Acórdão nº 2359/18.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 17 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. H. M.
intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X – Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe: «a) do preço em falta, correspondente ao montante das prestações vencidas e não pagas, a partir de Março de 2016, inclusive, no montante de 36.600,00€, no âmbito da celebração do contrato “transmissão de estabelecimento comercial, com reserva de propriedade”, celebrado entre a Ré e a sociedade Y – Unipessoal, Lda., cujo objecto é o estabelecimento comercial de restauração e bebidas que vem girando sob o nome “restaurante W”, instalado no rés-do-chão e 1º andar do prédio urbano sito na Praça de …, freguesia de ..., ..., do concelho de Guimarães, e cujo crédito foi cedido ao Autor; b) acrescido de 2.500,00€ a título de cláusula penal; c) bem como, juros de mora até efectivo e integral pagamento e custas processuais».
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que é credor da Ré pela quantia de € 36.600,00, em resultado de cessão desse crédito a seu favor pela Y, Unipessoal, Lda., outorgada em 01.06.2015. Esse crédito que lhe foi cedido é proveniente de um contrato de trespasse celebrado em 28.05.2014, entre aquela Y, Unipessoal, Lda., e a Ré, que tinha por objecto o estabelecimento “Restaurante W”, sito na Praça de ..., na cidade de Guimarães, e cujo pagamento do preço deveria ter sido efectuado em prestações. A Ré deixou de pagar as prestações acordadas a partir de Fevereiro de 2016 e, não obstante tal cessão de créditos ter sido sempre do perfeito conhecimento da Ré, foi-lhe comunicada através de notificação judicial avulsa de 17.10.2017, mantendo-se em mora, estando já todas as prestações vencidas.
*A Ré contestou e reconveio, pedindo a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de € 19.700,00, correspondente a dez prestações do preço do trespasse pagas através de cheques, na convicção de estarem a ser entregues ao gerente da Y, Unipessoal, Lda., para pagamento a esta daquelas prestações, quantia que o Autor fez sua sem qualquer justificação.
Impugnou a factualidade alegada pelo Autor, confirmou a outorga do contrato de trespasse, negou ter tido qualquer conhecimento da cessão de créditos e de que esta tenha existido.
Alegou que a Y, Unipessoal, Lda., se encontra dissolvida e liquidada desde 30.06.2015, do que a Ré tomou conhecimento no início de 2016, já depois de uma reunião havia em 02.07.2015 entre o Autor, a Ré e a Y, Unipessoal, Lda., com vista a ser assinado um contrato cessão de crédito, o qual, contudo, não foi assinado por existirem questões pendentes entre a Ré e aquela Y, Unipessoal, Lda. Em nova reunião, já em 29.02.2016, a Ré recusou-se a assinar nova cessão de créditos com data anterior à do registo de dissolução e encerramento da Y Unipessoal, Lda. No que respeita às comunicações por si recebidas, invocou a falsidade dos documentos juntos com essas comunicações, quer no que respeita à data que dos mesmos consta, quer quanto à assinatura do Autor neles aposta, afirmando que, antes da extinção da sociedade, não foi celebrada qualquer cessão de créditos.
Pediu a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e indemnização correspondente ao reembolso das despesas por si suportadas, designadamente honorários da mandatária.
*Replicou o Autor, afirmando que a Ré concordou em que se efectivasse a cessão de créditos e que, apesar das promessas, a Ré nunca assinou a cessão da posição contratual, concluindo que a Ré conhecia a intenção do Autor em encerrar a sociedade e que falta propositadamente à verdade. Alegou ainda que, com o encerramento daquela Y, Unipessoal, Lda., o Autor assumiu todos os débitos e créditos da sociedade e pugnou pela inexistência de qualquer falsidade no documento que corporiza a cessão de créditos, mais impugnando o pedido reconvencional formulado.
*A Ré respondeu, reiterando o já anteriormente alegado.
*1.2.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho-saneador, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença a decidir: «a). julgar a acção procedente e, em consequência, condenar a Ré X – Unipessoal, Lda., a pagar ao Autor a quantia de € 39.100,00 (trinta e nove mil e cem euros), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados, à taxa legal sucessivamente emergente do disposto no artigo 559º do C. Civil, desde a data de vencimento de cada uma das prestações mencionadas supra em I.3.B). e sobre os respectivos montantes, e desde o dia 13 de Janeiro de 2018 sobre a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), tudo até integral pagamento; b). julgar a reconvenção improcedente e, em consequência, absolver o Autor do pedido reconvencional».
