Acórdão nº 631/11.3TBBCL-H.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório Por apenso aos autos de liquidação no processo de insolvência no qual foi declarada a insolvência de FÁBRICA DE URNAS X, LDA, F. B. intentou acção de anulação contra 1º) MASSA INSOLVENTE DE FÁBRICA DE URNAS X, LDA., e 2º) F. J., peticionando a condenação dos RR. a: a) ver resolvido o negócio por falta de correspondência entre os bens apreendidos e postos à venda e para os quais o A. apresentou proposta e os que efectivamente foram entregues ao A.; b) Em consequência serem os RR. solidariamente condenados a: b.1) Restituírem ao A. a quantia que este pagou a título total de preço no montante de 75.000,00€(setenta e cinco mil euros); b.2) a procederem ao levantamento à sua custa de todos os bens que estão á guarda do A.; b.3) a pagarem ao A. juros à taxa legal desde a data da não entrega dos bens efectivamente apreendidos, e que foram objecto da negociação e da posposta apresentada pelo A.; b.4) solidariamente condenados no pagamento das custas, procuradoria e no mais que for de lei.

*Regularmente citados, contestaram os Réus, concluindo pela total improcedência da acção (cfr. fls. 46 a 56).

*A Autora apresentou réplica, tendo sido considerados não escritos os arts. 1º a 33º dessa peça processual (cfr. fls. 97 a 109 e 113)*Realizada audiência prévia, mostrou-se infrutífera a tentativa de conciliação (cfr. fls. 116 e 117).

*Foi proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância, com a subsequente identificação do objecto do litígio e da enunciação dos temas da prova, tendo sido apreciados os requerimentos probatórios apresentados pelas partes (cfr. fls. 124 a 127).

*Teve lugar a audiência de discussão e julgamento (cfr. fls. 203 a 217).

*Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença, datada de 19/11/2018, nos termos da qual julgou a ação totalmente improcedente e absolveu os réus dos pedidos contra eles formulados (cfr. fls. 254 a 288).

*Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o autor, tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (cfr. fls. 299 a 310): «A - O A. não pode conformar-se com a matéria de facto provada e não provada tal como vem definida pelo Tribunal a quo, impondo-se a reapreciação da prova gravada.

B • A fixação dos factos provados/não provados não foi a melhor, porque não teve em conta o modo como, em termos de normalidade, se processa a venda dos bens no âmbito da liquidação dos processos de insolvência, que remete para o previsto nas vendas em processos executivos.

C - A Exma. julgadora formou a convicção em termos erróneos e desconsiderou totalmente as declarações de parte do Autor, que se afiguraram credíveis e conformes às regras da experiência e modo de actuação de alguém que tem experiência e costuma negociar em processos de execução e insolvência, bem como não levou em linha de conta o depoimento da testemunha R. M., ex-gerente da Insolvente e que acompanhou pormenorizadamente todo o processo e com efectivo conhecimento dos bens efectivamente apreendidos e das desconformidades destes com os de facto entregues.

D - Por outro lado considerou o depoimento de parte do Senhor A. 1., e não teve em linha de conta o depoimento do mesmo na parte em que resulta confessado que o mesmo nas declarações que prestou declarou não ter pessoalmente procedido à apreensão que não nomeou fiel depositário e que não exerceu qualquer vigilância sobre os bens até à entrega e que não foi ele, nem esteve presente neste acto.

E - O que consta dos itens 70 e 71 não deveria constar como factos provados, na sentença recorrida, pelo que deviam antes ter a resposta "não provados".

F - Quanto ao descrito nas alíneas x), xi) e xii), deveriam passar a constar dos factos provados, com a seguinte redacção: x) Nas circunstâncias referidas em 19 a 21, o 2° R. não esteve presente, nem se fez representar, e o Autor não conseguiu identificar se os bens adquiridos haviam sido todos retirados do pavilhão e colocados no exterior.

xi) E ainda, dadas as circunstâncias, se os objectos colocados no exterior correspondiam aos que haviam sido efectivamente postos à venda e adquiridos pelo autor.

xii) ou até se encontravam no mesmo estado e condições em que o autor os vira, nas circunstâncias descritas no edital.

G - Da instrução da causa resultou ainda matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, a saber: 94 - Após a elaboração do auto de apreensão de 04.02.2014, o 2° R. não mais cuidou da guarda, conservação e vigilância dos bens aí descritos sob as 43 verbas do referido auto.

95 - O 2° R. não compareceu, nem mandou ninguém da sua confiança acompanhar a entrega dos bens ao A.

H - Para dar provado o descrito nos itens 70 e 71 dos factos provados, verifica-se que o Tribunal interpretou erradamente as declarações do Autor e deu credibilidade ao depoimento de uma testemunha A. P. que resulta dos autos ser a pessoa mais suspeita, por ter sido quem ordenou a retirada dos bens do local onde foram e estavam apreendidos.

I - E não podia desconsiderar as declarações do Autor (veja-se excertos das declarações entre 00: 11 :46 a 00: 13:56; 00:39: 15 a 00:42:04) e o depoimento da testemunha R. S. ( veja-se excerto das declarações 00: 17:31 a 00:22:22) que acompanhou a entrega dos bens ao Autor e assegurou que as coisas não se passaram nos termos que constam daqueles itens 70 e 71.

J - O depoimento do Exmo. Senhor AI também não foi valorado na parte em que confessou que não foram conferidos os bens, conforme depoimento gravado e excerto transcrito nas alegações entre 00: 11 :49 e 00: 13:30 ; 00: 14:39 a 00: 17:55; 00:24:06 a 00:40:22.

K - Analisada toda a prova e os excertos acima citados, não se verifica como pôde o Tribunal a quo dar como provada a matéria de facto dos itens 70 e 71.

L - E a prova acima referida impunha também que fosse dada como provada a matéria de facto acima indicada em F.

M - Enquanto do depoimento de parte do Senhor AI, 2° R., concretamente do depoimento gravado na sessão de julgamento de 17/11/2017, nomeadamente os excertos acima transcritos: entre 00: 11 :49 a 00: 13:30; 00: 14:39 a 00: 17:55; 00:24:36 a 00:25:27 e 00:27:36 a 00:40:22.

N - O Tribunal a quo não efectuou um juízo de exigência correcto sobre a análise da prova gravada, com o qual não se pode concordar, pelas razões acima expostas.

O - Independentemente da redacção a dar aos factos provados, entende o A. que ainda assim, não andou bem o Tribunal a quo no que concerne à aplicação do direito aos factos dados como provados.

P - A sentença recorrida não tirou as ilações legalmente devidas das considerações prévias que fez em relação à responsabilidade e obrigações do AI na liquidação do activo da Insolvente.

Q - ln casu resulta provado que o Senhor AI não cuidou da guarda, vigilância e conservação dos bens apreendidos desde a apreensão até à entrega.

R - Com o devido respeito, e estando até directamente demandado nestes autos, como réu, devia antes concluir-se que face às obrigações legais que recaíam sobre o Senhor AI até ao momento em que ocorresse a entrega dos bens, teria de ser este a provar que os bens que vendeu e entregou correspondiam e estavam no mesmo estado em que se encontravam quando os apreendeu, já que a partir daí passou a ser o único responsável por eles.

S - A sentença acabou por assumir que pelo menos em parte os bens entregues não estavam conformes, pelo que impunha-se decidir que existia o direito do A. resolver/anular o negócio jurídico de compra e venda celebrado com a massa insolvente, representada pelo Exmo. Sr. AI, com fundamento na desconformidade e falta de correspondência entre os bens apreendidos à ordem da massa insolvente e os bens que lhe foram efectivamente entregues, nos termos do artigo 8380 do CPC.

T - E muito menos se pode aceitar a consideração constante da sentença que mesmo que houvesse direito à resolução "o seu exercício seria, efectivamente, abusivo".

U - Os argumentos utilizados na sentença, quer quanto à data da entrada da acção, quer quanto à circunstância de o dinheiro entregue pelo Autor ter servido para pagar aos credores não torna o exercício do direito que o Autor pretende exercer com esta acção abusivo, já que como a própria juiz a quo diz, fê-lo tempestivamente.

V - Pelo que jamais se poderia concluir pelo exercício abusivo de um direito por banda do Autor, na modalidade de venire contra factum proprium, como refere a sentença recorrida sem qualquer fundamento.

X - o Tribunal a quo incorreu em grave violação, por erro de interpretação, do previsto nos arts. 17°, 55°, 150°, todos do CIRE, 756° e seguintes, 825°,827°,828°,838°,839°, todos do CPC e art° 334° do CC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis que mui doutamente serão supridos deve o presente recurso ser dado como procedente e provado, e proferido douto Acórdão que revogue a decisão recorrida na parte em que julgou a acção totalmente improcedente e substituída por decisão que condene os RR. na integralidade do pedido, com as demais consequências legais.

Assim decidindo farão V. Exas., aliás como sempre, inteira e sã JUSTiÇA».

*Contra-alegaram os Réus, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo Autor (cfr. fls. 314 a 321).

*O recurso foi admitido como de apelação, a subir em imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 324).

*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber: i) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

ii) – Da resolução do...

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