Acórdão nº 354/18.2T8CBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução19 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. J. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. T., Construções, Lda. (anteriormente designada por Construções X, Lda.), pedindo que a Ré seja condenada “a reduzir ao seu crédito a quantia de € 4.999,45 €, a diferença existente entre os valores das facturas a que tem direito e os pagamentos que recebeu do A., acrescido dos respectivos juros moratórios comerciais que tudo nesta data se especifica em € 10.416,16, bem como nos que se vencerem até total liquidação.” Para tanto alega, em síntese, que por acórdão do STJ datado de 6/10/2016, proferido na acção de processo ordinário n.º 539/05.1TBCBC e já transitado em julgado, uma vez que a reclamação para o Tribunal Constitucional não foi atendida, o ora A. foi condenado a pagar à ora Ré a quantia de € 51.894,43 (€ 40.208,63 + € 11.685,80) e juros vencidos, respeitante às facturas de um contrato de empreitada relativo a obra realizada pela Ré para o A., descriminadas no artº. 4º da petição inicial e que totalizam o valor de € 164.112,43.

Os juros são os comerciais calculados desde 23/09/2005, data da citação do ora A. para a acção que lhe foi movida pela ora Ré.

Acrescenta que, para pagamento da referida empreitada e facturas, o A. entregou a Ré a quantia global de € 117.217,54. E se as facturas emitidas ao A. enunciadas no art.º 4º da petição inicial e constantes dos autos somaram o valor global de € 164.112,43, tendo o A. pago € 117.217,54, é simples aritmética sem erros que o valor da dívida é de € 46.894,89 (€ 164.112,43 – € 117.217,54) e não € 51.894,43 como por lapso consta na sentença do Tribunal de Guimarães e que nunca se descobriu.

Refere, ainda, que quando a ora Ré intentou a execução para pagamento de quantia certa, que corre termos no Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 2 com o n.º 3715/17.0 T8GMR, é que ao verificar a liquidação da obrigação e juros respectivos, constatou que a ora Ré (exequente naqueles autos) cumulou por cima do valor em dívida, o valor do IVA que já estava incluído nas facturas, pelo que teve o ora A. de deduzir oposição à execução mediante embargos de executado ao se aperceber do lapso de aritmética que tanto o prejudica.

O A. tem direito a ser ressarcido dessa diferença do valor da dívida de € 4.999,45 (€ 51.894,43 – € 46.894,89) sob pena de haver um injusto enriquecimento sem causa da ora Ré, à custa directa do empobrecimento do Autor.

A ora Ré deu à execução o valor de € 51.894,43 acrescido dos respectivos juros de mora legais/comerciais desde a data da citação da acção que ocorreu em 23/09/2005, pelo que o A. tem direito à redução do valor com os devidos juros comerciais vencidos desde essa data até à presente, ascendendo a quantia em causa, à data da propositura da acção – € 4.999,45 com os respectivos juros comerciais - a € 10.416,16.

O A. juntou aos autos certidão da sentença do Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 4 de 12/10/2015, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/04/2016, do acórdão do STJ de 6/10/2016 e do acórdão do Tribunal Constitucional de 20/04/2017, proferidos no aludido processo nº. 539/05.1TBCBC (cfr. fls. 122 a 162).

A Ré contestou, deduzindo as excepções de erro na forma de processo e de caso julgado, alegando, em síntese, que o A. dolosamente não alegou e omitiu no seu articulado que, nos autos de execução supra referidos, deduziu oposição (mediante embargos de executado) onde alegou, nos artigos 3º a 10º da petição, exactamente os mesmos factos que vêm alegados na presente acção, pretendendo com tais embargos de executado exactamente o mesmo efeito jurídico que pretende com o pedido formulado nesta acção – ou seja, ver rectificadas as referidas decisões judiciais e reduzido ao crédito da Ré judicialmente declarado a quantia de € 4.999,45 acrescida dos juros legais - tendo naqueles embargos sido proferida sentença em 10/04/2018, que não foi objecto de recurso e, como tal, já há muito transitou em julgado, na qual se decidiu que “apesar dos executados alegarem que ocorreu um lapso no valor em que foram condenados, sendo que as facturas e pagamentos dados como provados nas decisões impunham a sua condenação num valor superior, o certo é que a sentença dada à execução transitou há muito em julgado, não tendo os executados suscitado tal questão em sede de recurso, não podendo o tribunal alterar a decisão proferida, sob pena de violação do caso julgado” e “com o trânsito em julgado da sentença dada à execução, ficou definitivamente fixado o direito dos intervenientes no processo, sendo que o direito do exequente (credor) ficou definido com rigor”, julgando, nesta parte, improcedentes os embargos de executado.

