Acórdão nº 3335/17.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | AFONSO CABRAL DE ANDRADE |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.
Para um lesado que à data do acidente tinha 21 anos de idade, em consequência do acidente sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas com perfuração dos pulmões e traumatismo dos ombros e braços; esteve internado e em coma durante oito dias; sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a actividade profissional, mas implicam esforços suplementares; exerce a profissão de canalizador, e auferia à data do sinistro a retribuição anual de € 8.997,30: consideram-se equitativos os valores de € 120.000,00 a título de danos patrimoniais futuros, e de € 50.000,00 quanto aos danos não patrimoniais.
I- Relatório A. M.
, residente em ..., concelho de Monção intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra X, Companhia de Seguros, SA, (anteriormente designada Y), com sede Rua …, da cidade do Porto.
Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia líquida de € 150.000,00, acrescida de juros de mora.
Alegou, em síntese, os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro que descreve, do qual resultaram lesões corporais e prejuízos materiais para o autor e cuja ocorrência imputa à conduta ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na ré.
A ré seguradora apresentou-se a contestar, impugnando a versão do acidente e ainda os danos e os montantes alegados, tendo alegado que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor.
Terminou pedindo a improcedência da presente acção.
Dispensada a realização da audiência prévia e elaborado o Despacho Saneador, foi proferido despacho ao abrigo do disposto no art. 596º CPC.
Após, realizou-se a audiência de julgamento, e a final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e em consequência condenou a ré a pagar-lhe: -a quantia de € 30.000,00, à qual deverão ser eventualmente deduzidos os valores já pagos ao autor por força do acidente de trabalho e no âmbito do processo identificado no ponto 42 do elenco dos factos provados, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e -a quantia de € 12.500,00, acrescida de juros de mora a contar da data citação e até integral pagamento; - absolvendo-a do restante pedido; Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação (art. 644º CPC), a subir imediatamente nos próprios autos (art. 645º, a CPC), com efeito devolutivo (art. 647º,1 CPC).
Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.
O A. exercia e continua a exercer a profissão de canalizador; 2.
Auferia à data do sinistro a retribuição anual de € 8.997,30; 3.
Após o acidente não se verificou qualquer diminuição de rendimentos; 4.
O A. nasceu no dia -.-.1993; 5.
Correu termos no Juízo de Trabalho do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, o processo nº 2501/15.7T8VCT, no âmbito do qual e em virtude do sinistro dos autos e da IPP que lhe foi atribuída, foi proferida decisão em 29.09.2011, transitada em julgado, a fixar ao A. uma pensão anual e vitalícia no valor de € 1.927,22 a cargo da Companhia de Seguros W, SA e outra no valor de € 51,44 a cargo da entidade patronal; 6.
Tendo em conta estes factos e as fórmulas matemáticas / financeiras utilizadas para o cálculo da indemnização, a indemnização pela incapacidade parcial permanente a atribuir ao A. nunca deveria exceder os € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo apenas 25% (€12.500,00) da responsabilidade da R., devendo considerar-se exagerado o montante indemnizatório atribuído pelo Tribunal “a quo” a tal título e revogada a sentença; 7.
Os danos morais sofridos pelo A. são de média gravidade; 8.
Razão por que deve considerar-se exagerado o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) arbitrado pelo Tribunal de 1ª Instância a título de indemnização por danos não patrimoniais 9.
Devendo ser revogada a sentença proferida, substituindo-se, nos termos do art. 496º, nº 3 do Código Civil, por um montante equitativo e, como tal, consideravelmente inferior, nunca superior a € 20.000,00 (vinte mil euros), sendo apenas 25% (€ 5.000,00) da responsabilidade da R.; 10.
Ao decidir como decidiu, o Tribunal de 1ª Instância violou o disposto nos arts. 496º, nº 3 e os arts. 562º e seguintes do Código Civil.
Não houve contra-alegações.
II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se os valores arbitrados a título de danos patrimoniais e não patrimoniais são os correctos.
III A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: 1.
No dia 16.10.2014, pelas 8h18, na EN 202, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula VL, conduzido pelo autor e o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula DS, pertencente a ... – Transportes e Serviços, Lda e conduzido por M. G..
-
O condutor do veículo de matrícula DS conduzia-o ao serviço e às ordens da aludida sociedade comercial ... – Transportes e Serviços, Lda.
-
A referida via, no local da intersecção entre a EN 202 e o CM nº 1099, desenhava-se em recta, sendo precedida de uma curva no sentido de marcha do veículo de matrícula DS.
