Acórdão nº 1190/18.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autor e Apelante P. C. (..) casado, contribuinte fiscal número (…), residente na Rua (…),Porto Ré e Apelada: Companhia de Seguros (…).

, pessoa coletiva nº (…), com sede na Rua (…) Lisboa Autos de: apelação (em ação declarativa de condenação com processo comum) I- Relatório O Autor pediu que fosse proferida sentença, pela qual se decidisse condenar a Ré a pagar-lhe: a) A quantia de € 36.506,00; b) A quantia a liquidar em sede de execução de sentença pela perda da capacidade ganho futuro e dano biológico; c) Quantias estas acrescidas de juros de mora à tW legal de 4% contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que alugou um kite e barra à sociedade “X Desporto e Aventura, Lda”, que comercializa e aluga material técnico destinado a desportos náuticos, equipamento para a prática de Kitesurf e porque esta não procedeu ao ajustamento e afinações dos equipamentos que lhe alugou, sofreu acidente, de que aquela foi a única responsável; uma vez que o Kitesurf é considerado um desporto radical e configura uma atividade perigosa, quer quanto à atividade em si mesma, quer quanto aos meios utilizados para a pôr prática, por envolver riscos acrescidos de lesões corporais e matériais, presume-se a culpa de quem tem o encargo da vigilância da sua prática.

Por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 203247559, a sociedade X Desporto e Aventura, Lda” transferiu para a Ré a responsabilidade civil pelo pagamento de indemnizações por danos causados a terceiros decorrentes da sua atividade de operador marítimo turístico, no caso, emergentes do aluguer do uso de equipamentos para a prática de Kitesurf.

A Ré contestou, invocando, em súmula, que o sinistro ficou a dever-se a culpa exclusiva do Autor; o mesmo enquadra-se, tout cout, no âmbito da cobertura dos seguros desportivos obrigatórios e não no âmbito da apólice aqui demandada adequada às outras atividades prosseguidas pela segurada da Ré, porquanto a locação de equipamentos desportivos não pode ser considerada como uma atividade perigosa, tendo em conta a natureza do contrato de aluguer.

Saneados os autos, realizou-se julgamento e foi proferida sentença, ora sob recurso, a qual julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré de todos os pedidos formulados.

No recurso que interpôs, o Autor, pugnando pela procedência da ação formulou as seguintes conclusões: “1. Entende o Recorrente ter sido incorretamente e parcialmente julgado o ponto 13 dos factos com base: na decisão proferida sobre a matéria de facto, remetendo para as gravações do depoimento da testemunha N. L., inquirida na sessão de julgamento do dia 26/03/2019, cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital com início às 14h07m:08s e termo às 10h52:19s (minuto 10:25 a 11:00, minuto 11:15 a 11:27, minuto 24:12 a 24:40 e minuto 25:00 a 25:20) - Ata de 26/03/2019 - e das declarações da parte-Autora P. C. prestadas na sessão de julgamento do dia 2/04/2019, se encontram gravados em suporte digital com início às 16h10m:13s e termo às 16h53:57s (minuto 6:20 a 7:08) - ata de 2/04/2019 - efetuadas através do sistema de gravação digital disponível no Tribunal, cujas passagens estão transcritas e se dão por reproduzidas (art.640.º do CPC).

  1. Para além dos factos provados em 13: Sucedeu então que nessa manobra, o kite subiu, tendo projetado o Autor a cerca de 2 metros de altura, outra factualidade também deveria ter sido julgada provada, atentos os depoimentos prestados.

  2. Face ao exposto a decisão do ponto 13 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: Sucedeu então que nessa manobra, o kite subiu com um potência anormalmente excessiva e totalmente imprevisível, tendo projetado o Autor a cerca de 2 metros de altura.

  3. Face aos factos provados, não restam bem ao Recorrente nem Tribunal dúvidas ser a prática de kitesurf uma atividade perigosa, um desporto radial, isto é “desporto (pt) radical, de aventura ou de ação são usados para designar desportos com maior grau de risco físico, dado às condições de altura, velocidade ou outras variantes em que são praticados. Tais desportos são assim considerados por oferecerem mais riscos do que os desportos em geral” (wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Esporte_de_aventura) “Exemplos de esportes radicais: kitesuf (wikipédia). São desportos radicais, pela sua natureza, a navegação marítima, como o Kitesurf, a circulação de motos de água (Ac. STJ de 30/11/2004, CJ-STJ, 2004, III, p.127) ou o karting (Ac. RG de 11/05/2017, P.526/13.6TBFAF.G1) 5. Discorda-se da douta sentença na parte em que refere não ser o aluguer de equipamento de kitesurf por parte da segurada na Recorrida X, Lda uma atividade perigosa demarcando-a da praticada pelo Autor. Na verdade, deve ser considerada atividade perigosa aquela que possui uma especial aptidão para produzir danos, um perigo especial, uma maior suscetibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes.

