Acórdão nº 777/07.2TBBCL-F. G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelALEXANDRA VIANA LOPES
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I.

Relatório: Na ação executiva movida pela Cooperativa (…) CRL contra Maria (…) E OUTROS, : 1. Foi proferida decisão de redução da penhora, nos seguintes termos: “Assim e tendo em consideração o exposto, deve o Sr. Agente de Execução proceder em conformidade, restituindo à executada o montante penhorado que excedeu o valor de 1/3: a) da indemnização líquida de € 21.855,00; b) do valor das retribuições correspondentes ao período que decorreu entre a data do despedimento e o dia 27.11.2006 (um mês depois do início do período de incapacidade para o trabalho), à razão mensal de € 690,00 + € 15,00 + € 10,00 + € 4,00.

” 2.

A exequente apresentou recurso de apelação da decisão de 1 supra, no qual: 2.1.

Apresentou as seguintes conclusões: “I - Resulta do disposto no art. 735.º, n.º 1, do CPC, que «Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.».

II - Não obstante em abstracto, o património do devedor na sua totalidade esteja afecto ao ressarcimento das suas obrigações, a Lei estabelece limitações a tal princípio, v.g., decorrentes de interesses vitais do executado, que o sistema entende deverem sobrepor-se aos do credor exequente, sendo que as mesmas podem resultar numa impenhorabilidade absoluta e total, numa impenhorabilidade relativa, ou numa impenhorabilidade parcial.

III - O art. 738.º, n.º 1, do CPC, ressalva da possibilidade de serem penhorados «dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.».

IV - Quando a Lei ao falar de impenhorabilidade parcial de prestações periódicas provenientes, além do mais, do exercício da actividade laboral quis apenas referir-se a estas e não já a quaisquer outros créditos, v.g., indemnizações e/ou compensações devidas pela cessação das funções exercidas a esse título, pois aqui entramos na penhora de direitos de crédito, tout court, a que alude o art. 773.º do CPC.

V - As normas processuais referentes à impenhorabilidade de bens, são normas excepcionais relativamente à regra geral da afectação do património do devedor à satisfação dos direitos do credor, apanágio da garantia geral das obrigações aludida no art. 601.º do CC, normas essas que são insusceptíveis de aplicação analógica, art. 11.º do CC.

VI - Uma indemnização proveniente da cessação do exercício da actividade profissional do Executado, não obstante o respectivo cálculo tenha tido apoio no vencimento mensal então auferido, não poderá ser considerada como um lugar paralelo equivalente a «prestação periódica» e por isso não está o seu montante sujeito às limitações do n.º 1 do art. 738.º do CPC, podendo ser penhorado na sua totalidade.

Por último VII - A executada não reclamou da penhora efectuada pelo Sr. AE quanto ao valor das retribuições correspondentes ao período que decorreu entre a data da despedimento (20/10/2016) e o dia 27.11.2006, pois que a sentença proferida no processo n.º 735/07.7TTBCL relega o apuramento de tal valor para incidente de liquidação de sentença, que ainda não se verificou.

VIII - Ora, não pode o Tribunal a quo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo a sentença condenar em quantidade superior ou objecto diferente do que se pedir (artigo 608 e 609 do CPC).” 2.2.

Pediu a revogação da decisão proferida.

  1. A recorrida não apresentou resposta às alegações.

  2. Foi admitido o recurso e colheram-se os vistos.

    1. Questões a decidir: 1.

    A interpretação do regime da impenhorabilidade do art.738º do Código de Processo Civil (doravante designado CPC), aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06., de acordo com as regras de interpretação do art.9º do Código Civil (doravante CC), para decidir se a sentença recorrida, na aplicação que fez da norma à situação dos autos, incorreu em erro de direito: por a indemnização por despedimento ilícito não estar prevista na letra da lei e não ter um caráter periódico exigido na mesma; por a norma excecional não admitir aplicação analógica.

  3. A possibilidade da decisão conhecer a impenhorabilidade de retribuições ilíquidas (entre a data do despedimento e o dia da reforma) e a restituição desta à executada, e sem prévia reclamação da executada (perante a penhora).

    1. Fundamentação: 1.

    Sentença recorrida: A sentença recorrida de 12.03.2019: 1.1.

    Julgou provados os seguintes factos: “1. Por auto de penhora, datado de 07-08-2017, foi penhorado pelo senhor AE o crédito que a executada M. N. detém em consequência da indemnização que venha a receber nos autos de processo 735/07.7TTBCL, que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga - Barcelos - Inst. Central - 2ª Secção Trabalho - J2.

  4. No âmbito do processo nº 735/07.7TTBCL foi proferida a sentença, cuja cópia se encontra junta aos autos e cujo teor se dá aqui reproduzido, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: 1) Julgou ilícito o despedimento da autora M. N. ocorrido por decisão proferida em procedimento disciplinar a 20.10.2006, levado a cabo pela ré entidade empregadora “Cooperativa Agrícola …, C.R.L.”.

    2) Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 21.855,00 a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros a contar da data da presente decisão, à taxa de 4%.

    3) Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros a contar da data da presente decisão, à taxa de 4%.

    4) Condenou a ré a pagar à autora as retribuições correspondentes ao período que decorreu entre a data do despedimento e o dia 27.11.2006 (um mês depois do início do período de incapacidade para o trabalho), à razão mensal de € 690,00 + € 15,00 + € 10,00 + € 4,00, acrescida dos juros de mora a contar da data de vencimento de cada uma dessas prestações, à taxa de 4%, cujo apuramento se relega para incidente de liquidação de sentença.

  5. Resulta provado da sentença referida em 2 que: i) A ali autora, atenta a sua doença depressiva, iniciou, em 27-10-2006, período de baixa médica, ininterruptamente.

    ii) A partir de 13-12-2011, a autora passou a receber pensão por invalidez através do Centro Nacional de Pensões, no valor de € 431,01.

    ” 1.2.

    Apresentou a seguinte fundamentação jurídica: “Em primeiro lugar, diga-se que o simples pedido de isenção ou redução de penhora nos casos excepcionais do nº 3 e 4 do artº 738º do CPC pode ser apresentado em qualquer momento por nele além do mais se conter uma matéria de direitos fundamentais a salvaguarda do rendimento mínimo do trabalho indispensável a uma sobrevivência condigna, por maioria de razão ou até pela mesma razão, quando se trata de mera impenhorabilidade também esta deverá poder ser apreciada em qualquer momento pelo juiz a requerimento de qualquer das partes em ordem a permitir por fim a uma tão grave ofensa deste direito fundamental do executado.

    Não se alinha por tal razão com aqueles que defendem que ficou precludida a apreciação da questão da impenhorabilidade suscitada, se esta não vem tempestivamente com a oposição à penhora.

    O artigo 738º do Código de Processo Civil, dispõe o seguinte: «1 — São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.

    2 — Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.

    3 — A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.

    4 — O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.

    5 — Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional ou...

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