Acórdão nº 1966/16.4T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Por sentença de 16 de Março de 2 018 proferida nestes autos, foi o arguido J. R.: - condenado pela prática de um crime de falsidade de depoimento, p.e p. pelo art.º 360º/1 C.P., na pena de 8 (oito) meses de prisão, com execução suspensa por 1 (um) ano; - absolvido da prática de um crime de falsidade de depoimento, p. e p. pelo art.º 360º/1 e n.º 3), C.P.

Discordando desta condenação, da mesma interpôs recurso o arguido, peça em que apresenta as seguintes conclusões: “1 – Não se conforma o recorrente com a douta decisão proferida de que ora se recorre que julgou provado a factualidade vertida nos pontos 7 e 8 dos factos provados, e que, em consequência decidiu condená-lo, pela prática, de um crime de falsidade de testemunho previsto e punido pelo artigo 360.º n.º 1 do Código Penal na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e, bem assim, nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em duas UC.

2 - O arguido não cometeu nenhum crime, pois, de toda a factualidade dada por provada – pontos 1 a 8 da factualidade provada – não resulta, de facto, qual dos acontecimentos, foi afinal verdadeiro, mas somente, e quando muito, sem prejuízo de tudo quanto infra se aduzirá, que o arguido, enquanto testemunha produziu, em dois momentos distintos, dois depoimentos diferentes, embora não antagónicos.

3 – Para que possa verificar-se o preenchimento do ilícito tipo do qual vinha acusado é necessário alegar e provar que o arguido conhecia a verdade dos factos e que, intencionalmente, a perverteu.

4 – Entende o recorrente que a douta sentença de que se recorre fez errada interpretação dos factos e, consequentemente, errada qualificação jurídica dos mesmos, uma vez que a análise da prova carreada aos autos impunha decisão bem diversa da proferida, ou seja, impunha a absolvição do arguido. Porquanto, 5 - Nenhuma prova se produziu em sede de audiência de julgamento, pois que, o arguido faltou e o Ministério Público, enquanto representante do Estado, nenhuma outra prova testemunhal aduziu no sentido de demonstrar e provar qual das duas declarações correspondia à realidade dos factos e, bem assim, que o arguido num desses momentos – fase de inquérito (15/02/2013) e fase de audiência de julgamento 1/10/2013) tinha efectiva consciência de que estava a praticar acto contrário ao direito e, consequentemente, ilícito.

6 - Da análise crítica da prova constante de fls. 2 a 14 e de fls. 37 a 68, quando muito, e sem prejuízo do que infra se aduzirá, apenas poderá concluir-se pela contraditoriedade das declarações prestadas pelo arguido numa e noutra fase processual.

7 – Pois, salvo melhor entendimento, nenhuma alegação e prova foi produzida que permitisse concluir, com um grau de certeza aceitável, que o arguido conhecia a verdade dos factos e que, intencionalmente, a desvirtuou.

8 – Para aferirmos, caso a caso, se uma determinada declaração é falsa, para efeitos de aplicação do artigo 360.º do Código Penal, é necessário que haja um termo de comparação, pois uma declaração só é falsa quando aquilo que se declara (conteúdo da declaração) diverge daquilo sobre o qual se declara (objecto da declaração).

9 – Portanto, para se concluir pela falsidade de testemunho do arguido, necessário será provar que o seu depoimento se afastou do que aconteceu na realidade, isto é, sobre o que o tribunal, em face da produção da prova, deu por acontecido.

10 - Preencher-se-á o ilícito típico de falsidade de testemunho quando, depois de um tribunal ter dado por provados determinados factos sobre os quais uma testemunha depôs de modo diferente, se vem a apurar que a testemunha conhecia a realidade que o tribunal deu por provada e que, provando-se que essa realidade era verdadeira, de livre vontade e intencionalmente, a mesma a ocultou.

11 - A verdade é que, o tribunal a quo deu por não provado que o arguido faltou à verdade em sede de audiência de julgamento e depois de ter sido ajuramentado.

12 - E, a nosso ver, deveria igualmente ter dado por não provado que, o arguido faltou à verdade em sede de inquérito e depois de ter sido ajuramentado, uma vez que, como bem resulta da motivação da convicção – (sic) - “ficou na penumbra o momento em que o arguido faltou à verdade”.

13 – Pois, se o tribunal a quo deu por provado que numa das duas vezes o arguido faltou à verdade, e quanto ao ponto dado por não provado entende que “ficou na penumbra o momento em que o arguido faltou à verdade”, ocorre a douta sentença proferida, salvo melhor entendimento, em contradição entre a fundamentação e a decisão – artigo 410.º n.º 2 al. b).

14 – Uma vez que o Ministério Público não afirmou nem provou quais eram os factos reais, e consequentemente, qual foi o depoimento falso, apenas se poderá concluir, que apesar de advertido das consequências penais a que se expunha com a prestação de depoimento, o arguido, quando prestava depoimento quer perante a autoridade, quer em sede de audiência de julgamento, agiu de forma deliberada e conscientemente.

