Acórdão nº 4/19.0YRGMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução02 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório H. C. apresentou reclamação no Centro de Arbitragem, em 24/10/2017, contra a "Energia, S.A.", pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 5.394.00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais causados em equipamentos eléctricos existentes na sua habitação devido à prestação de um serviço defeituoso no fornecimento de energia pela Requerida (cfr fls. 158 a 160).

*A requerida Energia, S.A. deduziu contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação (cfr. fls. 207 a 211).

*A 23/11/2018, foi proferida decisão (sentença) pelo Exmo juiz-árbitro, que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa deduzida pela requerida e, em consequência, a absolveu da instância (cfr. fls. 226 e 227).

*Inconformado, o requerente interpôs recurso dessa decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I- Ao ser o Reclamante notificado de uma sentença que absolve a Recorrida da instância com base em falta de legitimidade daquele tem, aquele, o interesse na apresentação de um recurso.

II- A sentença proferida pelo CIAB é recorrível porquanto, por aplicação do artigo 39.° n.º 4 da LAV este dispositivo apresenta-se como derrogado em face do disposto no artigo 15.° n.º 4 do Regulamento do CIAB.

III- A alçada do tribunal de primeira instância, nos termos da LOSJ é de €5.000,00 sendo que, ao ser atribuído ao processo um valor superior a este, o Recorrente vê o pressuposto da recorribilidade, como norma supletiva na legislação aplicável, preenchido.

IV- Ao existirem nulidades da sentença, por aplicação do artigo 19.º do Regulamento do CIAB, aplicar-se-á o disposto no Código de Processo Civil.

V- Quando no preenchimento do requerimento de acesso ao CIAB o Requerente, aqui Recorrente, opta por não aceitar ser notificado via eletrónica, não. pode ser-lhe, posteriormente, imputada qualquer responsabilidade pela não recepção de e-mails.

VI- Ao não existir convenção de notificação aplica-se o disposto na legislação, designadamente o artigo 18.0 do Regulamento do CIAB onde, na fase de conciliação/arbitragem as notificações serão realizadas por carta registada com aviso de recepção.

VII- Não tendo o Recorrente recebido qualquer notificação por via de carta registada com aviso de recepção existe uma nulidade processual que incumbia ao Tribunal a quo conhecer.

VIII- Incorre em nulidade por omissão de pronúncia o tribunal que, proferindo sentença, decide imputar ao Requerente a responsabilidade por não responder a alegadas comunicações eletrónicas que nem são, tão pouco, o meio idóneo de notificação.

IX- Ao dispor o artigo 17.0 do Regulamento do CIAB que o prazo de um processo de reclamação é de 90 dias não pode ser admissível que o mesmo demore mais de um ano, sem sequer existir uma pronúncia do tribunal quanto a esse aspeto.

X- A nulidade por omissão de pronúncia encontra-se disposta no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, sendo que incorre nesta nulidade o Tribunal que obste ao conhecimento de que o prazo máximo de decisão e conclusão do processo foi ultrapassado.

XI- Viola o artigo 20.° e 60.° da Constituição da República Portuguesa a sentença que, não assegurando os direitos do consumidor, decide contra si por erros imputáveis à secretaria.

XIl- Toda a representação do Recorrente ocorre no âmbito do apoio judiciário regulado pela lei do acesso ao direito e aos tribunais, que se distingue, naturalmente, de um contrato de mandato e, mais ainda, se distancia brutalmente de uma concessão de poderes especiais para substituição à prática de qualquer ato.

XIlI- Não podia a secretaria eximir-se, em nenhum momento, de notificar pessoalmente o Recorrente.

XIV- Enquanto beneficiário do patrocínio judiciário o Recorrente tem, ele mesmo, que ser notificado pessoalmente de todo e qualquer ato desencadeado no processo, sendo que, aliando-se a tal o Regulamento do CIAB, a notificação deveria ser feita por carta registada com AR.

XV- Há violação do princípio do contraditório quando o consumidor ver ser-lhe negado o acesso pleno à justiça, não lhe sendo enviados os requerimentos, despachos e outras informações processuais pelo meio legal.

XVI- A violação dos princípios processuais implica que o tribunal a quo tenha um poder-dever de pronúncia sobre eles o que, não o fazendo, leva a uma omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.° n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

XVII- A omissão e atos por parte da secretaria, por erros na expedição das notificações, não podem impedir a parte de praticar os atos e de ser prejudicada, vendo a Recorrida absolvida da instância.

XVIII- O Tribunal a quo tem o poder de conhecer das irregularidades, porquanto as mesmas se situam no âmbito do seu conhecimento oficioso, devendo ser reordenada a notificação devida ao Recorrente, o que, a inexistir, configura nulidade por omissão de pronúncia.

XIX- Ao existir um excesso e ultrapassagem do prazo de apresentação de resposta por parte da Recorrida, sem respeito pelo direito ao contraditório e ao princípio da igualdade das partes, incumbe ao Tribunal a quo a não admissão dos articulados extemporâneos.

