Acórdão nº 6318/18.9T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. (…) e (…) (aqui Recorrentes), residentes em(…), em França propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) (aqui Recorrida), residente na Rua (…) , em Barcelos, pedindo que · a Ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 60.221,73 (sendo € 56.716,20 a título de capital, e € 3.505,53 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva legal, contados até à data de propositura da acção), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa supletiva legal, contados sobre € 56.716,20, desde o dia posterior à entrada em juízo dos autos e até integral pagamento.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, tendo constituído seu procurador A. L., marido da Ré, veio o mesmo a vender em seu nome, em 04 de Setembro de 1998, um prédio misto de que eram proprietários, pelo preço de Esc. 15.000.000$00.

Mais alegaram que, dizendo-lhes A. L. que depositara essa quantia em instituição bancária, e que a mesma se encontrava a vencer juros, certo é que, interpelado para a devolver, apenas lhes entregou em 08 de Abril de 2015 a quantia de € 40.000,00, não mais lhes satisfazendo o remanescente de capital em falta, nem os respectivos juros.

Alegaram ainda os Autores que, mercê do exposto, intentaram contra A. L. uma acção especial de prestação de contas, sendo o mesmo aí condenado a pagar-lhes a quantia de € 56.716,20, o que ainda não fez.

Por fim, os Autores alegaram terem direito a obter a condenação da Ré (M. M.) a satisfazer-lhes tal montante, por a mesma ser casada com A. L. sob o regime de comunhão de adquiridos; e a quantia em causa ter sido usada em proveito comum do casal, nomeadamente para custear obras na sua residência e despesas normais do seu agregado familiar.

No final da sua petição inicial, e sob a epígrafe «PROVAS», os Autores requereram «perícia singular ao prédio urbano propriedade da ré e do seu marido».

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (M. M.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ainda os Autores condenados como litigantes de má-fé.

Alegou para o efeito, em síntese e no que ora nos interessa, nunca ter ela própria, ou o seu marido, alguma vez tirado proveito do valor que foi confiado pelos Autores a este último, tendo o casal levado sempre uma vida frugal, e tendo eles próprios custeado as pequenas obras que foram realizando ao longo dos últimos anos na sua moradia.

1.1.3.

Os Autores (M. C. e R. C.) responderam, reiterando o seu pedido inicial, e impugnando o que em contrário fora alegado na contestação.

1.1.4.

Proferiu-se despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; fixando o valor da acção em € 60.221,73; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio («apreciar a responsabilidade da ré (…) pelo pagamento, aos autores (…), do montante de € 56.716,20 (…), proveniente da venda do prédio misto», nomeadamente se «a) A ré sabia que o seu marido se apropriou da quantia de € 56.716,20, proveniente da venda do prédio misto, (…) da titularidade dos autores, no que consentiu ?», e «b) Tal quantia foi utilizada em proveito comum do casal constituído pela ré e A. L. ?»); enunciando os temas da prova (deles nomeadamente constando «2.

A quantia de € 56.716,20 foi utilizada pela ré e pelo seu marido na aquisição de um veículo automóvel de marca Nissan, no ano de 1999 ?», «3.

(…) na pintura da casa de morada de família de ambos, no ano de 1999 ?», «4.

(…) na construção de uma marquise em vidro e alumínio, no jardim da habitação, no ano de 2002 ?», «5.

(…) na construção de uma churrasqueira e na pavimentação do chão da área do jardim da habitação, no ano de 2013 ?»); apreciando os requerimentos probatórios das partes, nomeadamente indeferindo a realização da perícia requerida pelos Autores, lendo-se a propósito no mesmo: «(…) Requereram os autores a realização de perícia ao prédio urbano propriedade da ré e do seu marido, sem, contudo, indicarem em concreto o respetivo objeto, limitando-se a mencionar «aquando da audiência prévia (…) indicarão as questões de facto a que o perito deve responder».

De acordo com o disposto no artigo 475.º, n.º1, do Cód. Proc. Civil, «ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência» (negrito e sublinhado nossos).

