Acórdão nº 330/12.9TBCMN-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- Na sequência da declaração da insolvência da sociedade comercial “X - Empreendimentos Imobiliários, S.A.”, veio o credor “Banco ..., S.A. – Sucursal em Portugal”, requerer a qualificação da insolvência como culposa, alegando estarem verificadas as circunstâncias previstas nas al.s b) e d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE.

Foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência por despacho proferido em 15/10/2014.

O Sr. Administrador da Insolvência (A.I.) emitiu parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa e de ser afectado pela qualificação o actual Administrador da requerida/devedora M. J..

Para justificar a qualificação de insolvência como culposa, o Sr. A.I. invocou o preenchimento das circunstâncias previstas nas als. b) e d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, fundamentado no contrato-promessa de compra e venda que a Insolvente celebrou com a sociedade comercial “V. V. - Serviços, S. A.” prometendo-lhe vender todo o seu património pelo valor global de € 5.005.000, que esta, promitente-compradora, se comprometeu a pagar entregando, a título de sinal, a quantia de € 2.400.000, uma parte a liquidar por meio de cheque no valor de € 50.000 e outra parte - € 2.350.000 - através de encontro de contas, contrato que a Insolvente incumpriu, o que motivou a sua resolução e a propositura de uma acção judicial pela “V. V., S.A.”, que a Insolvente não contestou, sendo condenada, além do mais, no pagamento do sinal em dobro e na importância de € 500 por mês de atraso no pagamento das quantias em que foi condenada, até integral pagamento, reconhecendo-se ainda à referida “V. V., S.A.” o direito de retenção sobre as fracções prometidas-vender, até que se mostrem pagas as quantias que lhe foram arbitradas.

Não foi obtida qualquer prova concreta do fluxo financeiro associado à entrega do cheque e ao encontro de contas acima referidos.

O Ministério Público concordou com o parecer do Sr. A.I..

Apenas o administrador da devedora/insolvente, M. J., deduziu oposição, na qual refutou a factualidade e argumentos invocados pelo Sr. A.I. para fundamentar o seu parecer da qualificação da insolvência como culposa, argumentando que a situação de insolvência se deveu à crise do sector imobiliário e do sector da construção civil, não existindo nexo de causalidade entre o agravamento dos créditos sobre a insolvente pelo decurso do tempo e a sua actuação, enquanto administrador da insolvente.

Concluiu pedindo a qualificação da insolvência como fortuita.

O Sr. A.I. e o credor “Banco ..., S.A.” responderam, impugnando o alegado pelo administrador da devedora/insolvente e reafirmando a posição anteriormente assumida, acrescentando a Credora estar verificada ainda a situação prevista na al. i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença decidindo: a)- qualificar a insolvência da sociedade X - Empreendimentos Imobiliários, S.A. como culposa; b)- declarar que é afectado pela qualificação da insolvência M. J.; c)- decretar a inibição da pessoa identificada na al. b) para administrar patrimónios de terceiros pelo período de sete anos; d)- declarar a pessoa identificada na al. b) inibida para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante o período de sete anos; e)- determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detido pela pessoa identificada na al. b) e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; f)- condenar a pessoa identificada na al. b) a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, a efectuar em liquidação de sentença.

Inconformado, traz o referido M. J. o presente recurso pedindo a revogação da supra transcrita decisão e se declare a insolvência como fortuita. Subsidiariamente pede a alteração da mesma decisão quanto ao período de inibição a que aludem as alíneas b) e c) do nº 2 do artº 189º do CIRE, propugnando pela sua fixação pelo mínimo legal de 2 anos.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.

**II.- O Apelante formulou as seguintes conclusões: A.- Como consta da douta sentença recorrida, a factualidade apurada não permite concluir que a sociedade V. V. é uma sociedade especialmente relacionada com a devedora.

B.- Como vem sendo decidido maioritariamente, a correcta interpretação do disposto o artº 186º nº 1 do CIRE (apesar da desarmonia existente na doutrina e na jurisprudência) é no sentido de que quer as situações que se encontram prevenidas nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g) do nº 2 desse artigo, quer as situações descritas nas alíneas do seu nº 3, embora fazendo presumir a culpa (grave, nos casos que se enquadrem no aludido nº 3) dos administradores, só autorizam a qualificar a insolvência como culposa se se evidenciar a existência de nexo de causalidade entre essas faltas e o estado de insolvência.

