Acórdão nº 3789/18.7T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução14 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório A Caixa ..., S.A. intentou, no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 5 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra J. P. e a M. R., pedindo a condenação destes: a) a reconhecer a Autora como dona e legítima proprietária imóvel identificado em 1 da p.i., e a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens; e b) a pagar à Autora, a título de indemnização pelos danos causados, a importância de € 72.491,03 calculada até 30.06.2018 e, ainda, o montante mensal de € 1.096,79 a contar desta data até à entrega efectiva do imóvel, com actualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres, a liquidar em execução de sentença, acrescidas de juros sobre o montante total da indemnização até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em resumo, que tendo adquirido o identificado imóvel por negociação particular em processo de insolvência dos aqui Réus, aquisição que registou a seu favor, não logrou entrar na posse efectiva do imóvel, porquanto os Réus o ocupam, sem título e sem consentimento da Autora, pelo menos desde 29.11.2012, não o entregando à legítima proprietária, apesar de por esta interpelados para o efeito.

A atuação dos Réus vem provocando à Autora prejuízo correspondente ao valor de arrendamento no mercado.

*Citados, contestaram os Réus, concluindo pela procedência da invocada exceção perentória ou, assim não se entendendo, pela total improcedência da ação (cfr. fls. 27 a 31) Excecionaram que o imóvel não está dotado de licença de utilização válida, razão pela qual não pode ser vendido, nem arrendado.

Impugnaram o alegado valor de arrendamento do imóvel, bem como, por desconhecimento, a venda do imóvel à Autora, referindo nunca, anteriormente à propositura da presente ação, tendo sido interpelados para o entregar, razão pela qual se encontram de boa-fé.

*Respondeu a Autora à matéria de exceção, reiterando os fundamentos da ação e pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má-fé no pagamento de multa e de indemnização a favor da Autora, por utilizarem argumentos falsos na contestação para entorpecer a ação da justiça e conseguir objetivo ilegal de se manterem na ocupação do imóvel, dificultando a entrega reclamada pela Autora (cfr. fls. 52 a 54).

*Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador que enunciou o objeto do litígio e os temas da prova, bem como admitiu os meios de prova (fls. 56 e 57).

*Procedeu-se à realização da audiência de julgamento (cfr. acta de fls. 90 e 91).

*Posteriormente, o Mm.º julgador “a quo” proferiu sentença, datada de 13/10/2017 (cfr. fls. 92 a 99), nos termos da qual, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu: - Condenar os RR. a reconhecer a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado nos factos provados números 1 e 2, e a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens; e - Condenar os RR. a pagar à Autora, a título de indemnização pelos danos causados, a importância mensal de € 400,00 (quatrocentos euros) desde Setembro de 2018 inclusive até à entrega efectiva do imóvel, acrescida de juros sobre o montante total da indemnização até integral e efectivo pagamento.

- Julgar parcialmente improcedente a ação, absolvendo os RR. da parte restante do pedido formulado.

*Inconformados, os réus interpuseram recurso da sentença (cfr. fls. 101 a 105) e, a terminar as respetivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1ª. A Recorrida pediu a condenação dos Recorrentes a pagar-lhe uma indemnização pelos danos causados até à entrega efetiva do imóvel; 2ª. Os Recorrentes excecionaram que o imóvel não está dotado de licença de utilização válida, razão pela qual não pode ser vendido nem arrendado, assim como impugnaram o alegado valor de arrendamento do imóvel, bem como, por desconhecimento, a venda do imóvel à Recorrida, nunca anteriormente à propositura da presente ação, tendo sido interpelados para o entregar, razão pela qual se encontram de boa-fé.

  1. O douto Tribunal no capítulo “Fundamentação” entendeu (deu como provado), no que ao caso importa, que os Recorrentes sabem, desde Dezembro de 2017, que o imóvel identificado nos factos provados números 1 e 2 foi vendido à Autora (artigo 28º da Contestação).