No presente caso, ao requererem a referida perícia, os autores não indicaram o respetivo objeto, nem enumeraram as questões de facto que pretendiam ver esclarecidas através da diligência, pelo que se rejeita a perícia requerida.

Acresce que, para a avaliação e perceção da matéria de facto que se mostra controvertida não são necessários conhecimentos especiais que o julgador não possua.

Daí que haveria sempre lugar ao indeferimento liminar de tal perícia, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 388.º, do Cód. Civil.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os Autores (M. C. e R. C.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido e se revogasse a decisão recorrida (sendo substituída por outra, ordenando a realização de prova pericial).

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1.ª - O despacho impugnado merece reparo porque, ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, os recorrentes especificaram qual seria o objeto da perícia logo que requereram a sua realização - vd. n.º 1 do art.º 475.º do CPC 2.ª - Com o devido respeito, o Tribunal fez uma errada interpretação do n.º 1 do art.º 475.º do CPC, porque no momento em que foi requerida a realização de prova pericial não seria exigível aos recorrentes a enunciação das questões de facto que pretenderiam ver respondidas pelo perito: além de não estar previsto nenhum momento processual que seja por si preclusivo, para as partes requererem a perícia, os recorrentes sempre poderiam alterar o seu requerimento probatório na audiência prévia - se a esta houvesse lugar - ou nos 10 dias posteriores à notificação do despacho saneador - vd. n.º 1 do art.º 598.º do CPC 3.ª - No caso, tendo sido dispensada a realização de audiência prévia, só com a notificação do despacho saneador é que os recorrentes tiveram conhecimento dos temas de prova e só nesse momento estariam em condições de enunciar os factos sobre os quais pretendiam que incidisse a perícia.

- vd. art.º 596.º do CPC 4.ª - A não ser assim, ficaria sem aplicabilidade prática o estatuído no regime de produção de prova pericial, que determina que “a perícia pode reportar-se quer aos factos articulados pelo recorrente, quer aos alegados pela parte contrária” e violar-se-ia o direito fundamental à produção de prova - vd. n.º 2 do art.º 475.º do CPC - vd. Acs. do Tribunal Constitucional n.ºs 646/2006 e 934/96 5.ª - Porque tiveram os recorrentes o cuidado de explicar que em sede de audiência prévia indicariam as questões de facto a serem respondidas pelo perito, o Tribunal, ao invés de ter rejeitado a realização da perícia: deveria ter ordenado a notificação dos recorrentes para, no prazo de 10 dias, apresentarem os respetivos quesitos; ou proferido despacho pré-saneador; ou, no mínimo, ter convocado a realização da audiência prévia para suprir essas insuficiências e para, após debate, determinar a tramitação adequada às especificidades da causa - vd. nºs 2 e 4 do art.º 590.º, al. e) do n.º 1 do art.º 591.º e art.º 517.º do CPC 6.ª - Também merece reparo a decisão do Tribunal porque a realização da prova pericial mostra-se necessária à luz da lei substantiva e pertinente ao conhecimento da matéria controvertida: não apenas porque os factos em causa não são suscetíveis de prova testemunhal e/ou documental, como não existem quaisquer elementos no processo que permitam ao Tribunal compreender a dimensão dos mesmos, como ainda pelo facto de o Tribunal não ter demonstrado dispor de conhecimentos técnicos e especializados sobre construção civil e orçamentação - vd. Ac. do TRG, de 30.11.2017, proc. 351/15.0T8MAC-H.G1 - vd. n.º 1 do art.º 476.º do CPC - vd. art.º 388.º do CC *1.2.2. Contra-alegações A Ré (M. M.) não contra-alegou.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

*2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelos Autores (M. C. e R. C.), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal: 1ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao indeferir a perícia por falta de indicação do respectivo objecto ? 2ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao considerar que «a avaliação e perceção da matéria de facto que se mostra controvertida» não exige conhecimentos técnicos especiais que o julgador não possua ? *III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

*IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. Direito à prova - Prova...

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