Acórdão nº 1298/15.5T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – Relatório Nos presentes autos, M. C., N.I.F. n.º …, residente na Rua … Vila Real e J. S., N.I.F. n.º …, residente no lugar do …, Vila Real, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL ..., I.P.S.S., N.I.P.C. n.º …, com sede na Rua … Vila Real, peticionando, a final, que seja “declarada nula a Assembleia Geral eleitoral realizada no dia 29 de Dezembro de 2014”, alegando, para tanto, que são associados da ré, tendo em 29/12/2014 decorrido uma assembleia geral ordinária para a realização do acto eleitoral dos seus órgãos sociais, que reputam por inválida, com os seguintes fundamentos: - o autor não foi previamente convocado para participar no acto eleitoral; - ocorreu uma alteração de uma das listas concorrentes após o termo do prazo para a apresentação das listas; - a assembleia geral foi presidida por quem não possuía poderes para o efeito; - não foi permitido que um representante de uma das listas concorrentes estivesse presente na mesa da assembleia geral para poder fiscalizar a regularidade do acto eleitoral; - foi permitido que o candidato que encabeçava uma das listas entrasse e saísse da sala onde decorria o plebiscito; - a Secretária da mesa da Assembleia Geral tinha na sua posse 18 credenciais para que associados pudessem votar em representação de outro associado, tendo alguns associados votado em nome de pessoas que não conheciam; - os boletins de voto não permitiam uma votação diferenciada para os diversos órgãos sociais, apenas constando a indicação das letras correspondentes a cada uma das listas.

*Na contestação, a ré veio arguir a excepção de caducidade e a falta de capacidade eleitoral do autor, por não possuir as quotas em dia, quando decorreu a assembleia geral colocada em crise, para além de impugnar a alegação dos autores, concluindo, assim, pela improcedência da acção.

*Posteriormente, a ré ofereceu articulado (fls. 123-124), na qual defendeu ter ocorrido uma inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter sido comunicado ao autor que este fora excluído como associado da ré, cuja ilegitimidade também invoca.

*Os autores apresentaram articulado de resposta à contestação, refutando a verificação da matéria exceptiva aduzida pela ré, para além de peticionarem a alteração da causa de pedir e do pedido em consequência da confissão que alegam ter ocorrido na contestação.

*Os autores responderam ainda a esse articulado, tendo rejeitado que ocorresse uma inutilidade superveniente da lide, para além de defenderem que inexiste a ilegitimidade activa arguida pela ré.

*Foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se decidiu não admitir a alteração da causa de pedir e do pedido, se julgaram inverificados os pressupostos para ser declarada a inutilidade superveniente e se considerou improcedente a arguição da ilegitimidade activa do autor.

*Realizou-se audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou totalmente improcedente a pretensão aduzida pelos autores, dela absolvendo a ré Associação de Solidariedade Social ..., I.P.S.S., o que foi mantido por este tribunal, com revogação por parte do STJ, por considerar existir omissão de pronúncia.

*II- Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré instaurar o presente recurso, nele formulando as seguintes conclusões: - Quanto ao momento no qual a qualidade de associado tem que se verificar: 1. A anulabilidade das deliberações da assembleia geral das associações contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, pode ser arguida pelo órgão de administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação (art.º 178º, nº 1 do Código Civil).

  1. O Apelante não esteve sequer presente no acto eleitoral pelo que é manifesto que não votou a deliberação tomada na assembleia geral de 29/12/2014.

  2. A acção foi instaurada em 3 de Agosto de 2015 (facto 16 dos provados, da sentença).

  3. É indiscutível, também a partir dos factos provados, de que pelo menos até 4/11/2015 aquele Autor, aqui Apelante, era associado da Recorrida (cfr. facto 37 dos provados, da sentença).

  4. Sendo ele, à data da impugnação, associado da Ré, aqui Recorrida, e não tendo votado favoravelmente a deliberação, encontra-se preenchida a previsão do nº 1 do artigo 178º do Código Civil.

  5. Encontrando-se provado que ao tempo da impugnação o Apelante era associado da Recorrida e que não havia votado favoravelmente a deliberação anulanda, a decisão recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 178º, nº 1 e 342º, nº 1 do Código Civil, devendo ser revogada.

