamento de renumerações pediu a condenação da mesma a reconhecer essa justa causa e em quantia por indemnização (82.424,47€) e outros créditos laborais referentes a renumerações vencidas, isenção de horário de trabalho, férias, subsídios de férias e de Natal (9.413,38€) vencidos até 03.06.2016, bem como em juros de mora (4%).
A R, então, informou que apresentou processo especial de revitalização (4689/17.3T8VNG, Tribunal da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Juízo do Comércio – Juiz 2), tendo em 07.06.2017 sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório de devedor.
Foi proferido despacho: “Como resulta dos autos, a ré encontra-se com novo processo especial de revitalização em curso.
De acordo com o disposto no art. 17º-E n.º 1 do CIRE, “A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívida contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
Ora, a presente acção, como já anteriormente referido, enquadra-se na previsão da citada.
Termos em que, face ao acabado se expor, se suspende a presente acção até que seja aprovado e homologado o respectivo plano de recuperação.”.
Nesse processo especial o A não recorreu da decisão interlocutória sobre as impugnações à lista provisória de créditos.
Na sentença homologatória do plano de recuperação (transitada em julgado, cfr oficio refª 93812774, de 12.06.2018) consta que o A requereu e informou que: “ … votou contra e requerem a não homologação do PLANO DE RECUPERAÇÃO apresentado, pois este prevê o pagamento dos créditos laborais em cinco anos e sem qualquer garantia patrimonial para o caso de incumprimento (sem o plano os autos seguiriam para liquidação do activo, altura em que os créditos laborais seriam tratados como privilegiados, o que seria mais favorável); os créditos laborais são privilegiados, tal como o crédito da Segurança Social, mas para este o plano prevê a manutenção das garantias patrimoniais já constituídas e o pagamento de juros, não tendo os requerentes consentido em tal tratamento diferenciado em que o plano os coloca, pelo que existe a violação do princípio da igualdade entre credores privilegiados.”.
Segundo esse plano, atento à mesma sentença: “Como se verá melhor infra no capítulo “Medidas Propostas”, será necessário assegurar um perdão de parte importante da dívida actual da empresa de forma a garantir a sua sustentabilidade, nos termos que se resumem de seguida: a) Dívida a Instituições de Crédito: (…) d) Dívida vencida aos funcionários: Pagamento da totalidade da dívida reconhecida aos funcionários nas condições e prazos previstos no Plano.
(…) e) Créditos laborais / privilegiados No que respeita aos créditos laborais propõe-se: 1) Pagamento dos créditos laborais no prazo máximo de 90 dias após a data de homologação do Plano, com excepção dos montantes correspondentes a indemnizações por resolução ou revogação de contrato de trabalho que são pagos de acordo com o ponto seguinte; 2) Montantes correspondentes a indemnizações por resolução ou revogação de contrato de trabalho: i. Reembolso do capital em 5 prestações anuais sucessivas e fixas (cada uma no montante de 20% do saldo inicial), vencendo-se a primeira 90 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano; e ii. Perdão total dos juros vencidos e vincendos.
As dívidas a funcionários detêm privilégio creditório geral ou especial e, ao abrigo do Plano de Recuperação, são considerados créditos privilegiados, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 47.º, n.º 4, alínea a) do CIRE e 333.º do Código do Trabalho.
(…) Todas as acções declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a S. C., deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prerrogativa legal prevista no disposto na parte final do n.º 1 do artigo 17º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza. No que respeita às acções pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com excepção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P.) – e que se encontrem suspensas – serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º-E, n.º 1, do CIRE.”.
Na mesma consta ainda: “(…) Pelo exposto, homologo, por sentença, nos termos do 17º-F nºs 5 e 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de recuperação apresentado pela devedora “Sociedade de Construções S. C., S.A.” e com vista à sua revitalização.
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – art. 17º-F, nº 10 do C.I.R.E..
(…)”.
