Acórdão nº 1959/17.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I.

Relatório O Centro Social da Paróquia de X, instaurou, no dia 05/04/2017, processo especial de revitalização, alegando, em breve síntese, que é uma instituição particular de solidariedade social e, bem assim, uma pessoa colectiva de utilidade pública, que dispõe de creche, jardim de infância e ATL e que, devido à situação económica que o país atravessa, ao resultado de um processo judicial que lhe foi desfavorável e aos compromissos que assumiu para remodelar as suas instalações, encontra-se em situação económica difícil e não consegue pagar atempadamente as suas dívidas, mas que essa situação é reversível, por via deste processo.

Após ter sido recebido o processo em juízo, dada a publicidade legal e nomeado o Administrador Judicial Provisório, foi apresentada a lista provisória de créditos, impugnada pela Requerente e pela credora, A. C..

*Sobre essas impugnações foi, no dia 31/08/2017, proferido despacho que as indeferiu.

*Entretanto, a Requerente juntou aos autos o plano de recuperação tendente à sua revitalização, tendo a credora, A. C., vindo opor-se à sua homologação, por “falta de idoneidade das garantias de idoneidade e inexequibilidade”; o que, em resposta, foi rejeitado pela Requerente.

Seguidamente, o Administrador Judicial Provisório juntou aos autos o resultado da votação do aludido plano, que obteve 64,04% de votos favoráveis, 35,93% de votos desfavoráveis e 0,03% de abstenções, requerendo, em consequência, a homologação de tal plano.

*Nessa sequência, foi, no dia 22/09/2017, proferido despacho que julgou não assistir qualquer razão à credora, não havendo fundamento para não homologação do plano pois não foi violado o prazo procedimental para negociação e votação do Plano, seguindo-se decisão de homologação do plano de recuperação do devedor Centro Social da Paróquia de X.

*A credora A. C. interpôs recurso, vindo a ser proferido acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida, não se reconhecendo o direito de voto à segurança social na votação do plano de revitalização, e determinando que se apurasse e fixasse o número de votos correspondentes aos créditos indemnizatórios sob condição, por forma a, após, ser proferida decisão em conformidade.

*Na sequência do aí decidido, foi proferido despacho que, acolhendo a argumentação expendida pelo Sr(a). Administrador(a) Judicial Provisório(a), ao abrigo do disposto no art. 17.º-F, n.º 5, primeira parte e 73.º, n.º 4, do CIRE, decidiu atribuir aos créditos relativos à indemnização peticionada pelas trabalhadoras ainda ao serviço da Insolvente em 60% o direito de voto.

*Seguidamente, foi proferida decisão que, tendo em conta os referidos elementos junto aos autos pelo Sr.(a) Administrador(a) Judicial Provisório(a) quanto ao exercício do direito de voto 99,96% dos credores, e aprovação do plano de recuperação por maioria de 51,03% dos votos, e julgando não se verificar nenhuma das situações previstas nos arts. 215º e 216º do CIRE, nos termos do disposto no art. 17ºF do mesmo diploma e com os efeitos previstos no nº 6 (actual nº 10) desse último preceito legal e art. 217º do CIRE, homologou por sentença o Plano de Recuperação.

*II. O Recurso Não se conformando com a decisão proferida veio a credora apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões: I – Nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, incumbe ao juiz decidir se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX do mesmo diploma, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º (do CIRE).

II – O artigo 215.º do CIRE dispõe que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza…” .

III – O devedor incumpriu e violou, de forma não negligenciável, os procedimentos aplicáveis ao plano de recuperação apresentado.

IV – Nos termos do artigo 215.º do CIRE, o juiz deve recusar oficiosamente a aprovação do plano sempre que exista uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.

V – Cabendo-lhe o papel de guardião da legalidade e, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano e as irregularidades que importem nulidade susceptível de interferir com a boa decisão da causa.

VI – Ademais, in casu, o tribunal deveria usar da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 196.º do Código de Processo Civil.

VII – Não se pronunciando sobre questões em relação às quais deveria fazê-lo, a decisão fica inquinada de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

VIII – O artigo 73.º, n.º 2, do CIRE, aplicável por analogia ao PER, dispõe que “o número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo Juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição.” IX – Em 13-09-2018 o AJP indica que os créditos condicionais devem “valer” 50% e, em 31-01-2019 indica que os créditos condicionais devem “valer” 60%, não tendo o tribunal a quo conhecido sobre a discrepância em causa.

