Acórdão nº 629/10.9TAVRL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelAUSENDA GONÇALVES
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No identificado processo comum singular, do Juízo Local Criminal de X, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., os arguidos R. M.

e J. M.

foram submetidos a julgamento, tendo sido proferido sentença a 11/01/2019, depositada na mesma data, que os condenou pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1 e 2 e 15º, alínea b), do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos e de 1 (um) ano de prisão, respectivamente, suspensas na sua execução pelos mesmos períodos de tempo.

Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso, cuja motivação rematou com as seguintes conclusões (extractos): «(…) C) Não podemos concordar com as concretas penas em que os arguidos foram condenados; D) No nosso modesto entendimento, é necessário, adequado e proporcional, sobretudo em termos de prevenção geral, condenar os arguidos, os dois arguidos, em penas de prisão efetivas; E) Sintetizando, com muita dificuldade de ‘recorte’ factual, pela sua complexidade e extensão, os elementos objetivos relevantes que sustentam e/ou materializam esta nossa posição, temos que: [como o escreve o Tribunal a quo] -“(…) F) Venerandos Desembargadores, nem mais uma linha escreve o Tribunal a quo quanto às concretas penas que aplica aos arguidos nem quanto à suspensão da sua execução e (des)necessidade de sujeição dessa mesma suspensão ao cumprimento de deveres e regras de conduta; G) Não podemos conceder nem julgar adequadas, de todo, às finalidades de prevenção geral e prevenção especial estas penas nas quais o Tribunal a quo condenou os arguidos R. M. e J. M., pelas razões que infra demonstraremos; H) Recorremos da medida concreta das penas; I) Recorremos do juízo de suspensão da execução dessas mesmas penas; SUBSIDIARIAMENTE, sem prescindir (se assim não se entender), J) Recorremos do juízo de desnecessidade de subordinação da suspensão da execução dessas penas a deveres e regras de conduta; K) O crime por que vêm acusados e pronunciados os arguidos (com a particularidade distintiva de, em sede de decisão de pronúncia, a negligência grosseira se reconduzir à alínea b) do art.º 15.º do C.P.), homicídio negligente, com negligência grosseira, previsto nos artigos 137.º, n.os 1 e 2 e 15.º, alí. b), do C.P., é punido com pena de prisão até 5 (cinco) anos; L) Os arguidos agiram com negligência grosseira; M) Venerandos Desembargadores, em virtude desta negligência grosseira dos arguidos o menor D. P. faleceu, à data, com 13 anos de idade; N) O que decidiu o Tribunal a quo? Condenar os arguidos sim, mas em penas de prisão suspensas na sua execução, simplesmente; O) Morreu uma criança devido à conduta dos arguidos, que agiram com negligência grosseira, repita-se; P) E o Tribunal a quo, num universo abstrato até 5 (cinco) anos de prisão fixa a pena de um arguido em 3 (três) anos, e a do outro arguido em 1 (um) ano; Q) Sem qualquer subordinação a deveres e/ou regras de conduta; R) Sem qualquer condição de pagamento de indemnização seja à família do D. P. seja a uma instituição de beneficiação de crianças; S) Sem proibição pelos arguidos, no período de suspensão da execução das penas, do exercício da medicina; T) A justiça material no caso dos autos prossegue-se com um mero aguardar pelos arguidos do período de suspensão de execução das penas? Sobretudo no caso do arguido J. M., de apenas 1 (um) ano? 1 ano? U) Cremos, manifestamente, que não; V) Estamos perante uma situação de facto e de direito em que se verifica um total sentimento pela comunidade, mas sobretudo, pela família do D. P., de absoluta impunidade; W) Venerandos Desembargadores, basta pesquisarmos superficialmente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em casos de homicídios negligentes praticados no exercício da condução automóvel que, diga-se em abono da verdade, pode acontecer a qualquer pessoa, a qualquer um de nós, três anos de prisão e um ano de prisão, suspensas na sua execução, sem quaisquer deveres e/ou regras de conduta, não encontrei nenhuma decisão; X) Nos autos a situação é substancialmente mais grave; Y) É que, por um lado, não se trata de negligência na sua forma simples; não, trata-se de negligência grosseira; Z) Trata-se de negligência grosseira de arguidos que estavam investidos de uma especial qualidade, de um dever de garante, médicos aos cuidados dos quais o D. P. se entregou aquando da admissão no serviço de urgência na tarde do dia 20 de agosto de 2010; AA) Não só se produziu prova cabal e concludente de todos os factos da acusação e da pronúncia como também se provou, sem qualquer dúvida para o Tribunal a quo, que: “(…) BB) Condenar os arguidos em penas de prisão nos termos em que condenou, salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, não há justiça material, sobretudo, de forma absolutamente inexplicável, na nossa humilde perspetiva, em relação ao arguido J. M.; CC) Pela matéria de facto dada como provada e respetiva motivação (que, diga-se, o Tribunal a quo, de facto, como já nos tem habituado, é irrepreensível, rigoroso e só espelha com total completude e assertividade, a prova cabal, abundante e concludente produzida em audiência de discussão e julgamento), na nossa modesta perspectiva, são absolutamente desadequadas, em primeiro lugar, as medidas concretas das penas; DD) O Tribunal a quo violou, neste particular, pelo menos, os artigos 40.