Acórdão nº 6099/18.6T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Novembro de 2019
Magistrado Responsável | ANTÓNIO BARROCA PENHA |
Data da Resolução | 07 de Novembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO (..) Lda.
intentou a presente ação declarativa comum contra (…) S.A.
, pedindo a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 23.506,12, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados desde a data de vencimento das faturas até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em suma, que, no exercício da sua atividade comercial, efetuou vários serviços para a ré, a qual ainda não pagou, a título de preço, a quantia acima indicada.
Pediu também a apensação dos autos de arresto que identificou.
Uma vez notificada, a ré contestou, impugnando parcialmente a factualidade alegada pela autora e pugnando, a final, pela parcial improcedência da ação, devendo a ré ser parcialmente absolvida do pedido, com a dedução dos valores referidos em 1 a) e b) ao montante peticionado pela autora.
Alegou, para tanto, em síntese, que a ré alegou que não deve à autora o montante peticionado, pois que ao mesmo deverá ser deduzido valores que foram faturados, mas que não foram efetivamente executados pela autora, assim como deverão ser deduzidos encargos que a ré teve que suportar em resultado de reparação de anomalias detetadas nos trabalhos executados pela autora.
Deduziu ainda reconvenção, mediante o qual pede a condenação da autora reconvinda a pagar à ré reconvinte os seguintes valores, mencionados em 3: a) € 2.500,00 e b) € 3.000,00, por penalidades que teve de suportar; c) € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais provocados à autora em decorrência do decretamento do arresto; d) € 22.500,00, a título de danos patrimoniais provocados à autora, decorrentes do decretamento do arresto.
Alegou para tanto, em síntese, mercê dos atrasos da autora na execução dos trabalhos contratados, em regime de subempreitada, a ré empreiteira teve que suportar penalizações que lhe foram aplicadas pelos donos das obras, devendo, pois, a ré reconvinte ser compensada pelos pagamentos efetuados a este título quer na obra da “Rua ...
”, quer na obra do “Bar …”.
Por outro lado, a autora interpôs contra a ré uma providência cautelar de arresto, a qual foi decretada pelo tribunal, sem audiência prévia da ré e com base em alegações falsas da autora, em especial no que se refere ao justo de receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito, vindo a serem arrestadas à ré todas as suas contas bancárias, assim como foi efetuado o arresto e remoção de todos os instrumentos de trabalho que se encontravam no seu estabelecimento, escritório e sede, o que veio a causar danos patrimoniais e não patrimoniais à sociedade ré, cuja indemnização peticiona.
A autora reconvinda deduziu réplica (cfr. ref.ª citius n.º 8055016 do processo principal), impugnando a factualidade alegada pela ré reconvinte, invocando, ainda que as indemnizações peticionadas pela ré reconvinte não cabem na previsão do art. 266º, do C. P. Civil, sendo certo que a autora reconvinda exerceu um direito que lhe assiste e recorreu a um mecanismo expressamente previsto na lei e a providência cautelar decretada pelo tribunal não foi considerada injustificada. Mais invocou a exceção perentória de caducidade, quer do direito de denúncia dos defeitos, quer do direito de ação, pugnando pela condenação da ré reconvinte como litigante de má fé em multa e indemnização e pela improcedência da reconvenção deduzida.
Por despacho proferido em 28.02.2019 (cfr. ref.ª citius n.º 162284643), foi a ré reconvinte convidada para dizer o que se lhe oferecer quanto à inadmissibilidade da reconvenção “na parte relativa aos danos causados com a propositura do arresto, por falta, nesse particular aspeto, de qualquer dos elementos de conexão substantiva elencados no nº 2 do art. 266º do CPC.
” A ré reconvinte respondeu, mediante requerimento apresentado a 11.03.2019 (cfr. ref.ª citius n.º 8363186 do processo principal).
Procedeu-se à realização da audiência prévia.
Na sequência foi proferido, em 18.06.2019, despacho saneador, que, desde logo, se pronunciou sobre a admissibilidade do pedido reconvencional, nele se podendo ler, mormente, que: “ Da (in)admissibilidade parcial da reconvenção: Dou por reproduzido o despacho de fls. 151, reiterando que, na parte em que pretende obter o ressarcimento pelos danos causados com o arresto, a reconvenção não deverá ser admitida.
Isto porque a admissibilidade da reconvenção não prescinde da verificação de um dos elementos de conexão referidos nas alíneas a) a d) do nº 2 do art. 266º do CPC e, nessa parte, esse elemento de conexão não está presente.
Efectivamente, a autora funda o seu pedido na falta de pagamento do preço dos serviços prestados.
A ré alega, por um lado, que tais serviços foram prestados com atraso e defeito, tendo tido que pagar ao dono da obra penalidades, mais tendo tido que rectificar trabalhos, tudo a expensas próprias, pretendendo ser reembolsada.