X – Tal indicação prestada pelo AJP é um mero exercício de futurologia sem suporte fáctico.

XI - As questões subjacentes à informação que o tribunal a quo pretendia revestem-se de complexidade jurídica tal que não se compaginam com a atribuição ao AJP de competência funcional para tal indicação.

XII – Consta do processo que todas as trabalhadoras indicadas como credoras sob condição, continuam no exercício das suas funções, referindo o próprio AJP que „Os postos de trabalho existentes podem manter-se, como ainda se mantêm!“ XIII - Aquelas credoras, que reclamaram, sob condição, um valor de indemnização, nos termos do artigo 50.º, n.º 2, alínea a), do CIRE e do artigo 396.º do Código de Trabalho, mantêm o vínculo contratual com o devedor e até à data não resolveram o contrato de trabalho.

XIV – Porque os contratos de trabalho se mantêm em vigor, não lhes assiste direito de indemnização pela sua cessação.

XV - A indemnização é indevida nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do CIRE, segundo o qual se consideram “créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico”.

XVI – O trabalhador com o contrato válido, não resolvido, não pode obter o reconhecimento de um crédito por uma hipotética resolução por justa causa (um despedimento que não aconteceu), nem mesmo sob condição.

XVII – O acontecimento futuro e incerto (a declaração de resolução por justa causa, feita pelo trabalhador) não é um acontecimento futuro e incerto por “força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico” .

XVIII – Não pode o AJP decidir sobre esta vexata questio em apreço e, mesmo interpretando que não é da competência exclusiva do Juiz a ponderação da probabilidade séria de verificação da condição, o Juiz não o pode fazer por mera remissão “homologatória” da indicação daquele, pois que terá de o fazer com algum critério legal que afaste o espectro do livre arbítrio.

XIX – Essa ponderação da probabilidade séria de verificação da condição terá de constar expressamente da decisão, como parte integrante e incindível do respectivo juízo de valor.

XX – Ao fixando a referida percentagem de parte dos créditos condicionais em 60% sem explicitar minimamente e fornecer justificação fundamentada dos critérios de fixação dessa percentagem, a Meritíssima Juíza a quo diminuiu consideravelmente as condições de controlo do tribunal no momento da ponderação da homologação do plano.

XXI – Sendo, para o efeito, manifestamente insuficiente a declaração de acolhimento ou mera adesão “à argumentação expendida ” pelo AJP, devendo a decisão ser apoiada numa justificação ou fundamento razoável, plausível, lógico e racional, sob um ponto de vista que intelectualmente possa ser considerado relevante, à luz das regras da experiência.

XXII – A decisão não se encontra fundamentada, quer de facto quer de direito, dela não resultando qualquer exercício capaz de produzir o convencimento da sua adequação, não demonstrando o processo de raciocínios lógicos que conduziu à mesma.

XXIII – Desrespeitado o dever de fundamentação que impendia sobre o tribunal a quo, verificando-se a nulidade da decisão, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, violando-se ainda o preceituado no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.

XXIV – A Juíza a quo incumpriu a supracitada norma, não fundamentando a percentagem atribuída pelo AJP aos credores condicionais para efeito das operações de apuramento da votação constante da acta da contagem dos votos de 03-01-2019 – limitando-se a concordar com a mesma.

XXV – Com efeito, o AJP procedeu oficiosamente à fixação do número de votos correspondentes aos créditos subordinados a condição suspensiva, sem qualquer critério juridicamente atendível, obtendo uma percentagem maioritária de votantes favorável ao plano – razão pela qual tal indicação foi determinante para fazer aprovar o plano, não se tratando de uma mera questão formal/processual, mas sim de uma questão de fundo essencial à procedência do presente PER.

XXVI – As regras sobre a aprovação do acordo de pagamento e sobre as maiorias exigíveis são normas de interesse público, pelo que a ponderação para obtenção da referida percentagem de parte dos créditos condicionais não deve ficar ao critério do AJP, afecto aos interesses privados - do devedor e credores.

XXVII – Quando o legislador...

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