Acórdão nº 17/18.9T8VFL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A. J., intentou, em 16-01-2018, no Tribunal de Vila Flor, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os réus: 1ª X - COMPANHIA DE SEGUROS, SA, e 2ª FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL.

Pediu a condenação de ambas a pagar-lhe, solidariamente: a) a título de danos patrimoniais já apurados, a quantia de 1.335,14€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; b) a título de danos não patrimoniais já apurados (incluídos os decorrentes da incapacidade permanente/défice funcional permanente), a quantia de 22.000,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; e c) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência da conduta das rés, os que se vierem ainda a apurar e fixar equitativamente pelo tribunal.

Alegou, resumindo, que, em 21-02-2015, foi vítima de “acidente de viação/desportivo” quando decorria, em ...

, Vila Flor, o “I RAID TT ...

”, em que participavam veículos de diversas categorias, organizado pela sociedade “...

– Actividades de Lazer, Lda” que a tal se dedica. Tal actividade foi licenciada pela Câmara local e a GNR deu-lhe parecer no sentido de que “não há inconveniente” desde que todos os intervenientes cumprissem escrupulosamente todas as normas vigentes relativas à circulação rodoviária.

A organizadora “...

” celebrara contrato de seguro de responsabilidade civil com a 1ª ré, cuja apólice (RC79256824) cobria os danos resultantes da referida actividade (Raid).

O itinerário estabelecido pelos organizadores e indicado às autoridades tinha, como ponto de partida e de chegada, o edifício da Câmara e foi realizado por estradas florestais, caminhos e, em alguns percursos, fora dessas vias, mas não foi anunciado aos moradores das respectivas localidades nem estava sinalizado com fitas, avisos ou materiais equiparados, nem havia pessoas da organização nos troços coincidentes com caminhos agrícolas utilizados pela população local para os seus terrenos, nem policiamento.

Durante o Raid, no percurso de regresso ao ponto de partida, o “cortejo” passou por um caminho particular de utilização pública, transversal a dois caminhos rurais, onde estava o autor, sentado numa carroça parada e a que estava atrelado o cavalo, ocupando quase a totalidade do caminho (que tinha 2 metros de largura). O autor andava por ali a fazer trabalhos de “poda”.

Pouco antes das 15,00h, dois dos veículos TT participantes, de cujos condutores desconhece a identidade, no caso motos de quatro rodas, adiantaram-se aos demais participantes e passaram em velocidade, com o ruído próprio desses veículos, rente ao veículo de tração animal, onde o sinistrado se encontrava sentado naquele preciso momento, roçando no cavalo, assustando-o e ferindo-o numa coxa, o que levou a que ele se perturbasse e saltasse virando a carroça.

Daí resultou uma queda violenta do autor, deixando-o prostrado e completamente incapaz de levantar-se, sem perceber no momento a gravidade da lesão, tendo mesmo chegado a ter pequenos momentos, intermitentes, de desmaio, tendo sido depois socorrido e transportado ao hospital.

Sofreu lesões físicas diversas, internamento, tratamentos, exames, dores, etc., do que resultaram sequelas, reclamando, pois, indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais consequentes.

Contestando, a 1ª ré X arguiu a excepção peremptória de franquia, a exclusão de cobertura e impugnou a alegação do autor (quanto à dinâmica do evento e aos danos), concluindo que, a provar-se a versão do autor, trata-se de acidente de viação enquadrável no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel de cada um dos veículos intervenientes na colisão e, caso não sejam identificados, competirá a sua responsabilidade ao 2º réu.

Contestando também, o 2º réu FGA (ou ASF) arguiu a excepção de ineptidão da petição inicial; ilegitimidade (por o evento não ser abrangido pela sua responsabilidade); irresponsabilidade por se tratar de um caminho particular, de consortes; inexistência de acidente rodoviário, por não se tratar de via pública nem de uma viatura automóvel; culpa do lesado contribuinte para a ocorrência e os danos, pelo que deve ser excluída a indemnização; conhecimento e identificação dos lesantes pela empresa organizadora, acrescentando que o contrato de seguro celebrado com a 1ª ré cobre os alegados danos. No mais, impugnou a factualidade.

Na resposta, o autor pronunciou-se sobre a matéria invocada a título excepcional.

Foi fixado o valor da causa e proferido saneador, no qual se julgaram improcedentes as excepções de ineptidão da petição, de ilegitimidade passiva do 2º réu e se verificaram tabelarmente os demais pressupostos. Identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Após produção de prova pericial, designou-se a audiência de julgamento.