Nessa parte, dúvidas não restam quanto à admissibilidade da reconvenção, nos termos da alínea c) do nº 2 do art. 266º do CPC.
Já o mesmo não se dirá quanto aos factos atinentes aos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do arresto.
Efectivamente, a este propósito, a ré alega os seguintes factos: 1) A autora deu entrada, em Março de 2018, a uma providência cautelar de arresto contra a ora ré, sem audição prévia, a qual correu termos no Juízo Local Cível de V. N. Famalicão/ Juiz 3, sob o n.º de processo 1673/18.3T8VNF.
2) O tribunal decretou a providência, determinando o arresto dos seguintes bens: bens imóveis, móveis e veículos automóveis propriedade da ora ré; saldos bancários titulados pela ora ré.
3) No princípio de Abril de 2018, a ora autora procedeu ao arresto de todas as contas bancárias tituladas pela ré, em diversas instituições bancárias, nomeadamente no Banco … e na Caixa ….
4) No dia 23 de Maio de 2018 a ora autora procedeu ao arresto e efectiva remoção da quase totalidade dos bens móveis que se encontravam no estabelecimento/escritórios da ré, nomeadamente os computadores, impressoras, ratos, teclados, mesas, cadeiras, monitores, servidores informáticos e microondas.
5) Desse modo, a autora privou a ré de todos os meios e equipamentos de que esta dispunha para desenvolver a sua actividade enquanto construtora.
6) O objectivo do arresto foi apenas o de ferir e prejudicar a ré, como realmente veio a suceder.
7) Com efeito, com o arresto e a efectiva remoção de todos os seus instrumentos de trabalho, a autora viu-se privada de exercer regularmente a sua actividade durante quase três meses (Abril a Julho de 2018), altura em que, por força da revogação do arresto, foram “devolvidos” os bens e levantados os arrestos das contas.
*Do exposto resulta que a ré pretende, em contestação/reconvenção, discutir a responsabilidade civil extracontratual emergente do facto ilícito e culposo alegadamente resultante da apresentação infundada do procedimento cautelar de arresto.
Ou seja, fundando-se a presente acção no preço devido por três contratos de empreitada, entende a ré que, na contra-acção, poderá discutir, por um lado, os contracréditos emergentes desses três contratos de empreitada (em virtude de defeitos e penalizações por si suportadas), por outro, cumulando causas de pedir, um crédito emergente de um direito indemnizatório, a discutir, emergente de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo [alegadamente, até doloso – não sendo, porém, de relevar, a este propósito, o que vai disposto na alínea a) do nº 1 do art. 853º do CC]. Mais adianta a ré que, pretendendo a compensação, nos termos da alínea c) do nº 2 do art. 266º do CPC, é-lhe permitido discutir, em reconvenção, qualquer crédito, não relevando a distinta relação jurídica que funda a acção ou a circunstância de a própria existência do crédito ter de discutir-se. Nessa óptica, o arresto gerador de responsabilidade poderia ser o que foi invocado ou qualquer outro, conquanto fossem as mesmas as partes que se opunham.
Tal entendimento prescinde da verificação de qualquer conexão entre a acção e a contra-acção: basta que exista uma qualquer outra situação jurídica hipoteticamente geradora de um crédito para que, com a finalidade de operar a compensação, possa vir a discutir-se uma outra acção (a contra-acção), inteiramente nova, com o propósito de se aferir se esse crédito existe e pode ser exigido.
Salvo o devido respeito, se assim fosse, as perturbações que uma reconvenção poderia introduzir no processo seriam incontroláveis.
Como refere ALBERTO DOS REIS (in: Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, III Ed., p. 379), «[o] art. 279º (actual 266º) regula os casos de reconvenção, isto é, fixa os requisitos de que depende a admissibilidade de pedidos reconvencionais. Estes requisitos são de duas ordens: requisitos objectivos e requisitos processuais. Os requisitos objectivos traduzem-se na exigência duma certa relação ou conexão entre o pedido reconvencional e o pedido do autor».
Entre o pedido original e o pedido reconvencional há-de verificar-se uma determinada conexão, pois “seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar numa acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma” – vd. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao CPC, Vol. III, p. 99.
Essa conexão, salvo melhor opinião, não se encontra quando a acção tem por objecto contratos de empreitada e a reconvenção se reconduz à discussão de facto ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual (vg., um acidente, as consequências cíveis de um crime contra o património, os prejuízos verificados por uma actuação desconforme numa relação de vizinhança…).
Essa conexão não pode também derivar dos efeitos extrajudiciais da propositura da acção judicial: dessa – a própria acção intentada pelo autor - ou doutra. Se assim fosse, a qualquer acção com vista ao reconhecimento de um crédito poder-se-ia opor, em reconvenção, que a mera propositura da dita acção angustiara o réu em termos tais que o habilitam a uma indemnização por danos não patrimoniais. Bastaria o réu terminar esta alegação com um...
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