Acórdão nº 3/19.1T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

D. M., executado nos autos principais de execução, deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado, contra a exequente Banco …, S.A., pedindo que se declare a extinção da execução no seu todo e, em consequência, o levantamento da penhora existente.

Mais requer que a execução seja suspensa, nos termos do artigo 733.º, n.º 1 al. c) do Cód. de Processo Civil.

Caso não seja esse o entendimento, requer que a decisão sobre a venda da casa penhorada nestes autos aguarde decisão nestes embargos de executado, nos termos do artigo 733.º, n.º 5 do Cód. Processo Civil.

Para tanto, o embargante alega, em síntese: 1º - A ineptidão do requerimento executivo, por falta de coincidência entre o alegado e a taxa de juros prevista nos contratos de mútuo exequendos, bem como por falta de alegação de qualquer facto relativo à livrança; 2º - A nulidade do pacto de preenchimento da livrança exequenda, por falta de explicação do seu conteúdo, em violação do regime das cláusulas contratuais gerais; 3º - A inexigibilidade da obrigação exequenda relativa à livrança, por os executados não terem sido previamente interpelados para o cumprimento; 4º - A impugnação do valor em dívida, por excessivo.

*Os embargos de executado foram liminarmente indeferidos, por despacho datado de 18/06/2019 (cfr. fls. 14 a 20).

*Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o embargante/executado (cfr. Ref.ª 333285339) e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. A decisão aqui em crise decide liminarmente indeferir os embargos de executado dando como provado os factos transcritos nas motivações deste recurso.

  1. Na motivação da decisão não se vislumbra em que documentos o tribunal se baseou para decidir dar como provados os factos que foram dados como provados, limitando-se a fazer várias considerações de direito, as quais, corretas ou não, não excluíam a obrigação que recaía sob o tribunal de fundamentar a sua decisão.

  2. Deveria constar na sentença qual a matéria de facto dada como não provada, a qual, presumivelmente seria as matérias alegadas nos embargos.

  3. Impunha-se que o tribunal assim o fizesse para que no recurso o Embargante pudesse especificar os concretos pontos de facto que se julgam incorretamente julgados, nos termos do artigo 640.º, n.º 1 al. a) do CPC.

  4. Com isso, a sentença está ferida de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. a), d) e n.º 4 do CPC.

  5. Relativamente ao teor em si dos factos alegados nos embargos, caso o Tribunal considerasse que os mesmos não eram suficientes, sempre teria de haver convite a aperfeiçoamento do articulado dos embargos de executado.

  6. Não o fazendo, o Tribunal viola o artigo 590.º, n.º 4 do CPC, o que implica a existência de uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, também do mesmo diploma legal.

  7. No essencial, ao decidir como decidiu, o Tribunal não permitiu ao Recorrente provar os factos que alegava, prova essa que tem de ser necessariamente testemunhal e por declarações de parte, com isso, o tribunal violou o princípio do inquisitório, bem como o direito à prova, enquanto corolário do direito fundamental de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

    Nestes termos, Deve o presente recurso ser julgado procedente, com as consequências legais, assim se fazendo a almejada Justiça!».

    *Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

    *O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. Ref.ª 165678127).

    *Foram colhidos os vistos legais.

    *II. Delimitação do objecto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: 1.ª – Das nulidades da decisão recorrida (por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia).

    1. – Se a decisão recorrida deve ser anulada por preterição de formalidade legal (omissão de convite ao aperfeiçoamento da facticidade alegada na petição de embargos).

    *III.

    Fundamentos IV. Fundamentação de facto A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foram apresentados à execução: a. O contrato junto como documento 1 do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido, datado de 31.10.2007, no qual os executados (incluindo o embargante) figuram como mutuários e a exequente figura como mutuante, subordinado às cláusulas dele constantes, sendo, entre outras, as seguintes: “(…) (…)” ; b. O contrato junto como documento 2 do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido, datado de 31.10.2007, no qual os executados (incluindo o embargante) figuram como mutuários e a exequente figura como mutuante, subordinado às cláusulas dele constantes, sendo, entre outras, as seguintes: “(…) (…)”; c. A livrança junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo inscrito, em algarismos e por extenso, a importância de € 1.627,91, donde consta: como data de emissão, “2013-05-02”; no local da data de vencimento, “2018-12-03”, no local do subscritor, “D. M.” e “M. F.”, com assinaturas desenhando estes nomes.

  8. As quantias emprestadas referidas nos contratos aludidos em 1.a. e 1.b. foram efetivamente disponibilizadas aos executados D. M. e M. F, mediante crédito processado na sua Conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência do Banco Exequente.

  9. Os Executados D. M. e M. F. interromperam o pagamento das prestações dos contratos acima referidos em 02-08-2017.

  10. A exequente deduziu execução alegando o que consta do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido.

    *V. Fundamentação de direito 1. - Nulidade(s) da decisão recorrida com fundamento nas als. b) e d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.

    1.1. Nota prévia.

    Não obstante, nas alegações e conclusões recursórias, o recorrente fazer expressa alusão à nulidade da sentença prevista na al. a) do n.º 1 do art. 615º do CPC, deve entender-se essa menção como um (mero) lapso de escrita, visto que do teor da fundamentação aduzida depreende-se claramente pretender o mesmo reportar-se à nulidade da sentença estabelecida na al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente por, na sua perspetiva, a decisão recorrida não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

    Assim, feita a necessária convolação, não deixaremos de analisar e apreciar esse concreto fundamento de nulidade da decisão recorrida.

    *1.2. Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).

    Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.

    Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC(1).

    As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito (2).

    As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.

    Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando: «b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

    (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

    *1.3.

    A nulidade prevista na al. b) do citado normativo está relacionada com o dever de fundamentação que decorre do princípio enunciado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no art. 154.º, n.º 1, do CPC, onde se diz que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo essa justificação/fundamentação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2 do art. 154º).

    Acresce que, nos termos art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, devendo indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

    O regime da nulidade da sentença por incumprimento do dever de fundamentação é aplicável aos despachos (art. 613º, n.º 3 do CPC).

    A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (enquanto causa...

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