Esta realizou-se nos termos e com as formalidades narradas nas actas.

Em 25-06-2019, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão: “Assim e pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno a Ré FGA (Fundo de Garantia Automóvel) a pagar ao autor a quantia de €95,06 (noventa e cinco euros e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; b) Condeno a Ré FGA (Fundo de Garantia Automóvel) a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais, a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença pelos lucros cessantes suportados pelo Autor na sua exploração agrícola, como consequência do sinistro, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, de 4% ao ano desde a data da prolação da decisão do incidente de liquidação, e até efetivo e integral pagamento.

  1. Condeno a Ré FGA (Fundo de Garantia Automóvel) a pagar ao Autor a quantia de € 9.000 (nove mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, de 4% ao ano desde a data da prolação da presente sentença e até efetivo e integral pagamento.

  2. Absolvo a Ré FGA (Fundo de Garantia Automóvel) do demais peticionado contra si, pelo autor.

  3. Absolvo a ré X de tudo quanto foi peticionado, contra si, pelo Autor.

    Custas pelo Autor e ré FGA, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam, respetivamente, em 40% e 60%.

    Valor da causa: o fixado em sede de despacho saneador.

    Notifique e registe. ” O 2º réu FGA não se conformou e apelou a esta Relação, alegando e concluindo: “ 1. O Apelante FGA não se conforma com a decisão do Tribunal a quo que condenou o FGA ao pagamento das quantias peticionadas pelo A., a título de ressarcimento pelos danos sofridos com o sinistro dos presentes autos, que consubstancia um sinistro ocorrido no decurso de uma prova desportiva.

    1. O Apelante entende que a decisão do Tribunal a quo consubstancia uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, como adiante se vai procurar demonstrar.

    2. O Fundo de Garantia Automóvel, conforme dispõe o artigo 47º nº 1 do DL 291/2007 de 21/08 é garante da reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel.

    3. E de acordo com o disposto no artigo 14º nº 4 al. e) do DL 291/2007 de 21/08, o Fundo de Garantia Automóvel não garante a reparação de quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais.

    4. O que está em causa é um sinistro ocorrido no decurso de uma prova desportiva, um Raid, conforme resulta da matéria de facto dada como provada e o Fundo de Garantia Automóvel não garante a reparação dos danos provenientes de atividades desportivas.

    5. Não andou bem o Tribunal a quo ao considerar que concorda com o Autor quando refere que “a exclusão do art. 14º, nº4, alínea e) do DL 291/2007 de 21/08, ex vi art. 52º do mesmo diploma, não abrangente ao ponto de incluir os danos resultantes de acidentes de viação envolvendo terceiros não participantes na prova em causa, mormente quando da perspetiva do autor, com absoluto desconhecimento de que ali decorria uma prova, é confrontado com dois motociclos em via aberta à circulação pública e que, em contravenção das regras estradais, provocaram o referido sinistro.” 7. No caso dos autos não podemos dizer que estamos a discutir um simples acidente de viação, cuja condução tem regras próprias estabelecidas no Código da Estrada. Conforme considerou e bem o Tribunal a quo, “efetivamente tratou-se de uma prova desportiva” e a tanto não obsta o facto de não existir uma classificação ou prémios por classificação.

    6. Mas sempre se dirá que, no âmbito da prova desportiva em causa não funciona o seguro de responsabilidade civil obrigatório, tendo de existir um seguro próprio! 9. E nos termos do disposto no artigo 48º do DL 291/2007, o Recorrido FGA apenas garante as indemnizações devidas por danos causados por veículos sujeitos a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

    7. E não por veículo sujeito ao seguro obrigatório de provas desportivas.

    8. O seguro de responsabilidade civil obrigatório é distinto do seguro de provas desportivas – vide artigo 6º nº 5 e artigo 8º do DL 291/2007, de 21/08.

    9. Nos termos do artigo 14º nº 4 al. e) excluem-se da garantia do FGA quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais.

    10. Entende o Recorrente FGA que no caso sub judice temos por assente que o acidente dos autos ocorreu no âmbito de uma prova desportiva, onde não funciona o seguro de responsabilidade civil obrigatório, tendo que existir um seguro próprio como se viu, pelo que o FGA não responde neste tipo de situação.

    11. No mesmo sentido vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de Coimbra, de 26/03/96, CJ, A.21, Tomo II (1996), pp. 24/31).

    12. O veículo causador dos danos descritos estava...

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