Acórdão nº 1960/18.0T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 13 de Junho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório Nos autos de reclamação de créditos, por apenso ao processo de Insolvência com o n.º 1960/18.0T8VNF, do Juízo de Comércio de ... - Juiz 4, respeitante a S. P., pela Administradora Judicial (AI) foi apresentada Relação de Créditos Reconhecidos, nos termos do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Veio o credor Banco X, SA apresentar impugnação à lista de créditos reconhecidos, relativamente aos crédito reconhecidos como garantidos a J. S. e M. M., no valor de €75.000,00 que entende deverem ser reconhecidos como subordinados, atenta a qualidade de pais do insolvente, nos termos previstos nos artigos 48.º e 49.º do CIRE, requerendo que se considere o crédito impugnado, detido pelos pais do insolvente, como subordinado.
Responderam os credores visados, J. S. e M. M., pugnando pela improcedência da impugnação e pela manutenção do reconhecimento do seu crédito como garantido.
Foi, então, proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em 15-02-2019, julgando improcedente a impugnação à lista de créditos reconhecidos apresentada pelo credor Banco X, SA, mantendo o crédito de J. S. e M. M. com a natureza que lhe foi atribuída pela AI mais homologando a lista de credores reconhecidos e graduando-os para serem pagos pelo produto da massa insolvente, da seguinte forma: «1) As dívidas da massa insolvente saem precípuas (n.º 1 e n.º 2 do artigo 172.º do CIRE); 2) crédito hipotecário de Banco X, SA, pelo produto da venda do imóvel sobre que incide a hipoteca; 3) crédito hipotecário de J. S. e M. M., pelo produto da venda do imóvel sobre que incide a hipoteca; 4) do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns».
Inconformado, o credor Banco X, SA, apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): ” I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida pelo recorrente, no sentido de o crédito reclamado pelos pais do insolvente ser julgado subordinado, e não garantido, como foi na relação definitiva de créditos.
-
No essencial, considerou-se que, tendo-se o crédito dos pais do insolvente fundado numa escritura de confissão de dívida e hipoteca outorgada em 2013, e tendo a insolvência sido decretada apenas em 2018, sem necessidade de outras provas, não se podia afirmar que tinha ocorrido uma relação entre aquele mútuo e a situação de insolvência do devedor, motivo pelo qual o crédito dos pais não poderia ser considerado como subordinado.
-
Não se pode concordar com tal decisão.
-
Na verdade, conforme resulta da lista definitiva de créditos reconhecidos apresentada nos autos a fls., foi reconhecido um crédito de 75.000,00 com a natureza de garantido a J. S. e M. M., pais do insolvente.
-
Analisada a reclamação de créditos dos mesmos, e ainda na contestação à impugnação, verifica-se que não foi feita qualquer prova do referido mútuo, a não ser uma confissão de dívida do insolvente em escritura.
-
Nos termos do disposto no artº 48º e 49º do CIRE, o crédito em causa deveria ser considerado crédito subordinado, por ser detido por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, sendo consideradas extintas as garantias do mesmo, nos termos da al. e) do nº1 do artº 97º do mesmo Código.
-
O único bem detido pelo devedor é precisamente o imóvel em causa, que tem primeira hipoteca do Banco recorrente e segunda hipoteca dos pais do insolvente, sendo que, caso venha a ser confirmado tal crédito como garantido, nada sobrará para os demais credores da insolvência, entre os quais a parte comum do crédito do recorrente, que é de elevado valor (mais de 132 mil euros).
-
Com efeito, o imóvel em causa tem um valor de venda imediata de € 103.600,00, conforme relatório de avaliação que se juntou aos autos, sendo certo que, caso venha a ser reconhecido o crédito em causa com a natureza de garantido, nada sobrará para os demais credores.
-
Por um lado, não existe nos autos nenhuma prova do mútuo efetuado pelos pais do insolvente, sendo certo que para prova do mesmo, na reclamação de créditos e na contestação à impugnação, foi junta apenas a confissão de dívida dos insolventes.
-
Ora, a força probatória plena da escritura pública de confissão de dívida cinge-se à demonstração de que os respetivos outorgantes emitiram as declarações aí exaradas, mas não fazem prova plena dos factos a que se reportam, designadamente da entrega da quantia de € 75.000,00 ou da efetiva existência do contrato de mútuo.
-
Por outro lado, e ao contrário do que considera a mesma sentença, verifica-se que o crédito do Banco recorrente – precisamente a parte de crédito comum, que será afetado pelo reconhecimento do crédito impugnado – está vencido desde 16.05.2014, conforme consta da relação definitiva de créditos junta aos autos, e decorre da reclamação de créditos do recorrente.