XX- Ao conhecer, sem sequer se pronunciar, de articulados (vulgo requerimentos e respostas) extemporâneos, incorre o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, o que inquina de nulidade a sentença recorrida.

XXI- A legitimidade ativa implica que figure na esfera de quem demanda o interesse direto na tutela dos direitos.

XXII- O Recorrente que, vivendo numa moradia, vê ocorrer uma descarga elétrica que danifica os seus bens próprios tem interesse direto na demanda contra a Energia, S.A. e, ademais, tem interesse em exprimir-se pela utilidade derivada da procedência da ação.

XXIII- Ao residir com o seu pai na morada alvo de descarga elétrica e onde era, de facto, fornecido o serviço, existe na esfera jurídica do Recorrente o interesse ativo na petição da tutela dos seus direitos.

XXIV - Nos termos da LDC, designadamente no disposto no seu artigo 2.°, o Recorrente preenche o conceito de consumidor e, ainda, o conceito de utente no âmbito da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.

XXV- Se não foi junto pela Recorrida qualquer contrato não pode o Tribunal a quo deduzir que inexiste o fornecimento de serviço de eletricidade ao Recorrente, ainda para mais tendo este impugnado os documentos e sido reconhecido como parte legítima, extrajudicialmente, pela Recorrida.

XXVI- O artigo 13.° da LDC permite que quer os consumidores diretamente lesados, quer os consumidores, abstratos, ainda que não diretamente lesados demandem a entidade prestadora de serviços.

XXVII-A Energia, S.A. tem responsabilidade pelos danos que provoque, quer pela Lei dos Serviços Públicos Essenciais, quer pela LDC quer, ainda, pelo artigo 483.° do Código Civil.

XXVIII- Ao serem danificados bens próprios de um residente da moradia que recebe o serviço este tem, naturalmente, o interesse e o direito de promover à demanda da entidade que, em abstrato, causou os danos.

XXIX- Ao expedir cartas de reconhecimento de legitimidade mas não assunção do nexo causal e, em sede de arbitragem, vir suscitar que o titular do contrato é outra pessoa - sem o provar - incorre a Recorrida em abuso de direito nos termos do artigo 334.° do Código Civil.

XXX- Nos termos do artigo 11.° da Lei dos Serviços Públicos Essenciais incumbe à Recorrida o ónus da prova.

XXXI- É inconstitucional a norma do artigo 2.° da LDC e artigo 1.0 da Lei dos Serviços Públicos quando interpretada no sentido de obstar a que um consumidor e efetivo destinatário do serviço, residente numa moradia mas não titular do contrato veja afastada da sua esfera jurídica a legitimidade ativa da demanda.

XXXII - É inconstitucional a norma do artigo 2.° da LDC e artigo 1.° da Lei dos Serviços Públicos quando interpretada no sentido de obstar a que um a consumidor quando veja bens próprios lesados não possa demandar diretamente a entidade prestadora ainda que seja o seu pai o titular do contrato.

XXXIII- A sentença recorrida violou, assim, o disposto no artigo 20.° e 60.° da Constituição da República Portuguesa, 1.0, 11.°, ambos da Lei dos Serviços Públicos, 2.°, 3.° e 13.° da Lei da Defesa do Consumidor, 334.°, 483.°, 509.°, do Código Civil, 4.° do Regulamento do CIAB, 3.°, 4.°, 30.°, 566.° 567.° 569.°, 615.°, do Código de Processo Civil.

VIlI- DO PEDIDO **TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO Se requer muito respeitosamente a V/ Exa. que o presente recurso seja admitido e, em consequência, seja o mesmo submetido à apreciação dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães e, estes, revogando a sentença recorrida, supram as suas nulidades e:

  1. Julgue nula a sentença recorrida pelas omissões de pronúncia suscitadas.

  2. Anulem todos os atos praticados, ordenando a fase de mediação por inexistência de notificação devida ao Reclamante, o que se traduz pela nulidade das notificações.

  3. Anule a sentença recorrida, ordenando a sua substituição por outra que, sem pôr termo à causa, não decida qualquer legitimidade do Reclamante e, ordene a prossecução dos autos para a fase de julgamento por inexistir qualquer exceção dilatória de conhecimento oficioso do Tribunal.

    Fazendo, assim, Vossas Excelências a inteira e habitual JUSTIÇA!!!».

    *Contra-alegou a requerida, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo Autor e confirmação da sentença recorrida (cfr. fls. 248 a 251).

    *Remetido o recurso a esta Relação, por despacho do ora relator de 9/01/2019 foi decidido que, tendo o recurso sido remetido por email/correio eletrónico (e posteriormente por correio registado), mas não estando demonstrado que o formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não permitiam a sua apresentação por transmissão electrónica de dados nem tendo sido invocada qualquer situação fundamentadora de justo impedimento impeditiva da expedição ou remessa da peça processual (recurso) a juízo por transmissão...

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