C.- A explicação para a declaração de verificação da situação prevista na alínea b) do nº 2 do artº 186º do CIRE não se percebe.

D.- Da factualidade provada não resulta qualquer agravamento artificial de passivos, nem a celebração de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionados (como já dissemos a douta sentença excluiu expressamente a existência de espacial relacionamento entre as sociedades contratantes).

E.- Na versão da sentença não foi a celebração do contrato promessa, mas sim o seu incumprimento e a não contestação da acção, que agravaram artificialmente o passivo da insolvente.

F.- Porém, os bens imóveis prometidos vender não saíram do património da devedora (exactamente pelo incumprimento do contrato) e o crédito reclamado pela promitente compradora não foi reconhecido, o que desmente o agravamento do passivo, artificial ou não.

G.- No caso concreto, não só não existe qualquer fundamentação de facto, como há uma total ausência de fundamentação de direito justificativa do despacho proferido quanto à verificação da situação prevista na alínea b) do artº 186º do CIRE.

H.- E este dever de fundamentação das decisões judiciais tem até consagração constitucional no artº 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei” I.- Nesta parte a decisão é nula porque não especifica os fundamentos de facto e de direito que a justificam, conforme dispõe o art.º 615º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil J.- O incumprimento do contrato promessa tem justificação e ela consta da matéria factual provada; foi a impossibilidade de cumprir o contrato, vendendo os bens imóveis livres de quaisquer ónus ou encargos, como prometido, que determinou o incumprimento.

K.- A alusão que na sentença se faz à não contestação da acção intentada pela V. V. e a invocação desta falta para fundamentar a verificação da previsão das alíneas d) e f) do nº 2 do artº 186º do CIRE é incompreensível. A devedora não contestou a acção porque todos os factos invocados pela autora eram verdadeiros.

L.- Não há, consequentemente, qualquer agravamento artificial do passivo, nem celebração de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas, não se verificando a situação prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE.

M.- “Para que opere a presunção estabelecida no artº 186º nº 2 al. d) do CIRE, necessário é que se prove que a disposição dos bens da insolvente tenha sido em proveito pessoal dos bens administradores/gerentes de facto ou de terceiro, não bastando que se tenha provado a transmissão de bens da insolvente para terceiros.” N.- A douta sentença lança mão dos contratos referidos nos factos provados sob os n.ºs 26 (cessão de quotas) e 29 (cessão de participações sociais), para fundamentar a verificação da situação prevista na alínea d) do nº 2 artº 186º do CIRE, afirmando que tais cessões, ou nunca existiram, ou então foram negócios que tiveram como único fito favorecer a V. V..

O.- Mas os contratos referidos nos pontos 26 e 29 foram celebrados em 28-11-2008 e 12-08-2008 respectivamente, ou seja, mais de 3 anos antes do início do processo de insolvência, requerido em 24-06-2012 pela “Caixa ...” e, por isso, não podem fundamentar a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art.º 186º n.º 1 (parte final) do CIRE.

P.- Não pode declarar-se verificada a situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE porque não há qualquer disposição de bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros, até porque os bens imóveis nunca saíram do património da devedora.

Q.- A douta sentença ainda entendeu que a factualidade relativa ao contrato promessa e ao seu incumprimento configura a previsão da alínea f) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE, R.- Repete-se que não houve nenhum acto de disposição de bens, na medida em que a compra e venda prometida se não concretizou.

S.- Também não houve favorecimento pessoal, nem de outra sociedade na qual tenha interesse directo ou indirecto, nem favorecimento da promitente-compradora que não tem os bens, não recebeu o sinal prestado e não viu o seu crédito, relativo ao dobro do sinal, reconhecido.

T.- Por isso, não se verifica a situação prevista na alínea f) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE.

U.- Como é jurisprudência dominante, não é suficiente para a qualificação da insolvência como...

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