Acórdão nº 520/17.8GBPVL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo 520/17.8GBPVL foi condenada a arguida C. R. nos seguintes termos (transcrição): · Condeno a arguida C. R.

pela prática do primeiro crime de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo art. 181, nº1, do CP., na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

· Condeno a arguida C. R.

pela prática do segundo crime de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo art. 181, nº1, do CP., na pena de oitenta dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

· Condeno a arguida C. R.

, em cúmulo jurídico, pela prática dos dois referidos crimes de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo art. 181, nº1, do CP., na pena única de cem dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), que autorizo seja paga em seis prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira dez dias após trânsito e as restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes até integral pagamento.

· Condeno a demandada C. R. a pagar à demandante, a título de compensação de danos não patrimoniais, a quantia de € 1.000,00 (mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação prevista no art. 78 do CPP.

(...) Inconformada, recorreu a arguida para este Tribunal, extraindo da motivação do seu recurso as seguintes conclusões: 1. Como resulta da Sentença bem como essencialmente do Relatório Social da mesma, para o qual foi utilizada a metodologia e fontes de informação relativas à consulta da peça processual disponibilizada (acusação), entrevista à Arguida, ora Recorrente, nas instalações desta equipa da DGRSP, contacto telefónico com a filha F. N.; articulação com o Presidente da União de Freguesias de … e ... e deslocação ao meio de residência e contacto com elementos da comunidade vicinal, o processo de crescimento de C. R. decorreu junto dos pais e 3 irmãos mais velhos, grupo familiar integrado em meio rural, subsistindo economicamente da atividade na agricultura.

  1. Nesse contexto, demonstrou-se que; • A Arguida estudou até ao 4º ano de escolaridade em idade própria e mais tarde, em idade adulta obteve o 6º ano de escolaridade; • Profissionalmente, a Arguida exerceu desde criança a atividade na agricultura, como apoio aos pais, destacando o facto de não lhe terem sido facultadas oportunidades de exercer outra profissão fora do meio de residência; • A Arguida contraiu matrimónio aos 18 anos de idade, união da qual resultou o nascimento de três filhas; • Findos 8 anos de casamento, a Arguida ficou viúva e continuou a viver junto dos pais, mas após o falecimento dos mesmos a casa foi vendida, pelo que a arguida confrontou-se com uma situação pessoal frágil, tendo sido apoiada na altura pela irmã mais velha, O. R. (ofendida), que a acolheu em sua casa; • Assim e há cerca de 34 anos, a Arguida ocupou o rés-do-chão da casa da irmã juntamente com as filhas ainda menores e partilhavam as refeições.

  2. A Arguida manteve a sua ocupação na agricultura, em terrenos da irmã referindo ter vivenciado muitas dificuldades para garantir às filhas condições de vida adequadas, reconhecendo o apoio da irmã, pese embora tenha retribuído com o seu trabalho e ainda com o apoio às sobrinhas.

  3. As três filhas da Arguida viveram neste contexto familiar até se autonomizarem e mantiveram uma forte ligação à progenitora que assumiu os cuidados a todos os netos até à entrada no jardim-de-infância. Neste agregado também uma tia comum à arguida e ofendida que foi aqui acolhida depois de ter ficado numa situação pessoal frágil.

  4. O relacionamento intrafamiliar foi sempre adequado e assente no respeito mútuo. Contudo, C. R. refere que a dinâmica familiar viria a sofrer alterações a partir da altura em que passou a integrar o agregado um outro elemento (namorado da sobrinha).

  5. A rutura do relacionamento familiar viria a acontecer em maio de 2017, altura em que a Arguida é convidada a deixar o espaço habitacional, situação que aconteceu em julho de 2017, passando a morar sozinha numa casa arrendada, inserida em meio rural e distante da casa da ofendida.

  6. Economicamente, a Arguida subsiste com a pensão de sobrevivência no valor de 169,00 €, rendimento ao qual acresce um valor variável por tarefas que realiza, quando solicitada, na área da agricultura. O arrendamento da habitação é custeado pela arguida (125,00 €) e pela autarquia (75,00 €), totalizando o montante de 200,00 €. As restantes despesas de água, eletricidade e gás comportam cerca de 50,00 €.

  7. A Arguida beneficia de apoio do Banco Alimentar com um cabaz de alimentos regular.

  8. A Arguida não se relaciona com a ofendida, manifestando sentimentos de revolta face ao afastamento da família e que determinou também a rutura da relação com as filhas mais novas, uma delas vizinha da ofendida e a outra emigrada em França.

