Acórdão nº 8083/15.2T8GMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMIÃO E CUNHA
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente(s):- (…);*O Autor (…) intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra os Réus (…) e (…), pedindo que: a) se decrete a ineficácia das transmissões dos prédios identificados em 13º, 14º e 15º da petição em relação ao si, na medida do seu interesse; b) se declare que tem o direito a obter a satisfação integral do seu crédito à custa dos identificados prédios, praticando todos os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por Lei sobre esses bens; c) sejam declarados ineficazes em relação a si os registos das alegadas transmissões dos imóveis objecto das escrituras impugnados, efectuados a favor da segunda Ré, por forma a garantir o seu crédito.

Alega que em 1 de Abril de 2013 emprestou ao Réu a quantia de € 140.000, o qual, nessa data, subscreveu uma confissão de dívida, apenas tendo pago a quantia de € 43.198; em 4 de Outubro de 2009 interpelou-o para proceder ao pagamento da restante quantia em dívida no prazo de 90 dias, mas o mesmo nada restituiu; contabiliza em € 23.030,92 os juros vencidos entre 5 de Janeiro de 2010 e 15 de Dezembro de 2015.

Acrescenta que em 21 de Janeiro de 2011, deu entrada de execução que corre termos sob o nº … tendo o Réu sido citado a 1 de Fevereiro seguinte; a 3 de Fevereiro os Réus procederam ao registo provisório da compra e venda das fracções “…”, “…” e “…” do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº(…)-F., cujas escrituras foram celebradas a 24 de Fevereiro de … quanto à segunda e terceira fracções e a 11 de Março de … quanto à primeira.

Refere que nem o Réu quis vender, nem a Ré quis comprar e que não houve quaisquer pagamentos feitos pela pretensa compradora ao vendedor, as supostas aquisições foram registadas muito antes das escrituras públicas sem que nada o justificasse, senão a evidente urgência em sonegar os bens da esfera jurídica do primeiro, sendo tais condutas premeditadas e orientadas com o fim único de o prejudicar, agindo em conluio e de manifesta má fé nas declarações que emitiram; conclui que estamos perante um caso evidente de negócio simulado.

*Apresentaram os RR. contestação, respectivamente, a fls. 85, v. e ss e a 194 e ss., onde pugnam pela improcedência dos pedidos que contra si foram formulados (sem invocar a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial).

*Procedeu-se oficiosamente ao registo da acção (fls. 228).

*Noticiou-se que o Réu entretanto foi declarado Insolvente por sentença proferida em 24.5.2016 – fls. 289 e ss.

*Considerando ser de dispensar a realização da Audiência Prévia, foi proferida a decisão constante de fls. 334 e ss., onde o Tribunal Recorrido julgou procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e absolveu os RR. de instância.

*Interposto Recurso, foi tal decisão anulada, “devendo providenciar-se pelo cumprimento prévio do princípio do contraditório, com a notificação das partes para, querendo, pronunciar sobre o eventual conhecimento da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, seguindo-se os posteriores termos legais que decorram da decisão que vier a ser proferida, depois de ponderados os argumentos das partes”.

*Cumprido o princípio do contraditório, veio novamente o Tribunal Recorrido a proferir decisão no seguinte sentido de: “ (…) No caso em análise, o Autor deduz pretensão tendente a executar as três fracções no património da Ré até ao montante necessário à satisfação do seu crédito, mas invoca factos que, a provar-se, conduziriam à destruição dos negócios jurídicos de traslação do direito de propriedade, determinando o seu regresso à esfera jurídica do Réu como se nunca dela tivessem saído.

Pelo exposto, ao abrigo dos artigos 186º nºs 1 e 2 alínea b), 278º nº 1 alínea b), 576º nº 2, 577º, alínea b), 595º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, julgando a petição inicial inepta, o Tribunal absolve da instância os Réus (…) e (…).

Custas a cargo do Autor.

Registe e notifique.” *É justamente desta decisão que o Recorrente veio interpor novamente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “B. – CONCLUSÕES:

  1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 1, com a qual o Recorrente, com o devido respeito, jamais poderá concordar, pois foi-lhe totalmente denegada a justiça que devia, e deve ser, aplicada ao caso sub judice.

  2. A Petição Inicial é apta e válida, inexistindo qualquer ininteligibilidade, desfasamento ou contradição entre causa de pedir e os pedidos.

  3. Consta dos articulados a alegação de todos os factos necessários e suficientes para a efectivação do pedido da acção pauliana, acção que o Recorrente expressamente caracterizou na Petição Inicial, fazendo, inclusive, alusão aos artigos 610.º e 612.º do Código Civil.