  4. O aluguer do equipamento para prática da atividade perigosa de kitesurf coloca o locador aqui Recorrente (que pagou o preço para o utilizar) sob a alçada do art.493.º/2 do CC, “Efectivamente, quem tem uma actividade que é perigosa para terceiros [utilizadores], colhendo naturais e concomitantes benefícios dessa actividade, terá que tomar todas e provar que tomou todas as providências para obviar ao despoletar das consequências dos riscos inerentes para que não seja responsabilizado civilmente, pois que, a não ser assim, então teríamos terceiros a sofrerem danos ente, pois que, a não ser assim, então teríamos terceiros a sofrerem danos e a serem eles próprios a arcarem, sem qualquer ressarcimento, com as consequências das actividades perigosas de outros e que delas tiram proveito” (Ac. STJ de 17/05/2017, P. 1506/11.1TBOAZ.P1.S1).

  5. Aliás, se assim não fosse não haveria razão para a segurada da Ré “X – Desporto e aventura, Lda”, operador marítimo turístico que se dedica ao aluguer de material destinado a desportos náuticos, não estar obrigado a efetuar um seguro obrigatório de responsabilidade civil com a cobertura mínima de € 50.000,00 por danos causados aos utilizadores e a terceiros – arts.5.º, 14.º e n.º 1 e 5, a) do Anexo II do DL 149/2014, de 10 de outubro.

  6. Face ao exposto, uma vez que o art.493.º/2 do CC estabelece uma presunção de culpa de quem exerce uma atividade perigosa, invertendo o ónus da prova (art.344.º do CC), “o lesante [X /seguradora] só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar” (PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, cit. p.496) 9. Não tendo a Recorrida provado ter a sua segurada X, Lda adotadas todas as precauções e/ou informações que as circunstâncias do caso reclamavam ou alegado e provado factos que excluíssem essa responsabilidade, é aplicável in casu este comando normativo, tendo esta violado o disposto no art.493.º/2 do CC.

  7. Por outra sorte, o facto de ter sido celebrado um contrato de aluguer entre o Recorrente e a segurada da Recorrida, não conduz à inaplicabilidade do disposto no art.493.º/2 do CC, inserido na secção V do Código Civil reservada à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, como parece decorrer da sentença recorrida, ao chamar à colação o instituto da responsabilidade contratual (art.798.º e ss do CC) para excluir a responsabilidade da segurada da Ré.

  8. Por ser praticamente pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento de que se um facto é simultaneamente gerador de responsabilidade extracontratual e contratual, tal não obsta, por ter ocorrido a violação de direitos absolutos do Autor (art.483.º e ss do CC), ofensa à sua integridade física – contusões e lesões pulmonares, traumatismo torácico com fratura do esterno, dorsal, duas costelas e coluna vertebral que lhe causaram fortes e intensas dores -, a que seja aplicável o regime que lhe for mais favorável no caso, ou seja, o extracontratual (art.493.º/2 do CC) é que “com o contrato, se não exclui o dever geral de não ofender os direitos ou interesses de outrem protegidos pelas regras da responsabilidade delitual, querendo-se, antes, reforça-lo; e que, por isso, a responsabilidade contratual não exclui a delitual” (VAZ SERRA, RLJ, 102.º/ p.313). Razão por que é aplicável ao acidente estatuído no art.493º/ 2 do CC.

  9. Provado que o Autor, em consequência do acidente: foi projetado a uma altura da reia de cerca de 2 metro, caiu na areia tendo perdido a consciência, e, em seguida e já inanimado, foi arrastado uns metros pelo areal; sofreu contusões e lesões pulmonares, traumatismo torácico com fratura do esterno, dorsal, duas costelas e coluna vertebral que lhe causaram fortes e intensas dores; precisou de usar colar cervical e colete spinomed; não podia levanta-se nem deambular, tendo permanecido imobilizado na cama do hospital durante 25 dias; Teve alta no dia 27 de Julho de 2016 (24 dias após o acidente), tendo-lhe sido ministrada até então medicação para aliviar as intensas dores que sentia na região cervical, dorsal, tórax e externo; medicação que continuou a tomar após alta clínicas;fruto das lesões sofridas e acima descritas, o Autor permaneceu em casa deitado e dependente da ajuda de uma terceira pessoa para o auxiliar nas suas tarefas básicas como alimentação e higiene pessoal; as semanas que se seguiram ao acidente foram de grande sofrimento para si; sentia fortes dores; sentia-se desanimado e deprimido devido à condição física em que se encontrava, que o impedia de manter a sua normal rotina diária e vida ativa; em janeiro de 2017, retomou a atividade profissional de médico veterinário e teve de utilizar um colete específico para efetuar intervenções cirúrgicas, a fim de atenuar as dores; desde que retomou a atividade profissional de médico veterinário, em Janeiro de 2017, teve de utilizar um colete específico para efetuar intervenções cirúrgicas, que realiza diariamente...

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