15 – Como defende o Acórdão da Relação de Guimarães de 29/06/2009, Proc. n.º 840/08.2TABRG.G1, publicado em www.dgsi.pt, “a contradição entre o dito pela testemunha e a realidade objectiva, da qual tinha ciência e consciência; ou a contradição entre o dito pela testemunha e aquilo que ela viu, ouviu ou entender, é que configura o crime.” 16 – Pois, “a verdade que se busca para determinação do elemento típico do crime de falso testemunho não é a verdade formal, mas sim a que corresponde a um dado acontecimento histórico conhecido de quem depõe e que é intencionalmente negado, ou do conhecimento de um facto inexistente que intencionalmente se afirma como verdadeiro. Levar a incriminação, sem mais, às situações em que as testemunhas dizem coisas diferentes em momentos distintos (e sabe-se, às vezes, em que circunstâncias!!!), era fazer com que, por absurdo houvesse crimes de falso testemunho às centenas, todos os dias, por esses tribunais fora”.

17 – Continua o aresto, “Falso é, aqui, contrário de verdadeiro, ou seja, para se dizer que um depoimento é falso é preciso confrontá-lo com os factos verdadeiros, não bastando que uma testemunha preste depoimentos contraditórios (um ou mais!!) entre si: sem aquele confronto, há apenas depoimentos divergentes mas não necessariamente contrários à verdade.” Sem prescindir Caso assim não se entenda, o que não se concede mas por mera hipótese académica se concede, 18 - Sufragando-se entendimento contrário ao supra vertido, designadamente no sentido acolhido pelo Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 30/10/2013, relator Fernando Chaves, proc. n.º 802/11.2TAPBL.C1, impõe-se, porém, como já se aflora em 17 das presentes conclusões, que os depoimentos prestados pelo arguido sejam, além de contraditórios, absolutamente inconciliáveis, e por isso, um deles necessariamente falso.

19 – Ora o que resulta do depoimento do aqui arguido/recorrente, então testemunha, prestado em sede de audiência de julgamento - cujos trechos se encontra transcritos nas motivações de recurso -, analisado à luz das invocadas regras da experiência e normalidade do acontecer, isto é analisado à luz daquilo que o homem médio com a sua experiência de vida e das coisas apreenderia e se daria conta, é conciliável e convergente com as declarações prestadas em sede de inquérito.

20 - Haverá de ter-se em consideração que quanto ao depoimento prestado em sede de inquérito, o mesmo não foi gravado, não sendo possível fazer uma transcrição absolutamente fiel e fidedigna das declarações da testemunha, aqui arguido/recorrente, do mesmo modo que o foi em sede de audiência de julgamento.

21 - Não pode a nosso ver, concluir-se da análise de ambos dos depoimentos, que os mesmos sejam absolutamente díspares, incompatíveis ou inconciliáveis entre si e que, qualquer um deles seja falso e não coincidente com o outro. .

22 – Dizer-se que, nunca se adquiriu droga ao arguido A ou B, mas que por pelo menos duas vezes na companhia de C e D, se deslocou ao local Y e Z, para com aqueles comprar droga, local esse onde viu chegar, em momentos diferentes e sozinhos, os arguidos A e B, e que, tendo ficado de ambas as vezes dentro do veículo, os sujeitos C e D, após saírem do veículo para se encontrarem com os arguidos A e B, regressaram com seis ou sete pacotes de heroína ou cocaína, permite, que o tribunal, lançando mão regras da experiência e normalidade do acontecer, isto é analisado à luz daquilo que o homem médio com a sua experiência de vida e das coisas de que se apreenderia e se daria conta, possa concluir, que a testemunha esteja a declarar que C e D adquiriram droga a A e B. 23 - Em face do exposto existe “convergência” em ambas as declarações da testemunha, aqui arguido, e, consequentemente, entende-se não ficar preenchido o tipo legal de crime em questão, devendo absolver-se, o arguido do crime de que vem acusado.

24 – E esta é a conclusão a que deveria ter chegado o tribunal a quo, lançando mão das regras da experiência.

25 – Ao decidir como decidiu a sentença de que se recorre violou os artigos 360.º do Código Penal, o artigo 127.º do CPP, padecendo o vício a que alude do artigo 410.º n.º 2 al b) do CPP - contradição entre a fundamentação e a decisão.” Contra-alegou, ainda em 1ª instância, o M.P.

No seu entender, o arguido teve depoimentos contraditórios em Inquérito e em julgamento, sendo que um deles será desconforme com a realidade, não sendo necessário que conste da sentença qual dos depoimentos é falso. Considera assim, que o recurso não deve merecer provimento.

Já neste Tribunal da Relação, a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que não importa que não conste da sentença em que momento o arguido faltou à verdade, pelo que se deverá manter a condenação.

Defende pois, a total improcedência do recurso.

Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P.

, o arguido nada disse.

O recurso vai ser julgado em conferência, como o impõe o art.º 419º/3...

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