Acórdão nº 82/15.0T9AVV.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Por sentença nestes autos proferida em 23 de Fevereiro de 2 017, foram os arguidos J. M.

e “X Unipessoal, Lda.” condenados, nos seguintes termos: - arguido J. M.

– pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos arts.º 107º/1, por referência ao art.º 105º/1 e n.º 4), R.G.I.T. e 30º/2 e 79º C.P.

, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à razão diária de 6€ (seis euros); - arguida “X” - pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos arts.º 107º/1, por referência ao art.º 105º/1 e n.º 4), R.G.I.T. e 30º/2 e 79º C.P., bem como 7º/1 e 12º/2 R.G.I.T.

, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de 5€ (cinco euros).

Inconformado com o assim decidido, desta sentença recorreu o primeiro, terminando a sua peça, com as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: A- O recorrente J. M. foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência aos artigos 105.º, n.º 1 e 4, do mesmo diploma e 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6 € (seis euros), num total de 1.560 € (mil e quinhentos e sessenta euros).

B- O presente recurso é delimitado a duas questões: A) verificou-se uma causa de extinção da responsabilidade penal, com a consequente não consumação do ilícito criminal e - somente para o caso de assim não se entender - B) as penas de multa aplicadas são demasiado excessivas e desproporcionais.

C- São determinantes para o âmbito do presente recurso os seguintes factos dados como provados pelo Tribunal a quo, entendendo os recorrentes serem determinantes para o âmbito do presente recurso os seguintes factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1.3. - Desde o início da sua actividade, a sociedade laborou com um número variável de trabalhadores ao seu serviço, nunca inferior a 3 trabalhadores (…).

1.4. - Desde o dia 9 de Fevereiro de 2010 a gerência da sociedade coube apenas ao arguido J. M. que exercia funções de sócio-gerente.

1.6. - O arguido era o responsável pelo giro comercial do estabelecimento (...).

1.7. - Nos meses de Fevereiro de 2011 e Janeiro de 2013 a arguida sociedade pagou regularmente os salários devidos aos seus trabalhadores, que durante esse período computavam 3 trabalhadores.

1.10. - Computando-se o montante das prestações em falta na quantia global de € 3.080,38 (..).

1.11. - Os arguidos fizeram suas aquelas quantias, integrando-as no giro económico do estabelecimento, passando a dispor do referido montante para satisfazer outros compromissos comerciais, nomeadamente o pagamento a fornecedores, trabalhadores, água, luz e telefone, entre outros.

1.18. - Os arguidos aderiram via internet ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), tendo já pago uma parcela do montante em dívida na altura da adesão.

1.19. - Considera-se aqui integralmente reproduzido (…) relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais de fls. 285 1.22. - A arguida “X, Unipessoal Lda.”, em Liquidação não tem averbado antecedentes criminais no seu registo criminal.

» D- Antes de mais, assume fundamental e decisiva importância para a boa decisão do presente recurso o facto de, no âmbito do Plano Extraordinário de Regularização de Dívidas junto da Administração Tributária e Segurança Social (PERES), o arguido ter efetuado o pagamento de uma parcela (8%) do montante aqui em dívida (3.080, 38 €) na altura da adesão ao referido Plano.

E- Os 8% pagos pelo arguido - enquanto gerente e legal representante da sociedade “X UNIPESSOAL LDA”, também arguida no âmbito do presente processo - foi levado a efeito, tal como já foi referido, no âmbito da adesão ao PERES, tendo conseguido dessa forma beneficiar do perdão integral de juros de mora e compensatórios.

F- O pagamento inicial pelo arguido de pelo menos 8% do valor do capital em dívida constituía requisito / condição essencial para aderir ao PERES, o qual abrangia dívidas cujo prazo de pagamento teria ocorrido até dia 31 de dezembro de 2015.

G- Ou seja, para adesão do PERES foi decisiva a atuação do ora Recorrente no que concerne à efectivação de tal pagamento.

H- O crime de abuso de confiança contra a segurança social, da previsão dos artigos 107.º, n.º 1 e 105.º do RGIT, é um crime de dano, cuja conduta típica pressupõe a lesão do património fiscal do Estado, consubstanciado na tutela do erário da segurança social, assente na satisfação dos créditos contributivos de que esta é titular.