Foi proferido despacho na presente acção: “Por despacho proferido a fls. 83/84 foi a presente acção suspensa nos termos do disposto no art.º 17.º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Conforme decorre das certidões entretanto juntas, o processo de revitalização terminou com a homologação (por sentença já transitada em julgado) de plano de revitalização, no qual não está prevista a continuação de qualquer acção.
A decisão que no presente momento se coloca ao tribunal é a de saber se a homologação do plano de revitalização no qual não se preveja a continuação de qualquer acção tem como efeito automático a extinção da presente acção declarativa. Quanto à suspensão foi já decidido no anterior despacho, sendo que aquela decisão não tem qualquer influência naquela que agora o tribunal é chamado a proferir: a suspensão das acções visa a estabilização momentânea do património do devedor, de forma a permitir-lhe negociar com os credores de maneira mais ponderada, mas não implica que as acções suspensas vejam o seu destino automaticamente traçado pelo que ali seja negociado e decidido.
Da letra do art.º 17.º-E, n.º 1 do CIRE pareceria decorrer a extinção pura e simples da presente acção. Contudo, uma interpretação teleológica e sistemática daquela norma não poderá levar à mesma conclusão.
O processo de revitalização é um processo híbrido, composto por uma fase extrajudicial e outra judicial, mas pautado pela informalidade e pela celeridade, não se prevendo um processo verdadeiramente equitativo e com todas as garantias para que os credores possam ver judicialmente apreciados os créditos que invoquem ter sobre a sociedade em processo de revitalização. O procedimento de reclamação de créditos e de impugnação da lista provisória de créditos não tem como finalidade a verificação e graduação definitiva dos créditos sobre a empresa, mas apenas a determinação do quórum deliberativo para as negociações e posterior deliberação sobre o plano de revitalização que venha a ser elaborado – neste sentido veja-se LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2013, pág. 159 e ss.. Revelador dessa natureza limitada é a diferença entre o processo de revitalização e o processo de insolvência quanto aos efeitos da conversão em definitiva da lista de créditos reconhecidos: ao passo que no processo de insolvência o decurso do prazo de reclamação e posterior decisão judicial das impugnações tem como consequência a impossibilidade de reconhecimento de novos créditos a não ser dentro dos limites apertados do processo previsto no art.º 146.º e ss. do CIRE (acção de verificação ulterior de créditos), no processo de revitalização o art.º 17.º-G, n.º 7 prevê que em caso de conversão do processo de revitalização em insolvência, a lista definitiva de créditos não impede que os créditos que não tenham sido atempadamente reclamados o venham a ser no prazo de reclamação de créditos do processo de insolvência. Ou seja, o carácter definitivo da lista de créditos da revitalização não faz precludir o direito de reclamação de qualquer credor que não o tenha feito nesse primeiro processo.
Esta natureza do processo de revitalização e as normas vindas de citar levam a concluir que não se pode atribuir à homologação do plano de revitalização o efeito automático de extinção de todas as acções declarativas. Nestas haverá que distinguir entre aquelas que se referem a créditos totalmente reconhecidos no processo de revitalização e que não foram objecto de qualquer controvérsia – situação em que efectivamente a acção perde utilidade, por não existir conflito que deva ser dirimido pelo tribunal – e aquelas outras nas quais se discutem créditos que ou não chegaram a ser considerados no processo de revitalização ou ali foram alvo de impugnação – situação em que aquele conflito que exige decisão judicial se mantém, pois ainda que tenha havido decisão judicial no processo de revitalização, ela visou apenas a determinação do quórum deliberativo e não a definição judicial do direito.
In casu, é, pois, preciso atentar no facto de no processo de revitalização o crédito em discussão nos presentes autos ter sido relacionado pela aqui ré (ali requerente), ter sido incluído na lista pelo Administrador Judicial Provisório e não ter sido a lista provisória de credores alvo de impugnação por parte do autor deste processo – tal decorre da certidão junta a fls. 134 e ss.. Conclui-se que o crédito que aqui é reclamado pelo autor, referente a créditos laborais vencidos em momento anterior ao do processo de revitalização, obterá pagamento...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO