Acórdão nº 116/19.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autora: (…), divorciada, residente na rua (…), concelho de Barcelos Réus: (…), viúva, residente na Rua de (…) concelho de Barcelos, e também na qualidade de herdeiros de (…): 1º - (…), divorciado, residente na Rua de (…), concelho de Barcelos.

  1. - (..) viúva, residente na Rua (..), concelho de Barcelos, 3º - (…) residente na Rua (..) concelho de Barcelos Autos de: ação declaração de condenação com processo comum I - Relatório A Autora peticionou que os Réus fossem solidariamente condenados a reconhecer as benfeitorias úteis e necessárias efetuadas e deixadas no prédio urbano e a pagar-lhe a quantia de € 70.000,00 (setenta mil euros), correspondente à sua quota-parte, sob pena de haver enriquecimento sem causa à custa da mesma, e, subsidiariamente, que que se declare transmitido para o extinto casal, formado pela Autora e J. C., por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade do prédio rústico identificado nos artigos 10º e 40º da petição inicial e mediante pagamento do valor que o tribunal venha a reputar de adequado e justo, por nela haverem construído a habitação descrita no artigo 6º da petição inicial.

Invocou, em súmula, que na pendência do casamento que celebrou com J. C., agora já dissolvido, construíram uma habitação em prédio que foi descrito como pertencente à herança do pai deste, a qual constituiu a casa de morada de família, e que tem estado despojada do valor da quota-parte desses bens desde o divórcio, apesar de já ter intentado duas ações com vista a salvaguardar tal direito e correr termos o inventário para a divisão dos bens.

Citados os Réus, não contestaram, e após a apresentação de alegações foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou os Réus M. C. (por si e na qualidade de herdeira de J. M.), J. C. e A. C. (também herdeiros de J. M.) no pagamento à Autora da quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), absolvendo-os de demais peticionado.

É desta sentença que a Ré M. C., interpõe recurso, com as seguintes conclusões: a) Tendo-se apurado como facto provado [facto da alínea e)] que a habitação construída pela Autora e pelo Réu J. C. é propriedade do dissolvido casal não se pode falar em enriquecimento, já que este implica a deslocação patrimonial em benefício dos Réus, o que não acontece com o reconhecimento da propriedade da habitação a favor da Autora e seu ex-marido, configurando, assim, algo mais próximo da propriedade superficiária; b) É elemento constitutivo e facto integrador do enriquecimento sem causa a alegação e prova, por quem pretende prevalecer-se do instituto, que o enriquecimento carece de motivo justificativo; c) Não tendo a Autora alegado e provado a falta de razão do enriquecimento, privado lhe fica a utilização desse instituto; d) A Autora, pretendendo recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, deveria ter alegado e provado, também como facto constitutivo e integrador desse direito, que o recurso a esse instituto era o único e derradeiro caminho para reaver o montante de que se considerava empobrecida — o que não fez; e) é irrelevante que o custo das obras, à data de hoje, fosse de € 100.000,00, já que a atualização do valor à data da incorporação faz-se por via do recurso à regra do disposto no código civil e não pelo apuramento do custo e valor que as obras efetuadas teriam à data de hoje — pelo que não se pode considerar o valor de € 100.000,00 como enriquecimento dos Réus; f) Para além disso, não foi apurada a medida do enriquecimento dos Réus, não sendo viável a utilização da medida do empobrecimento da Autora como medida do enriquecimento dos Réus, necessitando de ser objeto de determinação autónoma, o que não aconteceu; g) Não existe matéria fáctica apurada que pudesse viabilizar o pedido subsidiário.

A douta sentença em reapreciação viola, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 473.º n.ºs 1 e 2, 474.º e 479.º n.ºs 1 e 2 do CCivil e deve ser substituído por outra que julgue improcedente a ação, absolvendo-se os Réus do pedido, ou, assim não se entendendo, determine que não se encontra apurado o montante do enriquecimento dos Réus.

II - Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, importa apurar, por ordem lógica (conhecendo primeiro as questões que prejudicam as seguintes): 1) Se não se pode considerar que se verificam os pressupostos para a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, por falta da demonstração: a) da verificação de transferência patrimonial, b) da ausência de causa justificativa para a transferência patrimonial; c) da inexistência de outro meio para a reposição do empobrecimento 2) qual o valor a atender para o cálculo do empobrecimento e do enriquecimento.