-
Na referida confluência do CM nº 1099-2 com a EN 202, existe um sinal de STOP para os veículos provenientes do aludido caminho.
-
O local do embate é uma via com muito trânsito, sendo o limite de velocidade limitado a 70 Km/hora.
-
Na altura do embate, o piso da via encontrava-se molhado.
-
O veículo de matrícula DS circulava na EN 202 a uma velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a cerca de 70 kms/hora.
-
Quando o veículo de matrícula DS se encontrava a cerca de 20 metros da intersecção com o CM nº 1099-2, situada à direita, e que dá acesso à localidade de Longos Vales, surgiu proveniente deste caminho o veículo de matrícula VL, o qual não se imobilizou à entrada na EN 202.
-
Perante a presença do veículo conduzido pelo autor, o condutor do veículo de matrícula DS não travou, nem reduziu a velocidade de que vinha animado.
-
Indo embater com a parte da frente da viatura DS na parte lateral esquerda frente da viatura de matrícula VL.
-
O embate ocorreu na EN 202, na hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo de matrícula DS.
-
Por força do embate, a viatura conduzida pelo autor foi projectada, a cerca de 22 metros do local do embate, ficando imobilizada na berma direita da EN 202, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula DS.
-
Por sua vez, a viatura de matrícula DS, por força do embate, ficou imobilizada na estrada berma da EN 202 a, pelo menos, 70 metros do local do embate.
-
O veículo de matrícula DS, na altura do embate, encontrava-se carregado.
-
Em consequência do embate, o autor sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas com perfuração dos pulmões e traumatismo dos ombros e braços.
-
O autor foi conduzido ao Hospital de Viana do Castelo, tendo, dada a gravidade das lesões sofridas sido transferido para o Hospital de Braga, onde permaneceu em coma durante oito dias.
-
Foram-lhe realizados vários exames TC do crânio, TC maxilofacial e TC do tórax.
-
Do relatório do TC do crânio e TC maxilo-facial foram detectados os seguintes problemas: I. Contusões hemorrágicas frontais com maior expressão à esquerda, sobretudo na região fronto-orbitária, onde se rodeiam de edema vasogénico, apagando os sulcos regionais, mas sem significativa deformação ventricular; II. Hematoma extradural temporo-polar esquerdo, com cerca de 9 mm de espessura de sangue máxima, moldando regionalmente o parênquima; III. Fímbria hemática subdural fronto-temporal esquerda. Pequena quantidade de sangue subaracnoideu em sulcos da convexidade e nas cisterna interduncular; IV. Pequena quantidade de sangue decantado no corno occipital do ventrículo lateral direito; V. Apagamento difuso dos sulcos da convexidade e diminuição da amplitude do sistema ventricular, reflectindo edema cerebral difuso, em grau moderado. Há incipiente desvio das estruturas medianas para a direita, de cerca de 3 mm.
VI. As amígdalas cerebelosas afloram o plano do buraco magno; VII. Fractura cominutiva da base do andar anterior; VIII. Fractura dos ossos próprios do nariz e septo nasal. Fractura da parede lateral da órbita esquerda, bem como da grande asa esfenoidal e parede póstero-externa do seio maxilar do mesmo lado. Existe hematoma intra-órbitário extracónico de predomínio súperoexterno, condicionando deformação do cone músculo-aponevrótico e proptose ocular; IX. Fractura da apófises pterigóides bilateralmente; X. Hemossinus de predomínio etmoidal e maxilar e esfenoidal; XI. Fractura longitudinal do rochedo temporal esquerdo, com hemotímpano; XII. Extenso enfisema pós-traumático no tecido celular subcutâneo e planos intermusculares cervico-faciais, e XIII. Volumosa hematoma epicraniano frontotemporo-orbitário e parietal esquerdo.
-
Do relatório do TC do tórax foram detectados os seguintes problemas: “I. Observa-se exuberante enfisema nos diferentes planos da parede torácica prolongando-se à parede abdominal; II. Volumoso pneumotórax à direita. Ar no mediastino e um pequeno pneumotórax à esquerda; III. Dreno na cavidade pleural direita insinuado posteriormente na região do fundo de saco costofrénico posterior. Pequeno derrame pleural à esquerda, e IV. Condensação dos segmentos basais dos lados inferiores e diminuição de volume”.
-
Posteriormente, no dia 27.10.2014, o autor sujeitou-se novamente a exames no Hospital de Braga, nomeadamente realizou o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO