Acórdão nº 412/16. 8T8WD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ FLORES
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. RELATÓRIO A Recorrente (..) foi demandada em acção intentada pelo Recorrido (…) na qual este pede que a Ré seja condenada a:

  1. Proceder à reparação dos danos sofridos pelo veículo seguro, em resultado do acidente dos autos, cujo valor ascende a € 11.964,97, de forma a repor o veículo no estado em que estava antes do sinistro, de acordo com o princípio da restauração natural (tal como preceituado no contrato) ou, b) Caso opte pela atribuição da indemnização correspondente ao valor da reparação, a pagar ao demandante a quantia de € 11.964,97 (onze mil, novecentos e sessenta e quatro euros e noventa e sete cêntimos), valor necessário para a reparação do veículo de forma a repor a(s) parte(s) danificada(s) no estado anterior ao sinistro; c) A pagar ao demandante de juros de mora, à taxa legal supletiva de 4%, contados desde a citação até efectiva reparação do veículo, ou pagamento da indemnização, conforme for opção da seguradora/demandada.

    A Ré contestou, pedindo a improcedência da acção ou, subsidiariamente, a declaração da nulidade do contrato.

    O Autor respondeu, pedindo a improcedência das excepções invocadas.

    Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno a Ré, “Companhia de Seguros X, S.A.”, a pagar ao Autor, O. J., a quantia de € 11.714,97, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos até integral e efectivo pagamento, sobre o capital de € 11.714,97, à taxa legal de 4%.

    Custas na proporção do decaimento – Cfr., art.º 527.º, do Código de Processo Civil.” Inconformada com essa decisão, a Recorrente acima identificada apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes conclusões.

    I- Decorre do contrato de seguro que ficaram excluídas da sua garantia as situações em que, no momento do acidente, o condutor apresenta uma taxa de alcoolémia superior à legalmente prevista e aquelas em que o condutor se recusa a submeter-se a um exame de pesquisa de álcool no sangue II- A primeira dessas exclusões não é mais do que uma adesão às prescrições e proibições legais que sancionam a condução em estado de embriaguez, havendo, portanto, um interesse público na sua adopção no âmbito de um seguro de riscos, ainda que facultativo III- Já a exclusão que afasta da garantia do seguro as situações em que “o condutor se recuse a submeter-se aos testes de alcoolemia ou de detecção de estupefacientes ”, corresponde a uma das expressões do dever de boa-fé das partes na execução de um contrato (Cfr artigo 762º n.º 2 do Cod Civil).

    IV- Na execução de um contrato as partes devem agir de boa-fé, sendo de exigir que colaborem com a parte contrária, quer no cumprimento das respetivas obrigações, que no apuramento das circunstâncias que reduzem ou extinguem esses deveres.

    V- Para além das suas obrigações principais, de um contrato emergem ainda obrigações acessórias de conduta para as partes.

    VI- Na presente ação o A reclama da Ré o pagamento de prestações estabelecidas num contrato de seguro que cobria os danos próprios sofridos pelo demandante em caso de choque, colisão e capotamento, mas que excluía da sua garantia as situações em que, aquando do acidente, o condutor apresente uma TAS superior à legalmente permitida, ou se recuse a submeter-se a um exame de pesquisa de álcool.

    VII- Provou-se que, na vigência da apólice, o A sofreu um acidente de viação, o qual ocorreu depois de uma noite na qual tinha inferido bebidas alcoólicas.

    VIII- Também se provou que o Autor tinha conhecimento que a condução sob efeito de álcool era motivo de exclusão das coberturas contratadas com a Ré, caso viesse a demonstrar que conduzia com uma taxa de alcoolémia superior à legal IX- Porém, também se provou que o autor, depois do acidente, decidiu não chamar as autoridades ao local, antes se ausentando sem ter sido submetido ao exame de pesquisa de álcool, o qual não foi realizado, precisamente, em consequência desse abandono.

    X- Era dever do autor, de forma a agir de boa-fé e com a devida colaboração no âmbito do contrato de seguro, que tivesse tomado as medias necessárias à confirmação de um dos aspectos que determinaria a existência ou não da obrigação contratual da Ré, ou seja, a existência de uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida, o que impunha que tivesse chamado ao local as autoridades ou aguardado pela sua chegada, ao invés de se ausentar.

    XI- O Autor não ficou ferido, nem apresentou qualquer justificação plausível para ter abandonado o local do acidente depois da sua ocorrência XII- Com este seu comportamento, o autor impediu, portanto, a Ré de ver confirmada uma das circunstâncias que poderiam afastar a sua responsabilidade.

    XIII- Esta actuação do autor corresponde a uma clara violação do seu dever de boa-fé na execução do contrato de seguro, por afectação de deveres acessórios de conduta que sobre si recaíam, sendo, portanto, culposa, porque censurável, em face do que se expôs.