*III - Fundamentação de Facto A matéria de facto provada e não provada vem fixada da seguinte forma na sentença sob apelação: A- Factos provados a- A Autora e J. C. contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia -.08.1994.

b- Por sentença de 21.07.2008, proferida nos autos de divórcio litigioso n.º 210/07.5TBBCL, do extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, foi decretado o divórcio entre Autora e o J. C., a qual se encontra transitada em julgado.

c- Por apensação ao processo de divórcio, a Autora intentou inventário para separação de meações.

d- Tendo, nesses autos, o Tribunal decidido remeter as partes para os meios comuns, em virtude de não ter sido possível apurar se a casa de morada de família e recheio, com a exceção da mobília da sala, pertenciam ou não ao extinto casal.

e- Facto que veio a ser declarado na ação cível n.º 3212/10.5TBBCL, intentada pela Autora, a qual correu termos pela Instância Central de Braga - 1ª Secção - J5, que declarou a habitação e o recheio da mesma como bem comum do extinto casal, por ter sido suportado pelo respetivo património comum, encontrando-se essa decisão transitada em julgado.

f- A dita habitação é o prédio urbano, composto por casa de r/c, andar e logradouro, sita na rua …, freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrita na matriz predial de Barcelos sob o artigo … da união de freguesias de ... e … (… e …), descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/....

g- O recheio à data da separação era composto por: - Móveis e armários de cozinha em madeira com tampo em granito, mesa com tampo em granito e seis cadeiras, placa de gás com quatro bicos, forno elétrico, fogão a lenha, frigorifico, máquina de lavar loiça, micro-ondas, loiças e roupas de mesa; - Máquina de lavar roupa e arca frigorífica; - Três mobílias de quarto completas, sendo duas de casal e uma de solteiro, todas constituídas por cama, mesas-de-cabeceira, armário, cómoda e a de solteiro ainda por uma secretária; - Sapateira no corredor e um móvel de entrada no Hall; cortinados de todas as janelas da casa, candeeiros, carpetes variadas, molduras e telas nas paredes; - Roupas de cama, designadamente edredões, cobertores, jogos de lençóis e diversos jogos de atoalhados; - Três televisões, um aparelho de vídeo e um DVD, e diversos objetos de adorno e decoração.

h- Os Réus, temendo o desfecho da ação n.º 3212/10.5TBBCL, e com vista a impedir que a Autora recebesse aquilo que era seu por direito, por escritura pública de 25.08.2010, procederam à partilha do acervo hereditário de J. M., pai do J. C. e da A. C. e marido da M. C., nele incluindo o prédio urbano aqui em questão, e o prédio rustico onde foi implantada a construção, adjudicado os mesmos a A. C..

i- Aproveitando-se do facto de a construção edificada pela Autora e J. C. haver sido efetuada no prédio rústico denominado «Campo das ...», com a área de 3.300 m2, inscrito na matriz predial rústica de ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/..., que, à data da construção, pertencia à Ré M. C. e marido J. M..

j- Negócio que veio a ser declarado nulo, por decisão proferida no processo 1244/11.0TBBCL, o qual correu termos pela Instância Central de Braga – 1ª Secção Cível - J5, a qual se encontra transitada em julgado.

k- Na sequência de tais decisões, a Autora requereu partilha adicional de bens contra o ex-marido J. C., no processo de Inventário/Partilha de Bens em casos Especiais n.º 1210/07.5TBBCL-B, que corre termos pela Comarca de Braga, Juízo de Família e Menores de Barcelos- Juiz 2.

l- Na conferência de interessados realizada em 23.05.2017, Autora e ex-marido J. C., ali interessados, decidiram proceder à venda dos bens comuns (imóvel e seu recheio), por negociação particular, nomeando como responsável por tal venda a Imobiliária «Era- … Centro».

m- Em virtude da falta do necessário alvará de licença de autorização de utilização, não foi possível proceder-se à venda de tal imóvel.

n- Pelo que a Autora, em 19.06.2017, efetuou o pedido de emissão de autorização de utilização junto do Município de … para a habitação em causa.

o- Licença que não foi concedida, por falta de colaboração do ex-marido J. C..

p- Sendo este quem, desde 29.05.2006, data da separação do extinto casal, usufrui da habitação e do seu recheio, como de bens próprios se...

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