Acórdão nº 1515/17.7T8VCT-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Luís (…) intentou o presente procedimento cautelar de arrolamento contra Susana (…), pedindo que se decrete o arrolamento dos bens constantes da relação de bens junta em anexo ao requerimento inicial.

Para o efeito, alega, em suma, que, por sentença de 28.11.2017, proferida no processo principal apenso, foi declarado dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre as partes, que, na sequência, deu origem ao processo de inventário com vista à partilha dos bens comuns do extinto casal, composto pelo requerente e requerida, a correr termos pelo Cartório Notarial da Notária Dr.ª …, sito em Viana do Castelo.

Sucede que a requerida encontra-se na posse de bens móveis que constituem o recheio da casa de morada de família e de outros bens imóveis do dissolvido casal, assim como dinheiro e um veículo automóvel, temendo o requerente que a requerida oculte ou dissipe tais bens antes da partilha, como ao que tudo indica já sucedeu com o identificado veículo automóvel, sendo certo que o diálogo entre os ex-cônjuges é inexistente, havendo grande conflitualidade entre o extinto casal.

Na sequência, decidiu-se dispensar a audiência prévia da requerida, considerando que o contraditório poderia obstar aos efeitos da providência, pelo que, após produção de prova testemunhal apresentada pelo requerente, por decisão de 12 de … de 2018 (cfr. fls. 24 a 26 verso), foi indeferido o presente procedimento cautelar, podendo ler-se na mesma decisão, designadamente, que: “Pretende Luís com o presente arrolamento garantir uma justa partilha (24º) para tanto existe já processo de inventário, no qual desempenha as funções de cabeça de casal.

Quanto ao património identifica o recheio de três casas. Do automóvel que ficou com a R.da sabe apenas a marca, desconhecendo modelo e matrícula. Alega que a R.da adquiriu outro automóvel, sem tentativa de situar no tempo a aquisição. Manifesta-se todavia pelo arrolamento de todo e qualquer viatura registado em nome da R.da. Quanto a activos financeiros não chegou a indicar qualquer banco de que a R.da seja cliente ou tenha sido nos anos de vida comum.

Quanto ao BMW é invocado “negócio” não identificado em paralelo com a aquisição de outro automóvel. Não se esclareceu a existência de qualquer negócio com o BMW, nem que a R.da se haja desfeito dele. Quanto a condução por “terceiros”, a testemunha aponta apenas para familiar da R.da.

No negócio não identificado, acompanhado de clima de crispação ainda persistente, funda o R.te o temor de actos que “possam prejudicar os seus interesses … extravio … dissipação”.

Nem conflito nascido na época do divórcio e ainda latente nem acto de disposição da viatura lograram esclarecimento, ainda que superficial. Prevendo tal resultado, pugna o R.te pela aplicação ao caso da norma do artigo 409º CPC, alargando o teor do mesmo, de modo a incluir aí providência preliminar a inventário, ilustrando a viabilidade da interpretação com decisão no processo 2170/14.1TBSXL.

Para a providência ser acolhida é necessário que o R.te comprove, superficialmente apenas, direito sobre os bens e o receio, fundado em factos, de dissipação ou extravio daqueles, sem a intervenção cautelar. Para a generalidade das situações. A excepção, aligeirando ainda mais a incumbência do R.te, respeita a incidente em processo de divórcio, separação, nulidade e anulação (art. 409º n.3 CPC). O divórcio entre R.te e R.da foi decretado há mais de um ano e a decisão transitou sem oposição. A providência é dependente do inventário e não do divórcio. A interpretação da R.te de que o n.1 do artigo 409º CPC inclui também as situações de inventário não é aceitável face ao prescrito no artigo 9º CC.

Reconhecida a aquisição de recheio das casas, entre o início do casamento e a separação, falece no caso o exigido receio fundado de extravio ou dissipação (art. 403, 405º CPC).

” Inconformado com o assim decidido, veio o requerente Luís (…) interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito dos presentes autos que julgou improcedente o pedido de arrolamento. Crê-se, com o devido respeito – que é muitíssimo – que se julgou mal, porquanto a sentença sindicada não procedeu a uma escorreita e cuidada apreciação dos factos, nem efectuou uma correcta aplicação do Direito aos factos. Ademais, a decisão recorrida pugna em sentido contrário relativamente àquilo que vem sendo decidido nas instâncias superiores e jurisprudência.