º, n.os 1 e 2, 70.º, n.º2, 71.º, n.º1 do C.P.; EE) No caso em apreço, entendemos que o grau de ilicitude do crime de homicídio, com negligência grosseira, é muito elevado, na medida em que era a vida do D. P. (e não a sua integridade física ou liberdade e muito menos o património) que corria perigo e isso não inibiu os arguidos de não lhe prestarem os cuidados a que estavam obrigados e de que eram capazes [relembramos neste ponto tudo quanto se transcreveu na conclusão E) e AA)]; FF) A falta de previsibilidade do resultado típico por parte dos arguidos torna acrescidas as suas exigências de prevenção especial (se estivéssemos perante uma situação de negligência grosseira, sim, mas só consciente, a culpa dos arguidos não era tão elevada, não era tão censurável, não careceria de um juízo de culpa tão implacável e material); GG) Tendo presente o circunstancialismo que envolveu a prática dos factos, muito graves, o modo de execução dos mesmos, a inserção social dos arguidos, o comportamento anterior e posterior aos factos e as suas personalidades, não obstante a ausência de antecedentes criminais, consideramos que, no caso dos autos, as exigências de prevenção especial são significativas; HH) As exigências de prevenção geral também se reputam muito elevadas, aliás, ainda mais elevadas, atenta a frequência trágica, cada vez maior, de situações como a dos autos, com condutas médicas associadas a violação das leges artis, com imprudência grosseira, o alarme social associado a este crime e o forte sentimento comunitário de reprovação de condutas de que resulte a morte de outrem, sobretudo como nos autos, a morte de uma criança de 13 anos de idade, ou em que não sejam empreendidas por médicos especialistas todos os conhecimentos e procedimentos de que dispõem para salvar vidas que é a função última de um médico, em particular as ações necessárias e exigíveis para acautelar esse resultado quando a vida de terceiros, crianças como o D. P., se encontrem em perigo emergente; II) O arguido R. M. deverá ser condenado, no nosso humilde entendimento, pelos factos tão gravosos que praticou e/ou omitiu, numa pena de prisão, efetiva, nunca inferior a 4 (quatro) anos; JJ) O arguido J. M. deverá ser condenado, no nosso humilde entendimento, pelos factos tão gravosos que praticou e/ou omitiu, numa pena de prisão, efetiva, nunca inferior a 3 (três) anos; KK) Estas penas de prisão efetivas são o mínimo reclamado pelas necessidades de prevenção geral, sobretudo prevenção geral, ou seja, pela reposição e reforço das expectativas comunitárias na validade da norma violada, sendo que, na nossa perspetiva, de modo algum excedem a medida da culpa, grave, grosseira, dos arguidos; LL) Se, in casu, existem as atenuantes que o Tribunal a quo deu como provadas nos pontos 103. e 197. a 231. dos factos provados, também existem inúmeras agravantes, como acima escalpelizamos, mas que ora, sinteticamente, relembramos: dois médicos, com especiais qualidades, médicos especialistas, investidos de um dever de garante, desde sexta-feira, dia 20/08/2010, a domingo, dia 22/08/2010, nos termos de facto dados como provados em 1. a 196., não repetiram análises sequer, não levaram a efeito qualquer exame complementar de diagnóstico, nem um simples e rápido raio x, nada; agiram com negligência, sim, mas grosseira; com as suas ações e/ou omissões teriam evitado o resultado e ainda hoje o D. P. estaria vivo; MM) Penitenciamo-nos se por vezes a descrição factual e/ou a nossa motivação recursória se traduz como que num “escrever como se fala”, mas tal deve-se, desde logo, ao melindre dos próprios factos, ao sentimento de impunidade que para nós é patente nos autos com as penas por que os arguidos foram condenados e ao facto, sobretudo a este último facto, que é a morte de uma criança de apenas 13 anos de idade; NN) E, continuando a “escrever como se fala”, quando morre uma criança num hospital ao cuidado de dois médicos especialistas é porque algo, eventualmente, tudo, correu muito mal; OO) Não ignoramos que o art.º 70.º do C.P. encerra em si uma prevalência pela pena não privativa de liberdade, se esta for adequada às necessidades preventivas do caso concreto. Na escolha da pena aplicável entram, pois, em consideração as necessidades de prevenção geral ou de garantia comunitária da validade e vigência da norma violada, bem como as necessidades de prevenção especial, designadamente, de ressocialização dos arguidos; PP) Deste mesmo normativo resulta estarem excluídas, na fase de...

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