Acórdão nº 185/17.7T9VLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO TEIXEIRA
Data da Resolução25 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Singular nº 185/17.7T9VLN, que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Valença, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, o Exmo. Sr. Juiz de Direito, Dr. A. F., a exercer funções nesse tribunal, veio ao abrigo do disposto nos Artºs. 43º, nºs. 1, 2 e 4, e 45º, nº 1, al. a), do C.P.Penal, pedir escusa de intervenção no referido processo.

O pedido mostra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição 1): “O arguido J. A. vem acusado da prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal.

Ora, da certidão junta aos autos resulta que presidi ao julgamento nos autos de processo comum singular com o n.º 214/14.6GBVLN em que o aqui arguido foi inquirido como testemunha, sendo que a acusação proferida nos presentes tem por base um despacho que proferi na sentença ordenado a extracção de certidão desse processo com vista à instauração de procedimento criminal contra a então testemunha e agora arguida pela prática de crime de falsidade de testemunho.

Em suma, a responsabilidade criminal que nestes autos se aprecia resulta directamente de depoimento prestado pelo impetrado aquando da sua inquirição como testemunha no julgamento realizado nos autos supra identificados.

Posto isto e após análise da convicção plasmada na sentença que subscrevi constato que, ao tomar posição sobre a prova então produzida, fiz referência expressa à falta de credibilidade do depoimento então prestado pelo aqui arguido J. A., nos seguintes termos: “Na verdade, para além do que já referimos, foi possível perceber que o depoimento da testemunha J. A. foi claramente orquestrado para sustentar a versão dos factos trazida à liça pelos assistentes.

… Ficou bem evidenciado que o depoente, apesar da advertência legal que lhe foi feita de que deveria responder com verdade sob pena de incorrer na prática de um crime de falso depoimento, não o fez. Acabámos por perceber que a testemunha já conhecia os assistentes – vive perto da M. F. e que o A. M. era inclusivamente muito amigo do seu pai. Veja-se a coincidência de aquele, precisamente naquele dia 30.04.2015, se ter deparado com o arguido – que nem sequer conhecia naquela data, como referiu – e de ter testemunhado da sua boca a confissão da prática dos factos. Mais, para além de ter dito que com toda a convicção que tudo aquilo se passou num Domingo, também assegurou que seriam 17 horas quando testemunhou a assunção de culpa produzida pelo arguido. Sucede que toda a prova produzida apontou no sentido de que a refrega que teve lugar na residência em questão ocorreu entre as 14 e as 15 horas do dia em questão, sendo que o arguido foi de resto conduzido pelo INEM ao Centro de Saúde de Monção (como asseverou a testemunha R. T.) em virtude dos ferimentos que sofreu.

Mais, o depoimento da testemunha sobre o modo como acabou por transmitir ao assistente o que presenciara é quase inacreditável. Referiu o depoente que naquele mesmo dia se deslocou ao café da terra e de imediato contou o sucedido ao assistente A. M., ou seja, que tinha visto um senhor a chorar no caminho arrependido por ter partido o carro do pai. Pergunta-se: a que propósito vai a testemunha relatar, e logo ao assistente, um acontecimento que não se reveste de qualquer importância particular, tendo em conta que nem sequer conhecia o arguido e, consequentemente, que nem sequer sabia ser ele filho do ofendido? O depoente não soube responder a tal perplexidade, como de resto antevimos.

Como já dissemos, a testemunha faltou clamorosamente à verdade e só pode perceber-se que o tenha feito sob “orientação” do ou dos assistente, caso contrário não vislumbramos que interesse tenha pretendido acautelar com tal postura senão a do (ou dos) assistente(s).” Entendo que a apreciação de situações como a presente devem ser apreciadas casuisticamente já que a intervenção de um juiz noutro processo (tendo em conta o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do CPP) nem sempre constituirá – e em regra não constituirá – fundamento para formular um pedido de escusa. Mas parece-me que no caso específico dos crimes de falsidade de testemunho a questão ganha uma acuidade acrescida que resulta, naturalmente, de o juiz que ouviu alguém como testemunha num determinado processo ser o mesmo que, por causa desse mesmo depoimento, o vai julgar num outro. E no caso concreto entendo que, salvo melhor opinião, a posição que plasmei na sentença condenatória por mim subscrita nos autos supra identificados acerca do depoimento prestado pelo agora arguido J. A. pode, na perspectiva do homem comum e do cidadão médio, fazê-lo suspeitar que o juiz deixe de ser imparcial e que como tal prejudique a livre apreciação da prova a produzir.

Por outro lado, em bom rigor, a situação cai igualmente na situação prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CPP, dado que tive intervenção noutro processo em que os mesmos factos, apesar de vistos de um prisma distinto, se discutiram. Ou seja, a situação pode dar azo a um incidente de recusa com base em invocação de intervenção suspeita, alegada em fundamento sério e grave de desconfiança à imparcialidade do...

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