  1. O Mm.º Juiz “a quo” que considerou: “… a interpretação do Requerente que o número 1 do artigo 409.º do CPC inclui também as situações de inventário não é aceitável face ao prescrito no artigo 9.º CC. Reconhecida a aquisição de recheio das casas, entre o início do casamento e a separação, falece no caso o exigido receio fundado de extravio ou dissipação (artigo 403.º, 405.º CPC)”.

  2. E é deste entendimento que se discorda e que, como supra se deixou dito, contraria frontalmente aquela que vem sendo a posição dos tribunais superiores e jurisprudência, porquanto se considera que o regime do artigo 409. ° do Código de Processo Civil (arrolamentos especiais), assume aplicabilidade enquanto incidente de processo de inventário subsequente à acção de divórcio decidida e transitada em julgado.

  3. A lei processual prevê duas espécies de arrolamento (que se reconduzem a duas formas de tramitação): os contemplados no artigo 409.°, que apelida de "especiais" e o previsto nos artigos 403.° e seguintes: no primeiro caso, a lei considera-o aplicável como preliminar ou incidental nas acções de separação judicial de pessoas e bens, de divórcio, de declaração de nulidade ou anulação do casamento, ou em situações de abandono de bens (por ausência do respectivo titular, por estar jacente a herança, ou por outro motivo) e, nestes casos, ao invés do arrolamento geral (em que o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens configura requisito da providência e, como tal, impende sobre o requerente o ónus de alegação e prova (indiciária), o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens não constitui requisito a alegar e demonstrar para o decretamento da providência.

  4. A dispensa de demonstração deste requisito nos casos elencados no citado artigo 409.°, tem por subjacente a ideia de que a natureza do conflito (como é o caso da dissolução da relação conjugal) permite presumir (iuris et de iure) que a situação pode ser favorável a actuações com pouca lisura sobre o património, agravando os motivos de discórdia entre as partes envolvidas. (Vide Acórdão da Relação de Évora de 20-10- 2010, Processo n." 13/08.4TMFAR-A.E1).

  5. Coloca-se a questão de saber se tal tramitação está confinada às situações (acções) expressamente contempladas na norma, ou pode ter lugar naquelas em que estejam em causa idênticos fundamentos, nomeadamente no caso da acção de inventário para partilha de bens comuns de um ex-casal, após a extinção da sociedade conjugal.

  6. Os bens indicados na petição inicial, enquanto bens comuns do extinto casal, estão sujeitos à partilha do património comum que cumpre realizar no âmbito do processo de inventário que já se encontra pendente e a correr os seus termos, sendo certo que, tal como preceituado no artigo 408.º, n.º 2 do Cód. Processo Civil, o auto de arrolamento servirá de descrição nesses mesmos autos.

  7. E o Requerente, aqui Recorrente, teme que a Requerida oculte ou dissipe tais bens antes que tal partilha seja efectivada e logo que tenha conhecimento da pendência do citado processo de inventário, já que a mesma ainda não foi sequer citada para os seus termos.

  8. E tal extravio/dissipação é de muito fácil execução para a Requerida, não só porque é ela quem se encontra na detenção e posse dos mesmos, mas também porque estão em causa bens fungíveis, móveis e/ou não susceptíveis de registo.

  9. Além disso, e tal como resulta dos factos dados como provados, o divórcio foi decretado sem o consentimento do outro cônjuge e por douta sentença judicial, sendo que o diálogo entre os ex-cônjuges é inexistente.

  10. Ou, no mínimo, a conflitualidade entre o extinto casal é patente, desde logo porque, a contrario sensu, e se assim não fosse, o divórcio não seria litigioso, como efectivamente foi, nem estaria pendente processo judicial de inventário com vista à partilha do património comum, como sucede.

  11. Vale dizer que se a conflitualidade não fosse apanágio do extinto casal, como efectivamente é, não seria necessário o recurso aos meios judiciais para resolução de questões cuja solução amigável estava, como está, na disponibilidade do Requerente e Requerida.

  12. Por conseguinte, e por força da conflitualidade deflagrada entre o extinto casal, ainda existente, o Requerente teme que a Requerida leve a cabo actos que possam prejudicar os seus interesses patrimoniais, entre os quais, o extravio, ocultação e/ou dissipação dos bens cujo arrolamento peticionou nos autos.

  13. E, não obstante o divórcio já ter sido decretado, como é verdade, encontra-se justificado o recurso ao arrolamento previsto...

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