-
Assim, desde a “constituição do crédito” dos pais do insolvente e a constituição do primeiro crédito do recorrente dista um ano, motivo pelo qual tais factos têm forçosamente que ser ligados.
-
Por último, e ainda que assim não fosse, os pais do insolvente, repete-se, não fizeram qualquer prova do mútuo, pelo que não poderia o mesmo ser reconhecido nos autos.
-
Sendo certo que, de toda a forma, mesmo independentemente de tal falta de prova, verifica-se que a lei é clara no sentido de qualificar todos os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor como subordinados, desde que tal relação já existisse à data da sua constituição ou aquisição, sendo certo que obviamente a relação parental já existia.
-
Por esse motivo, sempre deve ser considerado como subordinado o crédito, sendo certo que, ao contrário do que defendem os pais do insolvente, esta é uma presunção inilidível, atendendo à especialíssima relação existente entre o devedor e as pessoas em causa.
-
Assim, a sentença recorrida fez incorreta aplicação do disposto no artº 47º, 49º e 128º do CIRE e ainda do artº 371º do Código Civil, impondo-se a sua revogação».
Os credores J. S. e M. M. apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido II.
Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:
-
Se o crédito reclamado pelos credores - J. S. e M. M. - deve considerar-se validamente impugnado pelo credor/recorrente e, em consequência, se podia ser reconhecido pela sentença recorrida tendo por base a certidão da escritura pública datada de 15-3-2012, apresentada com a reclamação apresentada pelos credores/reclamantes, ora recorridos; B) Se o crédito reconhecido no processo aos credores - J. S. e M. M. - pode ser qualificado como crédito “garantido”, tal como concluiu a sentença recorrida ou deve ser qualificado como “subordinado”, atenta a relação de parentesco existente entre esses credores e o devedor, à luz dos factos provados e do estipulado no artigo 48.º, al. a), e 49.º, n.º1, al. b), do CIRE.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
*III. Fundamentação 1.
Os factos 1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos que a decisão recorrida considerou provados:
-
A Administradora de Insolvência apresentou lista definitiva de credores, nos termos do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, reconhecendo a J. S. e M. M. o crédito de € 75.000,00 garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel descrito na CRP ... n.º 1068, e inscrito na matriz sob o art.843-Ap. 841 de 2012/03/16; B) Tal crédito deriva de escritura de dívida com hipoteca outorgada a 15-3-2012(1), nos termos da qual o insolvente se confessou devedor para com J. S. e M. M., da quantia de € 75.000,00 e constituiu, a favor destes, hipoteca sobre o imóvel descrito na alínea que antecede (cfr. certidão junta pelos credores J. S. e M. M. com o seu requerimento de reclamação de créditos, cuja cópia foi junta pela senhora Administradora da Insolvência – refª 7615747); C) J. S. e M. M. são pais do insolvente S. P. (cfr. certidão de nascimento do devedor – refª 7423858); D) S. P. foi declarado insolvente por sentença proferida a 24-5-2018, na sequência de ação interposta para o efeito pelo Banco …, SA a 21-3-2018.
Atento o que se pode constatar mediante o acesso eletrónico ao processo, relevam ainda para a decisão do objeto do recurso os seguintes factos que se consideram assentes: E) Consta da lista lista definitiva de credores, aludida em A), os seguintes créditos reconhecidos com a natureza de “Comuns”: Autoridade Tributária e Aduaneira - Ministério Público - (€782,16) fundamento IUC - 2012, juros de mora e custas; Banco …, S.A. (€93.280,88) sendo € 78.530,70 (Capital) e €14.750,18 (Juros) fundamento (Livranças avalizadas pelo insolvente) com privilégio creditório geral, relativo a 1/4 do montante reclamado; Banco …, S.A. €72.250,00 fundamento (Livrança subscrita por X - advém de garantia bancária e avalizada pelo insolvente); Banco ..., S.A. Sucursal em Portugal €68.203,81 fundamento (Cessão de créditos de Barclays – Livrança avalizada pelo insolvente); Banco ..., S.A. Sucursal em Portugal € 16,34 fundamento (Descoberto bancário na DO 351206881950); Y - Sociedade de Garantia Mútua, S.A. (€76,61) sendo € 54,76 (Capital) e € 21,85 (Juros) fundamento (Débitos relativos a Livrança relativa à garantia 2009.24540, subscrita por X, Lda e avalizada pelo insolvente); Banco X, S.A. (€132. 238,42) sendo € 113.036,95 (Capital) e €19.201,47 (Juros) fundamento (Livrança de 16-05-2014, subscrita por X, LDA e avalizada pelo...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO