Acórdão nº 96/15.0GACRZ.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum singular com o NUIPC 96/15.0GACRZ, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo de Competência Genérica de Vila Flor, foi proferido despacho, em 02-05-2018, a julgar extinto o procedimento criminal, por óbito do arguido, H. A., a dar sem efeito a data da audiência de julgamento designada e a declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos à ordem dos autos, designadamente os discriminados a fls. 79 a 82, nos termos do art. 109º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

  1. Inconformadas com esse despacho, vieram R. B., A. L. e M. A., na qualidade de herdeiras do falecido arguido, de que eram, respetivamente, filhas e mulher, interpor o presente recurso, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição [1]): «CONCLUSÕES I.

    A decisão recorrida viola as normas dos artigos 62.º da Constituição da República Portuguesa, 109.º do Código Penal, e 37.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

    II.

    Interpretou o artigo 109.º do Código Penal como se a aplicação deste não exigisse a perigosidade do objeto cumulativamente com a utilização dele na prática do crime, não cuidando de que a prognose dessa perigosidade deveria basear-se em factos e juízos concretamente apurados e formulados pelo tribunal.

    III.

    As Recorrentes não podem conformar-se com a decisão que declarou perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos à ordem dos autos, designadamente os discriminados em fls. 79 a 82, por não ter tido em conta que parte das armas apreendidas estavam manifestadas e registadas a favor do seu proprietário, H. A..

    IV.

    Este tinha evidente gosto pelo colecionismo de armas e munições, que mantinha na sua posse pelo puro prazer que a observação, o manuseamento e a conservação desses bens lhe proporcionavam, sendo que a sua idoneidade para a posse daquele género de objetos nunca foi posta em causa, gozando de autorização para o efeito, já que era titular de licença de uso e porte de arma com o n.º …, emitida em 29-11-2012 (fls. 166 dos autos), verificando-se que era primário enquanto arguido, o que, associado aos seus 81 anos (à data do óbito), mostra sobejamente tratar-se de pessoa dotada de personalidade bem formada, pacífica e socialmente integrada, levando uma vida fiel ao Direito.

    V.

    Não se verificou que, em concreto, a posse das armas e munições por parte do finado H. A., ao longo de muitas dezenas de anos, alguma vez tivesse posto em perigo ou risco a segurança das pessoas, nunca tendo sido acusado de qualquer ilícito penal (anteriormente à factualidade dos autos), tornando-se, por isso, duvidosa a justeza da aplicação ao caso sub judice do disposto no artigo 109.º do Código Penal, por inverificação de que os objetos apreendidos tivessem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de crime.

    VI.

    Por outro lado, verifica-se que, entre as apreendidas, existem várias armas manifestadas / registadas em nome do defunto H. A., de acordo com o teor do documento de fls. 166 dos autos, segundo o qual este tinha em seu nome 24 (vinte e quatro) armas, inteligivelmente identificadas nos documentos de fls. 167 a 190, o que é confirmado pela "Informação" de fls. 36 e seguintes provinda do Comando Territorial da GNR de Bragança - especialmente no segundo parágrafo desse documento (a fls. 37 dos autos) - apreendidas aquando da busca realizada em 18-09-2015 à casa que foi de morada do H. A. (cfr. fls. 79 e seguintes dos autos).

    VII.

    Armas essas melhor identificadas: - a fls. 80 (linha 13 - manifestada a favor do H. A. - cfr. fls. 412); - a fls. 81 (linhas 10 a 13 - manifestadas a favor do H. A. - cfr. fls. 177, 179, 171 e 169); - " (linhas 40 a 58 - manifestadas a favor do H. A. - cfr. fls. 188, 174, 176, 187, 175, 185, 412, 172, 178, 182, 181, 190, 186, 173, 183, 189, 184, 170 e 168).

    VIII.

    Mais lhe foram apreendidas duas armas de ar comprimido, de calibre 4.5 mm, das marcas FAST DEER e SEAL LION, mencionadas no "Auto de Busca e Apreensão", a fls. 80 (linha 22) e 81 (linha 33), de aquisição livre (cfr. fls. 412).

    IX.

    Tais armas não podem deixar de fazer parte do acervo dos bens deixados pelo H. A. e integrar a herança aberta na sequência do seu óbito, dada a inexistência de motivo válido e consentâneo com a lei para que, sem mais, revertessem a favor do Estado - pelo que a decisão recorrida viola também o disposto no artigo 62.º da nossa Lei Fundamental, que estabelece o direito de propriedade privada, além de que a própria Lei das Armas (Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro) admite a sua aquisição por sucessão mortis causa, mediante o procedimento traçado no seu artigo 37.º, prevendo até a alínea c) do artigo 18.º licença apropriada, visando a sobredita aquisição.

    NESTES TERMOS, DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO A MAIS SÃ JUSTIÇA!» 3. O Exmo. Procurador Ajunto respondeu à motivação das recorrentes, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, por entender que, relativamente às armas detidas ilegalmente pelo arguido, entretanto falecido, por não se encontrarem registadas e manifestadas, o que o faria incorrer na prática do crime de detenção de arma proibida pelo qual foi acusado, não restam dúvidas de que constituem instrumentos do facto ilícito típico, que oferecem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos típicos (nomeadamente o crime de detenção de arma proibida), pelo que reúnem condições para ser declaradas perdidas a favor do Estado, ainda que o agente do crime não tenha podido ser punido pelo facto, atenta a sua morte, não assistindo, pois, razão às recorrentes quando entendem que deveriam ser-lhes entregues. Diferentemente daquilo que sucede com as armas que eram detidas de forma legal pelo arguido, as quais, todavia, não lhes poderão ser entregues antes de cumpridas as formalidades enunciadas pela PSP a fls. 732, ou seja, caso não possuam licença de uso e porte de arma, mediante a concessão de licença de detenção no domicílio, desde que possuam cofre para guarda das armas, dado que são mais do que duas da mesma classe, não podendo, ao abrigo dessa autorização, deter munições.

  2. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que «(…) por total falta de verificação dos exigíveis pressupostos - art. 109º do Código Penal - não é o caso de poderem ser declaradas perdidas a favor do Estado as armas que o arguido detinha regularmente, "lato sensu", quer porque se encontravam manifestadas e registadas, quer porque ele dispunha da necessária licença de uso e porte de...

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