Acórdão nº 1111/17.9JABRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCÂNDIDA MARTINHO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. Relatório 1.

    Por despacho de 26 de outubro de 2018, proferido no final do 1º interrogatório judicial de arguido, pelo Mmo Juiz da Instrução Central Criminal de Guimarães, do Tribunal da Comarca de Braga, foi determinado, ao abrigo das disposições conjugados nos artigos 191.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e b) (criminalidade violenta por referência ao art.º 1, al. j) ou especialmente violenta (al. l), 204.º alíneas a), b) e c) todos do Código de Processo Penal, que o arguido N. C.

    aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva.

    1. Inconformado com o mencionado despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do seguinte modo (transcrição).

      Conclusões “1-Por despacho proferido em 26Out.2018, após o auto de interrogatório judicial de arguidos detidos, foi aplicado ao aqui arguido recorrente, N. C., a medida de coação prisão preventiva.

      2- O motivo da discordância com o despacho em crise é a inaplicabilidade, no caso concreto, da medida de coação prisão preventiva.

      3- Assim como, e aproveitando ser este o meio próprio, invoca-se a nulidade da prova recolhida em sede de inquérito – mais concretamente o que concerne aos autos de reconstituição formulados.

      4- No que se refere à nulidade invocada, resulta da leitura do despacho em causa (cfr pág. 13), no que se refere à motivação “Assim, face ao que dimana dos autos, dos elementos de prova supra referidos, mormente das declarações incriminatórias do co-arguido D. F., autos de reconstituição incluindo do arguido N. C., exame pericial ao telemóvel apreendido de fls. 195 e ss, entendemos, desde já, que os indícios são fortes”.

      5- Ora, no que se refere aos autos de reconstituição, fls 435 a 441, cumpre referir que é precisamente meio de prova que está inquinado, vício que condicionou o sentido do despacho de 26Out.2018.

      6- Refira-se que os dois arguidos foram detidos fora de flagrante delito, cfr despachos de fls. 469 e ss, em 25 Outubro de 2018, sendo que, em ato contínuo ao auto de interrogatório, seguiu-se o “auto de reconstituição”.

      7- Não houve nem reprodução das condições do facto, nem repetição do modo de realização, mas somente declarações dos arguidos enquanto se deslocavam aos vários locais acompanhados pelos OPC´s, após 30/40 min do termo das declarações enquanto arguidos.

      8- De acordo com o art. 150.º CPP “2 - O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais. No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas.” 9- O que não foi o caso, ou seja, não se verificou qualquer despacho a autorizar tal diligência, nem em que termos.

      10- Tal configura uma nulidade, a qual inquina a investigação, condiciona impreterivelmente o processo e o decurso do interrogatório judicial.

      11- Sendo por isso forçoso concluir que, ao dar relevância a tal meio de prova, como se de um verdadeiro auto de reconstituição se tratasse, o tribunal a quo valorou como válido, um meio de prova que não podia utilizar, o que redundou no juízo de suficiência indiciária.

      12- Entende-se que inexistem os fundamentos que justifiquem, por parte do Meritíssimo Juiz, a aplicação de prisão preventiva.

      13- Os indícios recolhidos (inclusive o que resultou da diligência auto de reconstituição) e que sustentaram a decisão de aplicar a pena de prisão preventiva não são suficientes para fundamentar um juízo que permita cabalmente induzir a culpa (e a sua quantificação) do Arguido na prática do crime de que está indiciado.

      14- Ademais, caso em apreço, é de concluir que o tribunal a quo partiu do princípio que só a prisão preventiva se revelava adequada à salvaguarda das exigências cautelares.

      15- Ditaram a aplicação da medida de coação em causa o depoimento incriminatório de co-arguido – e o grau de credibilidade que lhe foi conferido – e os antecedentes criminais, bem como o facto de não ter prestado declarações em sede de interrogatório judicial.

      16- Porém, o juízo de valor que incide sobre o arguido N. C. foi muito mais depreciativo que o sobre o arguido D. F..

      17- Em abstrato, de dois indivíduos que hipoteticamente cometeram os mesmos factos, hipoteticamente em contribuições iguais, um, porque falou, parece o “arguido bom” e o outro “arguido mau” – só porque gozou de um direito que lhe assiste na condição de arguido, e porque tem antecedentes criminais.

      18- Tal raciocínio levaria a uma pré-punição, a qual, a par das demais finalidades da pena, unicamente deverá ter lugar após a sentença.

