Acórdão nº 1506/11.1TBOAZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PIÇARRA
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – Companhia de Seguros AA, S.A.

, com sede em Lisboa, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário contra BB & Companhia, Lda.

, com sede em …, A…, e CC, Companhia de Seguros, S.A.

, com sede em Lisboa, alegando, em síntese, que: Celebrou com DD - Construções, Lda. um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho que abrangia o seu trabalhador EE.

No dia 12.05.2008, quando se encontrava a trabalhar na construção de uma conduta de águas pluviais este trabalhador foi vítima de um acidente de trabalho causado pelo modo negligente como FF içou uma manilha de cimento destinada a essa conduta com recurso a uma máquina retroescavadora pertencente à 1.ª ré que transferira para a 2ª ré a sua responsabilidade civil emergente da laboração dessa máquina.

Em resultado do acidente o trabalhador sofreu diversas lesões que exigiram tratamento e determinaram incapacidades, vindo a autora, como seguradora de acidentes de trabalho, a ser condenada a pagar ao citado trabalhador a pensão anual vitalícia de €3 753,24, para além de outras quantias, no valor global de €53 845,01.

Tendo indemnizado o referido trabalhador, ficou sub-rogada nos direitos deste contra as rés, sobre as quais recai a obrigação de reembolso desse montante.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a condenação das rés a pagar-lhe a quantia de €53 845,01, acrescida de juros de mora desde a citação.

A ré Seguradora apresentou contestação em que, depois de arguir a prescrição do reembolso, por terem decorrido mais de três anos sobre o acidente, sustentou que a situação se encontra excluída do âmbito de cobertura do seguro celebrado com a outra ré e, além disso, impugnou a descrição do acidente feita pela autora, atribuindo a eclosão do mesmo, não a qualquer comportamento negligente do manobrador da máquina, mas a defeito de fabrico da aresta da manilha que se partiu, o que era totalmente imprevisível, concluindo, desse modo, pela improcedência total da acção.

Por seu turno, a ré BB & Companhia, Lda. contestou igualmente, refutando qualquer responsabilidade na eclosão do acidente que imputou à circunstância de uma das arestas da manilha, de forma inexplicável, imprevisível e excepcional, se ter partido por defeito próprio ou mazela, concluindo, assim, pelo total inêxito da acção.

A autora respondeu à excepção de prescrição, pugnando pela sua improcedência, e apresentou sucessivas ampliações do pedido em €6 702,25, €2 668,52, €4 705,83, €3 360,87 e €2 741,90, correspondentes aos pagamentos, entretanto efectuados ao sinistrado EE, ampliações essas admitidas.

Foi proferido despacho saneador a afirmar a regularidade da instância e a refutar a arguida excepção de prescrição, seguido da enumeração dos factos já assentes e organização de base instrutória, o que mereceu reclamação, não atendida, da ré Seguradora.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença (04/02/2016) que, na parcial procedência da acção, decidiu absolver a ré Lusitânia do pedido e condenar a ré BB e Companhia Lda a pagar à autora a quantia de €74 024,38, acrescida de juros moratórios, à taxa anual de 4%, desde a citação sobre €53 845,01 e sobre cada uma das importâncias relativas às ampliações do pedido (€6 702,25, €2 668,52, €4 705,83, €3 360,87 e €2 741,90), desde a respectiva data de notificação à ré.

Inconformada, apelou, com total êxito, a ré BB e Companhia Lda, tendo a Relação do Porto, revogado a sentença e absolvido também esta ré do pedido.

Agora inconformada, interpôs a autora recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1 - A questão a abordar neste recurso tem a ver com a interpretação e aplicação do n° 3 do art° 493° do Código Civil, quando prescreve que "Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa, por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repara-los, excepto se mostrar que empregou todas as providencias exigidas peias circunstâncias com o fim de os prevenir".

2 - A matéria de facto manteve-se inalterada, improcedendo, nessa parte o recurso da recorrente, sendo incontroverso que a recorrida tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou, restando apurar se existe responsabilidade civil extracontratual por parte da recorrente BB & Ca. Lda.

3 - A norma principal ou fundamental no domínio da responsabilidade por factos ilícitos é o art° 483° do Código Civil que, no seu n° 1 prescreve que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação' (sublinhado e carregado nosso).

4 - No caso dos presentes autos, temos que se preenche a primeira variante da ilicitude prevista no n° 1 do art° 483° do Código Civil, ao atingir-se direito subjectivo absoluto, que impõe um dever geral de abstenção, já que o sinistrado sofreu lesões, que implicaram uma incapacidade permanente superior a 50%; mas, para que o facto lesivo origine responsabilidade, é ainda necessário que tenha existido uma actuação culposa, a título doloso ou negligente.

5 - Neste contexto, há que considerar, com relevo, que, enquanto o EE procedia à cimentação de duas manilhas, o legal representante da recorrente, manobrando a retroescavadora, içou uma terceira manilha, enquanto aguardava que aquele acabasse a cimentação para poder sair da vala, para que pudesse colocar a manilha que se encontrava içada.

6 - Porém, subitamente, a terceira manilha perdeu um pedaço de cimento e soltou-se da garra do cadeado da retroescavadora que a sustinha, sendo que um fragmento de um pedaço da manilha de cimento que caiu embateu violentamente em EE.

7 - Temos ainda que a retroescavadora estava parada e afastada da vala onde se encontrava o EE, a cerca de 3 metros, e que a manilha foi engatada nas garras da armação de equipamento de elevação da máquina, sob tensão, tendo as garras correntes de aço que, por sua vez, engatavam na retroescavadora, adaptada para ser utilizada como equipamento para elevação de manilhas.

8 - A máquina retroescavadora estava afastada da caixa, em situação de espera, dando espaço e tempo para o trabalhador se retirar do local onde iria ser colocado o anel.

9 - Mais ficou vertido como assente que, para além do processo de cimentação, não decorriam actividades em simultâneo, nomeadamente o transporte e/ou movimentação do anel para a caixa de visita.

10 - Não se alegou de forma convincente nem ficou vertida a causa da rotura da manilha, que se desprendeu das garras da retroescavadora, tendo um fragmento da mesma vindo a atingir o sinistrado, designadamente se foi devido a atitude censuráveis imputável ao manobrador da máquina, legal representante da recorrente.

11 - Sucede, porém, que o n° 2 do art° 493° do Código Civil estabelece uma presunção de culpa.

12 - É certo que nem toda a actividade de construção civil se há-de ter por perigosa, mas já outro tanto não se pode dizer das obras que envolvem escavação, em particular e quando é levada a cabo nas apontadas condições, como de utilização de uma máquina retroescavadora, elevando manilhas de grande porte e peso com potencial letal designadamente se não devidamente manejados, acomodadas e depositadas.

13 - É claro que poderia ser alijada a presunção de culpa estabelecida no normativo em referência desde que, conforme resulta do último segmento de tal preceito, se provasse que se empregaram todas providências exigidas peias circunstâncias com o fim de prevenir os danos, o que manifestamente não sucedeu no caso dos presentes autos.

14 - Na verdade, uma das providências que podia ter sido tomada era a de não içar a manilha enquanto se...

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