Mais alega que o que o ora A. pretende com a presente acção é, na prática, impugnar a decisão da matéria de facto proferida pelo Juízo Central Cível de Guimarães, e obter a alteração do facto julgado provado quanto à repetição do julgamento para ampliação da matéria de facto: “A Autora executou, até ao fim de Novembro de 2002, os trabalhos descritos nas facturas nºs 56, 60, 66, 82, 95, 96, 97, 106, 107, 108, 109, 111, 112, 116, 120 e 121 no valor de € 157.424,63 e os trabalhos descritos na factura n.º 157 no valor de € 11.685,80”, não resultando do texto da sentença e dos acórdãos oferecidos à execução qualquer segmento ou excerto que permita concluir (sem recurso à reapreciação dos meios probatórios produzidos na dita acção) que o valor dos trabalhos realizados pela ora Ré não seja o que foi julgado provado, mas um outro, pelo que não se trataria de um erro de cálculo revelado no próprio contexto da declaração, mas apenas – e em abstracto – de um erro de julgamento, mais concretamente, de um erro na apreciação da prova produzida, nomeadamente da prova documental.

Por outro lado, citando o disposto no artº. 614º, nºs 2 e 3 do NCPC, refere que em nenhum dos recursos que interpôs no processo nº. 539/05.1TBCBC, o A. requereu qualquer rectificação, pelo que já há muito precludiu a possibilidade de as partes requererem rectificações daquelas decisões oferecidas à execução, para além de que tal rectificação só poderia ser efectuada pelo Tribunal ou Tribunais que as proferiram, e não pelo Juízo de Competência Genérica de Cabeceiras de Basto onde corre termos a presente acção.

Daí conclui que existe erro na forma do processo, uma vez que a pretensão do A. só seria possível nos termos supra descritos, e se verifica a excepção dilatória de caso julgado, uma vez que, com a presente causa de pedir e pedido, o ora A. coloca o Tribunal na contingência de contrariar o decidido na sentença e nos acórdãos proferidos na acção de processo ordinário n.º 539/05.1TBCBC, assim como na sentença proferida nos embargos de executado n.º 3715/17.0T8GMR-B.

Impugna, ainda, a factualidade alegada pelo A. e peticiona a condenação deste como litigante de má fé, designadamente com base no facto de ter omitido na petição inicial factos relevantes para a decisão da causa e ter formulado pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar.

Conclui, pugnando pela procedência das excepções de erro na forma do processo e de caso julgado e pela improcedência da acção, condenando-se o A. como litigante de má fé em indemnização a favor da Ré no montante de € 5.000,00 e em multa exemplar a fixar de acordo com o prudente juízo do Tribunal.

A Ré juntou aos autos certidão da petição de embargos de executado no processo nº. 3715/17.0T8GMR-B e da sentença proferida no mesmo (cfr. fls. 85 a 88 e 112 a 119).

O A. respondeu às excepções invocadas pela Ré, não pondo em causa a existência da aludida execução e da sentença proferida no processo de embargos de executado, negando, no entanto, a existência de caso julgado em relação ao pedido que é feito nos presentes autos, pois não podendo pedir-se a revisão da sentença, o instituto do enriquecimento sem causa é a solução que a lei encontra para as situações de manifesto recebimento indevido.

Alega, ainda, que em sede de recurso nunca se apercebeu do erro de cálculo, sendo o enriquecimento sem causa um facto novo, não havendo qualquer contradição de julgados porque os pedidos são totalmente diferentes.

Termina, concluindo como na petição inicial.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença no qual se decidiu ao abrigo do disposto nos artigos 278º, alínea e), 576º, n.º 2, 578º e 619º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, julgar procedente a excepção dilatória inominada, decorrente da autoridade de caso julgado que emana das decisões judiciais proferidas no processo n.º 539/05.1TBCBC e, em consequência, absolveu a Ré “A. T., Construções, Lda.” da instância, determinando, ainda, o seguinte [transcrição]: «Notifique, sendo o autor para se pronunciar, no prazo de 10 dias, quanto à possibilidade de vir a ser condenado enquanto litigante de má-fé com os fundamentos enunciados na contestação (designadamente, dedução de pretensão cuja falta de fundamento não deveria ignorar).

No mesmo prazo, deverá a ré indicar os prejuízos que teve em consequência da presente ação.

Aguarde-se pelo contraditório quanto aos requerimentos que, na sequência, forem apresentados pelas partes e, após, conclua a fim de ser proferida decisão sobre o incidente da litigância de má-fé.» Na sequência da notificação feita às partes, nos termos e para os efeitos ordenados na parte final do saneador-sentença acima referido, veio o A., por requerimento de 11/03/2019 (refª. 31812083), insurgir-se contra o pedido da sua condenação por litigância de má fé formulado pela Ré, alegando que questionou a existência de um erro na soma das facturas por parte da Ré, o qual é manifesto e o prejudica, não tendo na petição inicial ocultado qualquer pormenor e na falta de outro meio para poder ser reposta a verdade material, lançou mão do instituto do enriquecimento sem justa causa previsto no artº. 473º do Código Civil.

A Ré, por sua vez, através de requerimento apresentado em 11/03/2019 (refª...

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