      19- O tribunal a quo retira, inclusive a ilação de que o arguido N. C. é quem exerce força de ascendente – quando o arguido D. F. nunca tal referiu, nem tendo resultado de qualquer outra prova presente no processo, e como tal não deveria ser ponderada em matéria de aplicação de medida de coação.

      20- Ora, ao analisar o perigo de fuga, “No que concerne ao arguido D. F. e pese embora a gravidade dos factos e o concurso de crimes, entendemos que a sua postura de assunção de culpa, com arrependimento sincero e colaboração para a descoberta da verdade não nos permite concluir pela existência de perigo de fuga”.

      21- Por sua vez, o arguido N. C., visto não ter prestado declarações, e atendendo aos seus antecedentes, justificam o perigo de, se colocado em liberdade, fugir por forma a eximir-se às consequências penais que possivelmente lhe serão aplicadas, concluindo-se assim, pela existência de perigo de fuga.

      22- Este último encontra-se social e profissionalmente inserido, ou seja, a viver com a sua mãe, e a trabalhar na construção civil assiduamente.

      23- Note-se que, em abstrato, seriam dois arguidos indiciados pela prática dos mesmos factos, em que um, porque falou, não corre o risco de fugir –, e outro, porque não falou, foi punido com a privação antecipada da liberdade.

      24- Entende-se que a prisão preventiva não deveria ter tido aplicação ao caso concreto.

      25- Algumas das restantes medidas de coacção revelam-se suficientes ou adequadas a este caso concreto – porém tal foi sequer posto em causa.

      26- Inexiste perigo de perturbação da inquérito como a própria procuradora do MP referiu na sua promoção “à presente data a investigação encontra-se praticamente concluída pelo que inexiste perigo de perturbação do percurso de inquérito, designadamente para aquisição, conservação e veracidade da prova”. Inexiste perigo de fuga, ou a existir como potencial, há meios de vigilância eletrónica que o podem acautelar, sendo que, de igual forma, inexiste perigo de continuação da atividade criminosa.

      27- Assim, a ressocialização do arguido requer a substituição da medida de coacção aplicada.

      28- Revela-se perfeitamente adequada e suficiente a aplicação da medida de coação de permanência na habitação, prevista no artigo 201º do C.P.P., com a aplicação de meios que permitam controlar a acção do arguido e evitar a fuga e o consequente insucesso da prossecução dos autos, utilizando-se meios técnicos de controlo à distância, ainda que com a aplicação da obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas, ficando acauteladas as finalidades de prevenção geral e especial.

      29- De facto, se as finalidades processuais visadas com a imposição de uma medida de coacção, puderem ser acauteladas por uma outra medida menos gravosa, é esta que deve ser sempre aplicada, ainda que a prisão preventiva seja proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

      30- As circunstâncias narradas contêm-se dentro do disposto no artigo 212.º, n.º 2, do CPP, obrigando à consideração da atenuação da medida imposta ao recorrente e independentemente da revisão trimestral a que obriga o artigo 213.º, n.º 1, do CPP; 31- Deverá a medida de coacção aplicada ao aqui recorrente, ser substituída por uma outra, menos gravosa e que se revele suficiente e adequada ao caso em apreço, como seja a medida de coação de permanência na habitação.

      NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, 1) Devendo se declarada a nulidade do auto de reconstituição presente nos autos, com as legais consequências; e 2) Devendo ser a medida de coacção imposta ao recorrente de prisão preventiva ser imediatamente revogada e, e atenta a atenuação da exigência cautelar que subjaz à prisão preventiva decretada e em sua substituição, optar-se por outra menos gravosa, aplicando-se outra que assegure as necessidades cautelares em causa, respeitando os princípios orientadores das mesmas, sendo uma das possíveis a permanência na habitação, prevista no artigo 201º do C.P.P. “ 3.

      A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo que a medida de coacção de prisão preventiva é a única adequada no caso capaz de fazer frente aos perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, inexistindo qualquer violação do artigo 204.2, do Código de Processo Penal.

      O auto efectuado no presente inquérito é um meio de prova legal, podendo ser valorado nos termos do disposto no artigo 127.2, do Código de Processo Penal.

      Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e mantendo-se a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido recorrente.

    2. Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    3. Notificado deste parecer, nos termos e para os efeitos do art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido nada disse.

    4. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser ai julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do mesmo código.

      Cumpre decidir.

  2. Fundamentação A) Delimitação do Objecto do Recurso Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de...

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