  9. A Arguida é pessoa solidária e que sempre apoiou a família com grande empenho, apesar das dificuldades económicas, mostrando-se constrangida com os conflitos familiares.

  10. No meio de residência a arguida beneficia de uma inserção positiva, relacionando-se adequadamente com os vizinhos. Manifesta-se incomodada pela qualidade de arguida, discordando em parte da acusação que lhe foi formulada. Considera que este processo surgiu num contexto de conflito com a família, manifestando ainda alguma revolta face ao contexto.

  11. A arguida apresenta uma condição económica frágil, assumindo as suas despesas com diminutos recursos e que vai colmatando com o exercício de tarefas agrícolas com carácter irregular. Bem como desenvolve e beneficia de uma inserção comunitária normativa.

  12. Perante este quadro comportamental e psicossociológico da Arguida e ora Recorrente, é manifestamente percetível que as penas em que foi condenada individualmente são manifestamente excessivas, e, em consequência, excessiva a pena resultante do cúmulo jurídico aplicado: - 60 dias de multa à taxa diária de 5 euros pela prática de um crime de injúria; - 80 dias de multa pela prática de um segundo crime de injúria; - O que em cúmulo jurídico, pela prática dos dois crimes de injúria de que vem acusada, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de cem dias à taxa diária de 5,00 euros.

  13. Atentas as circunstâncias expostas, não faz sentido e não nem é justificável no caso a aplicação de penas manifestamente desproporcionadas quanto à personalidade da arguida – primária e pessoa com antecedentes de bom comportamento –, e quanto à relativa importância do bem jurídico lesado – pois as injúrias em causa não merecem tutela de pena de multa tão elevada na quantificação dos dias, individualmente e em cúmulo.

  14. No contexto familiar descrito, é percetível que a Arguida não se relaciona com a ofendida, manifestando sentimentos de revolta face ao afastamento da família, o que determinou também a rutura da relação com as filhas mais novas, uma delas vizinha da ofendida e a outra emigrada em França.

  15. Neste contexto e há cerca de 34 anos, a Arguida ocupou o rés-do-chão da casa da irmã, a O. R./ofendida, que a acolheu em sua casa, juntamente com as filhas ainda menores e partilhavam as refeições, e de repente, foi expulsa em julho de 2017 de casa, tendo perdido a sua normal e habitual dinâmica familiar, que viria a sofrer alterações a partir da altura em que passou a integrar o agregado um outro elemento (namorado da sobrinha), testemunha arrolada pela ofendida.

  16. Toda esta situação trouxe à Arguida uma alteração psicológica anormal. Sentiu-se revoltada, desamparada, perdida e sozinha.

  17. Daí que as expressões que dirigiu à Ofendida – como: “Caloteira”; “filha da puta”; “és uma papa hóstias que roubaste a pura da velha”; “caloteira, soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha?; Puseste as minhas filhas todas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”; “Quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela” –, referindo-se à mesma tia comum, mais não foram proferidas que num contexto emocional de fragilidade absoluta. E ao proferir a expressão “filha da puta”, o que se explica apenas por emoções descontroladas, expunha a esse termo a sua própria pessoa. Não houve intensidade ou perigo da ofensa.

  18. Há que considerar, por outro lado, que as expressões “Soube-te bem ontem estares a comer nos anos da minha filha? Puseste as minhas filhas todas contra mim, hás-de andar de rastos como andam as cobras”, ”Quando aquela puta daquela velha morrer, tu vais para cima dela”, não podem considerar-se suscetíveis de integrarem o crime de injúria porquanto mais não são do que expressões de revolta, sem intenção injuriosa com objetivo de ofender diretamente a ofendida.

  19. Inclusive, são expressões utilizadas nesta região do Minho num desabafo de emoções ao rubro e incontidas. Poderão considerar-se expressões deselegantes, que denotam falta de contenção nervosa, mas não injurias no sentido da tutela penal.

  20. Estas expressões fazem parte duma malha que vem a ser interpretada pelos nossos tribunais de modo demasiado amplo, ou seja, permite que se atribua relevância penal a comportamentos que manifestamente não são ofensivos da honra de ninguém. Mais não são do que estados emocionais exacerbados. O que leva a confundir e a criar uma...

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