  6. De acordo com a própria decisão recorrida que, nessa exacta medida se aceita, a assembleia geral da ré, realizada em 29/12/2014, é anulável com um tríplice fundamento: a) a ausência de convocação do autor pela forma prevista no artigo 28.º, n.º 2, dos Estatutos da Ré (cfr. artigo 177.º do Código Civil); b) a irregularidade do funcionamento da assembleia contrária à lei, “maxime” o artigo 61.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, quanto ao modo, como foi escolhida a “representante” do Presidente em exercício da Mesa da Assembleia Geral, para presidir ao acto eleitoral, pois deveria ter tido lugar a eleição pressuposta por aquele normativo e não uma escolha por cooptação; c) por reporte ao disposto no artigo 177.º do Código Civil, a circunstância de ter sido disponibilizado um único boletim de voto aos associados, apesar de existirem eleições para três órgãos sociais (cfr. artigos 14.º e 16.º, n.º 1, dos Estatutos da Ré), exigência essa que se deve reputar por decorrente, perante a lacuna legal, da aplicação por via da analogia do artigo 155.º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, por se tratar de um caso análogo, pois procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (cfr. artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) uma vez que em ambas as situações pretender-se-á salvaguardar a liberdade de escolha dos votantes na eleição dos seus representantes para cada um dos distintos órgãos.

  7. Face a esse tríplice fundamento, revogada a sentença recorrida deve ser proferida decisão que anule a deliberação tomada na assembleia geral de 29/12/2014, que elegeu os órgãos sociais da Recorrida e nessa medida julgue procedente a acção.

    - Sem prescindir: quanto à violação, noutra perspectiva, do disposto no artigo 342º, nº 1 (e nº 2) e também no artigo 346º do código civil 9. Dos provados, não consta qualquer facto que diga que o Apelante tenha perdido no decurso da acção a qualidade de associado.

  8. O direito do Apelante, de anulação da deliberação social, nasceu validamente: o Apelante provou que não votou favoravelmente a deliberação social, propôs em tempo a acção de impugnação e provou que à data da impugnação era associado da Apelada.

  9. Se suposto tal nascimento válido do direito, a extinção posterior da qualidade do associado por acto positivo da Apelada extingue esse direito, então esse facto é extintivo do direito do autor e compete à Apelada a prova de tal facto, como decorre do artigo 341º, nº 2 do Código Civil.

  10. Resulta da própria decisão recorrida que a Apelada não fez tal prova, tendo-se limitado a tornar duvidosa a subsistência de qualidade de associado do autor.

  11. A decisão recorrida violou, pois, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 342º, nº 1 e 2 e 346º do Código Civil, pelo que deve ser revogada.

    - Ainda sem prescindir: a propósito do artigo 16.º, n.º 3, do decreto-lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro 14.

    Estabelece o nº 3 do artigo 16º do DL nº 119/83, de 25 de Fevereiro (disposição essa que não foi alterada pelo DL nº 172-A/2014, de 14 de Novembro), que estabeleceu o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, que são sempre lavradas actas das reuniões de qualquer órgão da instituição, que são obrigatoriamente assinadas por todos os membros presentes, ou, quando respeitem a reuniões da assembleia geral, pelos membros da respectiva mesa.

  12. Estatuindo a lei a obrigatoriedade, relativamente às Instituições Particulares de Solidariedade Social, de serem sempre lavradas actas das reuniões de qualquer órgão da instituição, é de concluir que as deliberações de tais órgãos têm que ser documentadas nessas actas e que as mesmas razões que fundam a norma do artigo 63º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais valem analogicamente para a prova das deliberações de órgãos que se encontrem obrigados de forma imperativa à elaboração de actas das suas reuniões.

  13. A alegação de factos não se confunde com a sua prova; e foi apenas isso o que a Apelada fez.

  14. E a carta onde menciona a tomada de tal deliberação (cfr. Facto 37 dos provados da sentença recorrida), constitui um documento particular, por si elaborado, ou seja, da sua autoria 18. Resulta do disposto no artigo 376º, nº 2, a contrario, do Código Civil, que os factos compreendidos nesse documento particular apenas se consideram provados na medida em que forem desfavoráveis aos interesses do declarante.

  15. A decisão recorrida violou também, por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro e, por erro de interpretação e não aplicação, violou também o disposto no artigo 63º, nº 1 do CSC aplicável analogicamente, bem como o disposto no artigo 376º, nº 2, a contrario, do Código Civil, devendo ser revogada.

    - Finalmente e ainda sem prescindir: o interesse em agir, mesmo que perdida pelo apelante a qualidade de associado da apelada 20. A deliberação social sob anulação tem por objecto a eleição dos órgãos sociais da Apelada.

  16. Anulada esta, os efeitos da invalidade são os previstos no artigo 289º, nº 1 do Código Civil, com a ressalva dos direitos de terceiro de boa fé, expressamente tutelados no artigo 179º do...

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