*1.3.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença e formulou, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões: «1ª - O Autor formulou o pedido contra a Ré, invocando a titularidade de crédito e sustentando essa titularidade na cessão do crédito, ocorrida a 1 de Junho de 2015, juntando, para prova do alegado, documento escrito, designadamente o contrato, que diz ter celebrado.
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- Na sentença ora em crise, o douto tribunal a quo deu como provado, no PONTO 11 e 12 dos Factos Provados, que “11. Em dia não concretamente apurado do mês de Maio de 2015, a Y Unipessoal, Lda., transmitiu o crédito sobre a Ré, decorrente do contrato referido em I.2, para o Autor.” e “12. Desde dia não concretamente apurado do mês de Maio de 2015 que a Ré tem conhecimento do referido em I.11.”.
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– Em momento algum, o Autor alega que a cessão do crédito ocorreu em dia não concretamente apurado do mês de Maio de 2015 e muito menos que a Ré dela tenha tinha conhecimento no mês de Maio de 2015. Pelo contrário, o Autor alega reiteradamente, nos articulados por si apresentados, uma data específica da cessão do crédito – 1 de Junho de 2015 – e junta documento para prova desse facto.
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– A alegação feita pelo Autor, de que a cessão de créditos teve lugar no dia 1 de junho de 2015, é o facto essencial da sua causa de pedir.
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- Ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal conheça de causas de pedir não invocadas ou de exceções não deduzidas pelas partes e que estejam na exclusiva disponibilidade destas (artigo 608,º, n.º 2 do Código de Processo Civil) – neste sentido Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, pág. 335.
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- Existe excesso de pronúncia quando os limites processuais forem ultrapassados com o tribunal a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedidos e definidos, sendo que a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos referidos limites legais.
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- Ao Tribunal cabe o dever de conhecer o objeto do processo, definido pelo pedido deduzido e respetiva causa de pedir, de acordo com as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação nos articulados apresentados.
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- A data de cessão do crédito e a data conhecimento da mesma pela Ré constituía matéria controvertida, porque impugnada pela Ré, mas a discussão apenas se reconduzia à alegação da Ré sobre a cessão do crédito em data posterior àquela que havia sido invocada pelo Autor.
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– Estando de acordo, Autor e a Ré, na impossibilidade da cessão do crédito ter ocorrido em data anterior a 1 de Junho de 2015, ao tribunal a quo caberia, apenas, decidir se a cessão ocorreu, ou não, na data invocada pelo Autor.
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– Ao dar como provado facto não alegado pela parte, a sentença proferida encontra se, assim, ferida de nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, porquanto conhece de questões de que não podia tomar conhecimento.
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– Tal facto, reitera-se, não foi alegado pelo Autor, pelo que, nem se admita que este venha agora, em eventual contra-alegação, e depois de alegar e reiterar um facto, dar o dito por não dito, tentando suprimir o facto alegado, dada que tal representaria uma intolerável manipulação das regras processuais, a bel contento de interesses egoístas da parte, no seu afã de alcançar os seus propósitos substantivos de procedência do peticionado, sem respeito da boa-fé processual.
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- Seria um abuso de direito processual, na modalidade de venire contra factum proprium, o que está vedado ao Autor, nos termos resultantes dos princípios gerais estabelecidos nos artigos 334.º do Código Civil e 542º, nº 1, d), do Código de Processo Civil, a propósito da litigância de má-fé.
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- Os factos dados como provados nos PONTOS 11 E 12 não têm o mínimo suporte em prova documental, nem na prova testemunhal produzida nos presentes autos, e que a mesma sentença indica como fundamento da decisão proferida sobre a matéria de facto.
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- O tribunal a quo dá como provada a celebração do contrato de cessão de créditos em dia não concretamente apurado do mês de Maio de 2015, não só contrariando a posição das partes, mas também sem qualquer meio de prova documental que sustente tal decisão.
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– Sendo certo que a prova documental é único meio de prova que poderia sustentar o facto constante do PONTO 11, designadamente a existência do contrato de cessão de créditos. Ora, nos termos do disposto no artigo 577.º do Código Civil, o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, sendo que, de acordo com o nº 1 do artigo 578.º do Código Civil, “ Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base”, ou seja, os requisitos da cessão de créditos, designadamente o requisito formal, afere-se através dos requisitos de validade do negócio jurídico causal.
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– O autor juntou, com a petição inicial, cópia da notificação judicial avulsa à qual tinha junto...
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