Acórdão nº 4615/17.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES |
Data da Resolução | 17 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório X – Investimentos Imobiliários Lda., com sede em Braga, intentou a presente acção especial de prestação de contas contra A. C., residente na Rua …, em Braga, peticionando que fosse o réu condenado a prestar-lhe contas.
Para tanto alegou que o réu não cumpriu com o dever de prestação de contas, relativamente a procuração onde a autora lhe concedeu poderes para em seu nome e em sua representação, vender ou prometer vender, permutar ou prometer permutar determinados bens imóveis que especifica.
*O réu contestou negando a obrigação de prestar contas invocando em síntese que os bens indicados na procuração lhe pertenciam em virtude de acordo de princípios celebrado com a autora, sendo a procuração invocada o instrumento usado pelas partes para permitir que os bens ingressassem a esfera do réu.
Mais invoca erro na forma de processo.
*A autora respondeu negando a celebração de qualquer acordo com o réu, sendo totalmente alheia a qualquer acordo pessoal celebrado entre o este e o C. C., seu administrador.
*Foi realizada tentativa de conciliação das partes, que se frustrou.
O tribunal pronunciou-se pela improcedência do alegado erro na forma de processo.
Foi designada data para inquirição das testemunhas e prestação de depoimento de parte.
*Após, foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra: “Termos em que julgo verificada a obrigação de prestação de contas por parte do Réu à autora dos actos jurídicos praticados no uso da procuração outorgada 13.5.2013, e, consequentemente, ordeno que o Réu apresente as referidas contas no prazo de 20 dias sob pena de, não o fazendo, não poder contestar as que a autora apresente (cfr. art. 942.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
Custas a cargo do réu (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), fixando-se oportunamente o valor da acção.
Notifique, sendo a ré para prestar as contas nos termos determinados e em conformidade com o disposto no art. 944.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).”*Não se conformando com esta sentença veio o ré dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I- Do Objeto do Recurso 1- O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no âmbito do processo supra identificado – para a qual remetemos e damos por integralmente reproduzida por questões de economia processual – na medida em que julga “verificada a obrigação de prestação de contas por parte do Réu à Autora” e ordena que “o Réu apresente as referidas contas”.
II- Contextualização Prévia.
2- Nesta sede, remetemos integralmente para o corpo das motivações, por questões de economia processual, dando por aqui reproduzida toda aquela matéria.
Posto isto, III- Do erro no julgamento e a decisão que deveria ter sido tomada.
3- Os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados.
4- Considera o recorrente que andou mal o tribunal a quo ao considerar como não provado que a autora tinha já obtido todas as informações relativamente aos negócios previstos na procuração, por via do seu representante legal C. C..
5- Designadamente, o recorrente considera que devem ser dados como não provados os seguintes factos constantes do rol dos factos dados dados como provados pelo tribunal a quo: - o facto nº 8; - o facto nº 12, na parte em que refere “foi celebrado entre A. C. e C. C.”; 6- Para sufragar este entendimento, o recorrente baseia-se na prova produzida, quer documental, quer testemunhal.
Assim, IV- Dos concretos meios probatórios que, a ver do recorrente, deveriam ter conduzido a uma decisão diversa da recorrida, bem como da sua interpretação jurídica.
-
- Prova documental: O Acordo de Princípios celebrado entre A. C. e C. C..
7- Um dos elementos fulcrais carreados para os autos que cumpre analisar é o denominado Acordo de Princípios, já referido supra.
8- É certo que a interpretação deste acordo acarreta também a ponderação de matéria de direito e não apenas matéria de facto; assim, por razões de economia processual e para uma maior facilidade de compreensão, discutiremos todas as questões relacionadas com este Acordo de Princípio e a sua valoração e interpretação – sem prejuízo de uma análise jurídica em sede própria infra.
9- Como se pode constatar, o documento designado por Acordo de Princípios assume particular relevância, pois o mesmo permite, por si só, descobrir se a autora já tinha conhecimento da informação que pretende agora seja prestada ou não.
10- O tribunal a quo interpreta o Acordo de Princípio no sentido em que o mesmo não vincula a autora, pois não foi assinado por um legal representante desta mas sim apenas por um sócio (o Sr. C. C.), pelo que não o considera relevante para a decisão da causa, decidindo assim que o réu é obrigado a prestar contas.
11- Ora, salvo melhor entendimento, esta é uma interpretação excessivamente formal do Acordo, que desconsidera toda a relação subjacente que lhe serviu de base e que vai contra a vontade manifestada pelas partes.
