Acórdão nº 85/15.5T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Os executados J. M. e M. S. vieram, por apenso à execução para pagamento de quantia certa com o n.º 85/15.5T8VNF, que o “Banco ..., S.A.” lhes move, deduzir embargos de executado.

Para o efeito, alegaram, em síntese, o preenchimento abusivo da livrança exequenda, por o exequente ter preenchido a mesma, não com o valor em dívida decorrente do contrato para cuja garantia foi emitida, mas também com o valor em dívida de um contrato posterior à emissão da livrança, bem como a inexequibilidade do título, por a livrança exequenda não ter sido apresentada a pagamento e os avalistas não terem sido previamente interpelados para o pagamento da dívida.

*O exequente contestou, invocando que os dois contratos aludidos pelos embargantes estavam garantidos pela livrança exequenda, sendo o segundo contrato “incorporado” no primeiro, com utilização da livrança emitida para este, salientando que, apesar de não ter sido entregue uma segunda livrança, o último contrato previa a existência de uma livrança em garantia. Além disso, os pagamentos sempre seriam imputados, em primeiro lugar, no segundo contrato de mútuo.

Por outro lado, entende que a arguida inexequibilidade do título deve improceder, invocando que a interpelação dos avalistas foi concretizada.

*Foi proferido despacho saneador, após o que, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos de executado totalmente improcedentes.

*II-Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida, vieram os executados/embargantes interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1. Por não concordarem com a decisão obtida na primeira instância, no âmbito dos embargos apresentados ao processo de execução 85/15.5T8VNF, vêm os embargantes recorrer da mesma.

  1. Na base e fundamento do processo mencionado, está a livrança – avalizada pelos aqui recorrentes – emitida aquando da celebração de um primeiro contrato de mútuo entre a sociedade J. M. – Sociedade Imobiliária, Unipessoal Lda. e a exequente, no valor de 1 milhão de euros a 20/10/2006.

  2. Os recorrentes apresentaram embargos de executado assentes na exceção do preenchimento abusivo do título cambiário e também por a livrança exequenda não ter sido apresentada a pagamento e os avalistas não terem sido previamente interpelados para o pagamento da dívida.

  3. Quanto à primeira motivação dos embargos, a mesma consiste no facto de existirem dois contratos de mútuo: um de 1 milhão de euros celebrado em 2006 para o qual foi emitida a livrança em questão a título de garantia, devidamente avalizada pelos embargantes; e um outro contrato de mútuo celebrado em 2007, no valor de 500.000.00 € do qual não consta sequer do contrato a embargante mulher.

  4. A exequente utilizou a livrança prestada a título garantístico no primeiro contrato de mútuo (de 1.000.000.00 €) para executar valores em dívida no segundo contrato de mútuo (de 500.000.00 €) que não se encontrava garantido por aquele título de crédito – uniu e considerou ambos os mútuos como um só, sem no entanto, ter legitimidade, autorização ou fundamento legal para tal feito.

  5. A decisão recorrida vem pronunciar-se no sentido de que “(…) não se pode concluir pelo preenchimento abusivo da livrança exequenda. (…)” 7. A livrança em questão foi emitida no âmbito do primeiro contrato de mútuo, celebrado em 2006; 8. A execução concernente aos embargos apresentada tem por causa de pedir tanto o contrato de mútuo celebrado em 2006, como o contrato de mútuo celebrado em 2007.

  6. Como tal, esta decisão não se coaduna com a argumentação apresentada na motivação de facto e de direito, tampouco com a perspetiva de justiça dos embargantes.

  7. Resulta dos factos provados, designadamente que, “A referida livrança em branco, que serve de título executivo à presente execução, foi entregue ao exequente/embargado aquando da celebração do contrato de mútuo datado de 20/10/2006 acima referido”, 11. que o segundo contrato de mútuo realizado seria também garantido por uma nova livrança, e ainda consta também destes factos provados que a exequente/embargada preencheu a livrança base da ação executiva com um montante que decorre dos dois contratos mútuo contraídos pela sociedade acima referida.

  8. Quanto ao título executivo, resulta do artigo 10.º n.º 5 que nulla executio sine titulo.

  9. Os títulos de crédito executivos “constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente” e do mesmo tem de resultar claramente a obrigação que lhe subjaz, de forma a definir rigorosamente os fins e os limites da execução – a instância executiva não pode abarcar uma realidade maior do que aquela que consta ou que fez nascer o título executivo, com natureza garantística.

  10. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação a 12/10/2017, relatado pela Desembargadora Maria de Fátima Almeida Andrade.

  11. O que se coloca em causa nestes autos é, para além do preenchimento abusivo do título de crédito, também o facto desse mesmo título ter sido emitido para garantir um contrato de mútuo, e ter posteriormente sido preenchido e utilizado para um fim diverso.