I- Ao contrário do que sucedia na vigência do RJIFNA [redacção do D-L n.º 394/93, de 24 de Novembro], o elemento “apropriação” não integra, actualmente, o tipo de ilícito, tendo portanto deixado de ser um crime de resultado, sob a forma de comissão por acção, e passado a ser um crime de mera actividade – ou, no caso, de mera inactividade.

J- A conduta típica respectiva traduz-se, pois, numa omissão pura, cujo comportamento lesivo se esgota com a não entrega, total ou parcial, pelas entidades empregadoras, às instituições de segurança social, dentro de determinado prazo, do montante das contribuições deduzidas às remunerações devidas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, por estes legalmente devidas.

K- Acontece que no caso aqui em apreço o arguido pagou 8%ª da dívida com a adesão ao PERES, não tendo até à data, ainda sido notificado da decisão de aprovação do Plano.

L- Assim, releva para o caso a distinção entre consumação formal e material do tipo de ilícito.

M- Perante a explicitada estrutura típica do crime fiscal de abuso de confiança contra a segurança social em apreço, é aqui convocável os aludidos contextos, na medida em que a distinção entre consumação formal e consumação material pode assumir um significado “prático-normativo”.

N- Pese embora se possa admitir que a consumação formal e material ocorre aqui com a simples omissão de entrega da prestação devida até ao limite do respectivo prazo legal, não se pode olvidar - tal como decorre desde logo da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2008, publicado no DR, I Série, de 15-05-2008 - que o prazo de 90 dias a que se refere a alínea a) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT configura condição objectiva de punibilidade.

O- Isto desde logo porque o resultado que se pretende evitar com a sua previsão típica do art.º 107.º do RGIT é apenas e tão só que o agente não deixe de entregar a prestação contributiva devida, até à data em que o Estado a espera arrecadar.

P- A incriminação foi erigida para punir a conduta omissiva do respectivo agente.

Q- Ou seja, se o arguido entregou - ainda que parcialmente - as quantias descontadas e devidas - estando, aliás, à espera de decisão de aprovação do plano para iniciar o pagamento prestacional do remanescente da dívida - a conduta típica já está desperfectibilizada.

R- Neste quadro, e por se não vislumbrar assim a verificação de qualquer evento que, para além da conduta em si mesma, possa ainda interessar à valoração do ilícito que o tipo tutela, a distinção entre “consumação formal” versus “consumação material” assume a maior relevância típica no contexto do crime fiscal de abuso de confiança contra a segurança social S- Por isso, o eventual pagamento voluntário da prestação tributária devida no decurso da condição objectiva de punibilidade prevista no art.º 107.º do RGIT configura uma causa de extinção da responsabilidade penal, pese embora aquele se tenha consumado com o vencimento do prazo de entrega previsto na lei.

T- Ademais, pagamento voluntário da prestação tributária à segurança social no decurso da consumação da responsabilidade penal - ainda que parcial considerando que aguarda decisão de aprovação do PERES - afasta a consumação do ilícito penal.

SEM PRESCINDIR, POR OUTRO LADO U- Prescreve o n.º 1 do art.º 47.º do Código Penal (CP) que “ A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do art.º 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360 dias, acrescentando o seu n.º 2 que a “Cada dia de multa corresponde uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.

V- Quanto ao crime em apreço, prescreve o artigo 107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que “1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º. 2 - É aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 7 do artigo 105.º”.

W- Ora, prevê o artigo 105.º, n.º 1, do mesmo diploma, dispõe que “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”.

X- Ressalvado o devido respeito o Tribunal não atentou na formação da sua convicção, especificamente, ao facto de os arguidos terem aderido ao PERES, tendo já pago uma parcela do montante em dívida na altura da adesão.

Y- Depois, não atentou ainda o Tribunal a quo no facto de o arguido - em nome e no interesse da arguida X - ter disposto das prestações / contribuições em falta - de quantia global de € 3.080,38 - para o giro económico do estabelecimento, nomeadamente para satisfazer outros compromissos comerciais, nomeadamente o pagamento a fornecedores, trabalhadores, água, luz e telefone, entre outros.

Z- Ora, a motivação ou finalidade do agente / arguido e a consequente afectação que fez...

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