  4. A Petição Inicial, como acção pauliana, foi compreendida pelos Réus, tendo sido longa e individualmente contestada, não tendo nenhum dos Réus excepcionado a ineptidão da Petição Inicial, que os beneficiava, como contestaram com conhecimento, rigor e domínio perfeito e técnico-jurídico, o que é demonstrativo da interpretação perfeita da petição inicial, causa de pedir e pedido, no qual se incluem os pressupostos materiais e formais da acção pauliana.

  5. O presente processo é efectivamente uma acção pauliana. Fosse essa a vontade do Autor e tê-la-ia traduzido no pedido que formulou na acção, fosse por meio de pedidos alternativos ou por intermédio de pedidos subsidiários.

  6. A Petição Inicial não contém, deliberadamente, factos susceptíveis de preencherem os requisitos da simulação, nos termos do disposto no artigo 240.º do Código Civil.

  7. Admite-se que nos artigos 27.º, 28.º e 29.º da Petição Inicial se tenha feito recurso a expressões impróprias, devido a deficiência de patrocínio da parte, que aqui expressamente se repesa. No entanto, este ostensivo erro de escrita poderia ser rectificável a todo o tempo, tivesse sido respeitado o dever de cooperação que devia prevalecer entre as partes e o Tribunal.

  8. Em consequência, salvo o devido respeito, o enquadramento postulado na douta sentença recorrida da factualidade alegada pelo Recorrente no âmbito da Petição Inicial é incorrecto, abusivo e redutor, tendo concentrado a causa de pedir da acção em apenas três artigos num conjunto de 58, pelo que não poderá manter-se a decisão que declara a ineptidão da Petição Inicial.

  9. A análise ponderada e cuidada da Petição Inicial permite concluir pela inexistência de qualquer contradição ou incoerência entre o pedido e a causa de pedir, nem alguma outra das deficiências enunciadas no artigo 186.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  10. O Tribunal recorrido mais não fez do que antecipar uma decisão final, eventualmente distinta daquela que poderia ser proferida se o Julgador se tivesse debruçado minimamente sobre factos alegados e, a na pluralidade de desfechos possíveis, de acordo com o sentido da produção de prova.

  11. Um dos princípios consagrados no Código de Processo Civil é o princípio da cooperação (artigo 7.º), seguindo a lição de Miguel Teixeira de Sousa “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 65 e segs.”, existe um dever de cooperação das partes com o Tribunal, mas também há um idêntico dever de colaboração deste órgão com aquelas”.

  12. Este dever (trata-se, na realidade, de um poder-dever ou dever funcional) desdobra-se, para esse órgão, em quatro poderes deveres essenciais: dever de esclarecimento; dever de prevenção; dever de consulta das partes e dever de as auxiliar na remoção de dificuldades.

  13. O que agora nos interessa é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o Tribunal prevenir as partes sobre as eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos.

  14. Este dever de prevenção tem várias consagrações legais específicas, entre elas, o convite às partes para aperfeiçoarem os seus articulados – artigo 590.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, o que não sucedeu no caso em apreço.

    Acresce que, o) Determinando o n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil que o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito, se o Tribunal entender que a solução jurídica do caso, em face dos concretos factos que julgue alegados e provados, é diferente daquelas que as partes propõem, deve decidir conforme considerar juridicamente adequado, exercendo o seu poder de livre aplicação das regras de direito e subsumindo o caso aos institutos que considere aplicáveis.

  15. O processo foi concluso ao Mmo. Juiz do Tribunal a quo por dez ocasiões. E só na derradeira suscitou a questão a ineptidão da Petição Inicial. Quando já todas as partes aguardavam a marcação da data de julgamento.

  16. A finalidade do processo civil é uma sentença de mérito e deve ser atingida com a maior economia de meios que for possível.

  17. O Recorrente tem o direito de ver a sua pretensão de impugnação pauliana do acto jurídico celebrado pelos Réus, ora Recorridos, ser julgada até final.

  18. O Tribunal a quo devia ter aplicado o processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, impondo-se, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sob a capa de “requisitos processuais”, se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancia mais do que uma simples denegação de justiça.

  19. Assim, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, 7.º, 186.º, 590.º, todos do Código de Processo Civil, artigos 240.º e 610.º do Código Civil e artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

    NESTES TERMOS, e noutros que V.ªs Ex.ªs sabiamente suprirão, deve a douta sentença do Tribunal a quo ser revogada...

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