    XIV- E, com essa conduta do autor, consubstanciada no injustificado abandono do local do acidente sem chamar as autoridades e sem se submeter a um exame de pesquisa de álcool no sangue, o autor impossibilitou, definitiva e culposamente, a prova pela Ré de que, no momento do acidente, conduzia o veículo com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.

    XV- Pelo que será de aplicar o disposto no artigo 344º nº 2 do Código Civil, concluindo-se, por via de inversão do ónus da prova, pela verificação do facto presumido.

    XVI- Ou seja, deve presumir-se o facto cuja prova o A tornou culposamente impossível, mais precisamente que, na ocasião do sinistro, conduzia o OD com uma taxa de alcoolémia superior à permitira por Lei, isto é, superior à de 0,5 G/L de sangue.

    XVII- Essa presunção não foi ilidida pelo Autor, tanto mais que se provou que, na verdade, consumiu álcool na noite do acidente.

    XVIII- Consequentemente, a Ré impugna a decisão proferida quanto ao facto do ponto 40º da sua contestação, o qual foi incorrectamente julgado, na medida em que, apesar de se verificarem os pressupostos da indicada presunção, o meritíssimo Sr. Juiz não a aplicou, assim decidindo de forma incorrecta o facto em causa.

    XIX- Como tal, com base nessa presunção decorrente dos factos dados como provados nos pontos 19, 21, 29, 37, 38, 39, 41, 43 e 45, deve ser dado como provado o facto do ponto 40º da contestação da Ré, ou seja, no momento do acidente o A conduzia o OD com uma taxa de alcoolémia superior à de 0,5 g/litro de sangue, facto que bem conhecia.

    XX- E, dando-se este facto como provado, fica excluída a responsabilidade da Ré, por força da cláusula 40ª n.º 1, alínea c) das Condições Gerais da Apólice, que afasta os sinistros nos quais se verifique “Condução em contravenção à legislação aplicável à condução sob o efeito de álcool”.

    XXI- A clausula acabada de referir não exige a verificação de nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolémia superior à legal e o acidente.

    XXII- Deve, pois, ser revogada a douta sentença, absolvendo-se a Ré do pedido.

    XXIII- Ademais, ao afastar-se do local do acidente antes da chegada dos agentes da autoridade o A impediu a realização do teste de alcoolémia.

    XXIV- Esta situação, em termos práticos, deve ser configurada como uma recusa em submeter-se a esse exame, na medida em que se revela até muito menos cooperante do que a de um condutor que, pelo menos, aguarda pela chegada ao local das autoridades.

    XXV- Assim, deve entende-se que o A se recusou a submeter-se ao teste de alcoolémia que lhe seria ministrado pelos agentes da autoridade.

    XXVI- Portanto, se por mais não fosse, sempre se deveria concluir que a situação em análise integra a previsão da cláusula que exclui da garantia do seguro os sinistros nos autos o condutor do veículo seguro “”se recuse a submeter-se aos testes de alcoolemia ou de detecção de estupefacientes”.

    XXVII- Portanto, também por essa razão se deveria excluir a responsabilidade da Ré, revogando-se a douta sentença e absolvendo-se a Ré do pedido.

    XXVIII- Na douta sentença sob censura o Tribunal conheceu, no essencial, das questões suscitadas pela Ré na sua contestação, já que a sua desconsideração é pressuposto lógico da decisão proferida XXIX- De todo o modo, consta-se que na douta sentença sob censura o Tribunal não se pronunciou, expressamente, sobre a existência ou não de uma inversão do ónus da prova quanto ao facto do artigo 40º da contestação da Ré, por força do disposto no artigo 344º n.º 2 do Cod Civil, nem se, por força dela, se verifica ou não a exclusão decorrente de “Condução em contravenção à legislação aplicável à condução sob o efeito de álcool” e sobre a verificação dos pressupostos da exclusão contratual que afasta da garantia do seguro as situações em que ocorre recusa do condutor do veículo em submeter-se a teste de pesquisa de álcool.

    XXX- Como tal, caso se entenda que o Tribunal não se pronunciou sobre estas questões, ter-se-á incorrido na douta sentença em omissão de pronúncia.

    XXXI- Na verdade, tais questões (a da inversão do ónus da prova quanto ao facto do ponto 40º da contestação, com a consequente integração da exclusão decorrente de “Condução em contravenção à legislação aplicável à condução sob o efeito de álcool” e a equivalência entre a actuação do autor e recusa em submeter-se a exame de pesquisa de álcool, com a consequente integração da previsão da exclusão contratualmente prevista para esses casos) foram expressamente invocadas pela Ré na sua contestação e deveriam ter sido objecto de decisão.

    XXXII- Como tal, caso se entenda que sobre essas questões não se pronunciou o julgador, é a sentença nula, de harmonia com o que dispõe 615º n.º 1 alínea d) do CPC.

    XXXIII- Anulada a decisão deve o Tribunal de primeira instância, nesse caso, pronunciar-se expressamente sobre estas questões, o que, subsidiariamente, se...

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