  2. Os Recorrentes permanecem, como o conhecimento da Autora, a residir no imóvel descrito nos factos provados números 1 e 2 desde data anterior a 29.11.2012 (artigo 5º da p.i. e 29º da contestação).

  3. Colocado no mercado de arrendamento, o imóvel descrito nos factos provados números 1 e 2 proporcionaria, caso dispusesse de autorização de utilização, (sublinhado nosso) uma renda mensal de € 400,00 desde Dezembro de 2012 (artigos 8º e 10º da p.i.) e 16º, 17º e 21º da contestação).

  4. O imóvel não dispõe de licença de utilização.

  5. O Tribunal deu como não provado que a carta mencionada no facto 5 foi recebida pelos Autores (artigos 6º da p. i. e 31º da contestação).

  6. O Tribunal deu como provado que o imóvel colocado no mercado de arrendamento proporcionaria uma renda mensal de € 250,00, desconsiderando e não valorando injustificadamente a única prova, testemunhal produzida em juízo, sem que houvesse outra capaz de a contradizer.

  7. A fundamentação para a douta condenação não nos parece suficiente para justificar a aplicação de tamanha sanção (indemnização) económica, uma vez que: a) Não existe obrigação de indemnizar quando a conduta não causa prejuízo e, como ficou demonstrado nos Autos, a Recorrida estava impedida pela falta de licença de ocupação, de obter qualquer rendimento económico a título de arrendamento; b) Mas, por mera hipótese que não se concede, ainda que houvesse razão para indemnizar, o montante fixado de € 400,00 mensais é manifestamente exagerado, quando a única prova apresentada nos Autos, testemunhal, se referiu a um valor nunca superior a 250,00 € mensais, não havendo razões para a desvalorizar, face à total ausência de outras o que, cremos limita o recurso ao livre arbítrio do julgador.

  8. O recurso ao “Instituto do Enriquecimento Sem Causa”, como alternativa, à justificação para uma condenação como a dos Autos nos merece provimento.

  9. O enriquecimento sem causa constitui uma das fontes das obrigações, ainda que com natureza subsidiária, ou seja, quando não seja possível subsumir a obrigação em qualquer outro instituto. Assim o diz o artigo 474º do Código Civil “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à retribuição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.

  10. Desta norma parece resultar que quem, pretenda ser indemnizado, em virtude de outro ter “enriquecido à sua custa” tem necessariamente que ficar empobrecido, designadamente no seu património.

  11. Nada nos Autos nos diz que a Recorrida ficou empobrecida no seu património; pelo contrário, dos Autos resulta que Recorrida nenhum proveito económico poderia obter com a entrega do imóvel em Setembro de 2018.

  12. Por outro lado e do ponto de vista dos Recorrentes, dos Autos nada resulta que estes tivessem tido um enriquecimento à custa de um património defraudado por parte da Recorrida, que justifique qualquer recomposição.

  13. Incumbe à Recorrida, com pretensa empobrecida (o que não se concede) o ónus da prova dos danos consequentes ou da obtenção sem causa e à sua custa de um enriquecimento dos Recorrentes.

  14. Os Autos são um total vazio em tal matéria.

  15. Razões pelas quais os Recorrentes deveriam ser absolvidos e consequente a ação julgada totalmente improcedente, na parte em que é pedida a sua condenação a pagarem à Recorrida a indemnização por danos causados que foi peticionada.

Termos em que e sempre com o douto suprimento de V. Exas. dando provimento ao presente recurso, revogando a Douta Sentença aqui recorrida, que consagre a improcedência do pedido de indemnização em que os Recorrentes foram condenados, farão V. Exas. serena e sã JUSTIÇA!».

*Contra-alegou a autora, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 109 a 113).

*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. fls. 114).

*Foram colhidos os vistos legais.

*II. Delimitação do objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em indagar da (in)verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação do uso do imóvel com fundamento no enriquecimento sem causa.

*III.

Fundamentos IV. Fundamentação de facto.

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. Por título de compra e venda celebrado a 29.11.2012 na Conservatória do Registo Predial de …, N. R., na qualidade de Administrador da Insolvência de J. P...

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