  12. No âmbito do contrato de mútuo celebrado em 2006, os aqui recorrentes prestaram o seu aval à livrança subscrita pela sociedade mutuária, tendo plena consciência de que estavam a vincular-se com uma promessa de pagamento, perante a entidade bancária, pelo mútuo de 1 milhão de euros.

  13. Da emissão dessa livrança resultou também o pacto de preenchimento da mesma, como refere a decisão recorrida, de onde não se pode depreender que a livrança emitida iria de igual forma garantir um eventual contrato de mútuo posterior que fosse celebrado entre as partes.

  14. Como tal, o contrato celebrado em 2007, pelo valor de 500.000.00 € nunca poderia ser garantido pela livrança emitida no contrato de 2006.

  15. O título executivo consubstancia uma obrigação que tem obrigatoriamente que ser certa, liquida e exigível.

  16. Ao emitir a livrança em branco em questão no primeiro contrato de mútuo, e a proceder à elaboração e ao acordo sobre o pacto de preenchimento, a sociedade subscritora, a entidade bancária e os avalistas firmaram o título executivo, ou seja, estabeleceram em que termos se tornava exigível a relação cambiária.

  17. Nunca, destas circunstâncias, podia qualquer uma das partes depreender que tal título tornaria certa, liquida e exigível uma obrigação decorrente de um contrato que não aquele.

  18. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a 25/05/2017 relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos.

  19. Assim, ao considerar o tribunal a quo admissível a “junção” de ambos os valores em dívida referentes a ambos os contratos de mútuo, num único título garantístico, emitido a favor de apenas um desses contratos, incorre numa violação dos artigos 713.º e seguintes do Código de Processo Civil, e consequentemente, dos artigos 10.º n.º 5 e 703.º do mesmo diploma legal, assim como, do pacto de preenchimento do título de crédito.

  20. O tribunal recorrido vem apresentar, neste âmbito, uma decisão um tanto quanto confusa.

  21. refere que “como decorre dos factos provados, inexiste fundamento jurídico válido para considerar a livrança em causa como garantia também do pagamento dos valores em dívida decorrentes do segundo mútuo, pois, na verdade, a livrança foi emitida apenas como garantia do primeiro mútuo (…)” 26. “(…) Assim sendo, neste quadro, não podia o exequente preencher a livrança com valores em dívida decorrentes do segundo mútuo, pois tal violaria o pacto de preenchimento que respeita apenas ao primeiro mútuo.” 27. E depois, contrastando refere que, “na verdade, no caso dos autos, o que se verificou, de facto, foi que o exequente assumiu dois contratos de mútuo como um só, seguindo o entendimento (errado, no entender do tribunal) de que a livrança emitida para garantia do primeiro mútuo também serviria de garantia associada ao segundo mútuo.

  22. O que pode, pois, estar em causa é, não propriamente o preenchimento da livrança para pagamento de dívida a que é totalmente alheia, mas sim a eventual inclusão de valores (do segundo mútuo) para cuja garantia não foi emitida.” 29. Desde logo, se se trata da inclusão de valores de um segundo mútuo com os do primeiro, para apor a uma livrança que garante este, trata-se de preenchimento da livrança para o pagamento da dívida.

  23. Ademais, na situação hipotética que o tribunal levanta, cumpre referir que naturalmente, o valor em dívida referente ao primeiro mútuo à data do preenchimento da livrança seria sim inferior aquele que foi preenchido.

  24. €. Estamos aqui perante uma soma de dois valores, e muito dificilmente, já teria a sociedade devedora procedido ao pagamento do segundo mútuo no valor de 500.000.00 € e ficado a dever 572.595.62 € do primeiro.

  25. Naturalmente, ainda que se consubstancia-se a diferença a uns meros euros, o valor em dívida seria sempre inferior ao valor aposto à livrança.

  26. Chega a ser complicado compreender a linha de pensamento que levou o tribunal a quo a decidir no sentido de que, 34. “No fundo, os pagamentos que ocorreram (e que, diga-se, os embargantes nem sequer alegam) são naturalmente imputáveis, em primeiro lugar, na liquidação do segundo mútuo, incluindo capital e acréscimos, nos termos dos arts. 784.º e 785.º do CC, o que, sendo de cerca de € 500.000,00 a quantia reclamada pelo exequente (como em dívida da soma dos dois contratos de mútuo, quando só o primeiro tinha € 1.000.000,00 de capital), permite concluir que o valor em dívida aposto na livrança é associável apenas ao primeiro mútuo, estando o segundo integralmente liquidado.” 35. O Tribunal, ainda que sem prova, assume que os pagamentos que ocorreram se imputam ao segundo mútuo, encontrando-se este totalmente liquidado, e o valor em questão corresponde única e exclusivamente ao primeiro mútuo, 36. Não obstante constar dos factos provados que a exequente preencheu a livrança com um valor que corresponde...

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