12- Mas, mesmo que assim não se entenda, crê o recorrente que esta circunstância apontada pelo tribunal a quo em nada releva para o caso em discussão nos presentes autos – tendo em conta que se trata de uma ação especial de prestação de contas.
Vejamos, A)-1 Da irrelevância da questão da validade ou eficácia do contrato para a decisão da presente ação de prestação de contas.
13- Entende o recorrente que a vinculação da autora ao Acordo de Princípios (ou falta dela) não deveria sequer ter sido tomada em consideração neste processo.
14- Isto porque não está em discussão a validade ou a eficácia ou qualquer outro aspeto do contrato designado Acordo de Princípios.
15- Como bem refere o tribunal a quo, a obrigação de prestar contas é uma “obrigação de informação”, cujo reflexo adjectivo é a ação de prestação de contas – também neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 19/01/2006, processo 10895/2005-6, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/02/2006, processo 05B4061.
16- A ação de prestação de contas em si tem um carácter misto: num primeiro momento, pretende-se o “apuramento e aprovação das receitas obtidas e despesas realizados por quem administra bens alheios” e posteriormente, se for o caso, “a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”, pelo que não se trata exclusivamente de uma ação destinada a obter informação – neste sentido, Abílio Neto “Novo Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição de Maio de 2015, pps. 1068 e ss..
17- No entanto, é pacífico que a condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se está absolutamente dependente do apuramento das receitas e despesas – e, por conseguinte, da verificação da obrigação de prestar contas, sem a qual a ação está condenada ao insucesso.
18- Ora, uma vez que o objeto da ação é, num primeiro momento e essencialmente, obter uma informação, é um pressuposto essencial que o autor não tenha obtido ou não tenha podido obter a informação que peticiona.
19- Aliás, um dos requisitos legais para a verificação da obrigação de prestar informação, no geral, é a “dúvida fundada” por parte do titular de um direito acerca da sua existência ou do seu conteúdo – artigo 573º do Código Civil.
20- O critério que releva é, portanto, o do conhecimento. Se o autor tem conhecimento da informação que pretende ver prestada, a sua pretensão não tem fundamento legal – não pode pedir judicialmente informações sobre situações que já conhece - nesta senda, acórdão da Relação de Lisboa, de 27-02-2014.
21- Tendo em conta toda esta argumentação, e regressando ao Acordo de Princípios, verificamos que o mesmo foi assinado pelo Sr. A. C. e pelo Sr. C. C..
22- A procuração outorgada pela autora é apenas uma consequência, lógica e cronológica, daquele Acordo de Princípios celebrado.
23- O Sr. C. C., atuando enquanto representante da autora, teve, então, pleno conhecimento dos negócios celebrados, nos precisos termos em que o foram (ou seja, tinha conhecimento da sua existência e do seu conteúdo) – como, aliás, se demonstrará pelo seu depoimento, que infra transcreveremos.
24- Bem assim, se o representante legal da Autora teve conhecimento, então a própria autora também o teve.
25- Reitera-se, a validade ou a eficácia do contrato, ou a aposição de carimbo da sociedade ou falta dela, não significam que a autora não teve conhecimento da celebração destes negócios, e é isto que verdadeiramente importa averiguar na ação de prestação de contas.
26- A questão de saber se o contrato vincula ou não a sociedade e não o sócio, ou se foi validamente celebrado ou não, seria apenas apreciável em sede de ação própria para o efeito.
27- Veja-se, este contrato apenas foi carreado para os autos pelo réu apenas para demonstrar que a autora tinha pleno conhecimento dos negócios celebrados, e é precisamente isso que vem demonstrar.
Sem prescindir, 28- Ainda que se considerasse relevante para a boa decisão da causa, quer a validade do contrato denominado Acordo de Princípios, quer a vinculação da autora ao mesmo, sempre teria o Tribunal a quo de considerar que o sócio C. C., aquando da outorga daquele contrato, pretendia obrigar a autora ao cumprimento do mesmo.
29- Tal conclusão pode constatar-se através da análise crítica e conjugada, à luz das regras da experiência, dos seguintes factos: 30- - C. C. era administrador da autora, e por isso, o único que a podia representar; 31- - Foram os funcionários da autora (contabilistas, juristas e advogados) que estiveram na feitura do aludido contrato denominado Acordo de Princípios; 32- - A autora outorgou procuração, junta aos autos, com os mesmos bens definidos naquele Acordo, sem estipular preços, dando poderes ao réu para este poder dar cumprimento ao referido contrato; 33- - No referido contrato, são disciplinas obrigações da autora, nomeadamente o destino dos seus bens; 34- - A autora interpelou, por diversas vezes, o réu para o cumprimento do...
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