Acórdão nº 228/17.4T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução12 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO Recorrente: (…) Recorridos: Ministério Público e (…) (…), instaurou a presente ação especial de interdição contra (…) sua mãe, em 29/03/2017, alegando, em síntese, que esta conta 78 anos de idade e desde 2007 tem vindo a perder progressivamente a sua audição, o que interfere no desenvolvimento da linguagem e da fala.

Acresce que desde janeiro de 2008, a requerida apresenta um quadro de demência e de debilidade.

Conclui que a requerida está incapaz de governar a sua pessoa e bens.

A requerida contestou impugnando a quase totalidade da factualidade alegada pelo Autor, requerendo que a ação seja julgada improcedente.

Realizou-se exame pericial à requerida.

Proferiu-se despacho em que se decidiu que o tribunal não procederia a interrogatório da requerida naquela concreta fase processual.

Fixou-se o valor da ação, proferiu-se despacho saneador tabelar e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo havido reclamações.

Conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e sujeitou-se a requerida a novo exame médico.

Designou-se data para a realização de audiência final.

Aberta a audiência final o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Entrou entretanto em vigor, naquilo que para o presente processo importa, o regime jurídico do maior acompanhado previsto na Lei 49/2018, de 14 de Agosto.

Esse regime, de acordo com o seu artigo 26.º, tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor e é precisamente no âmbito deste processo que nos encontramos. Diz-se ainda no artigo 26.º, nº2 que «O juiz utiliza os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes».

Ora, uma das alterações produzidas com a entrada em vigor desta lei é aquela que foi levada ao artigo 141.º do Código Civil. Diz-se no nº1 desse artigo que «O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.».

Diz-se ainda no nº 2 do mesmo artigo «O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível» parecendo, no nº3 do artigo 141.º que esse «pedido de suprimento» pode e deve ser apreciado neste processo.

Ora, se é inequívoco que em momento anterior à data da entrada em vigor da presente lei, o requerente filho da requerida/beneficiária tinha legitimidade para intentar a ação, parece, de acordo com esta norma levada ao Código Civil, que tem valor de direito adjetivo, que essa legitimidade terá agora que ser aferida para poder a requerente prosseguir com o processo, ou seja, parece resultar do artigo 141.º do Código Civil que o Tribunal só pode submeter o requerido a julgamento se a requerente demonstrar manter, de acordo com a nova lei agora em vigor, legitimidade para tal – legitimidade superveniente.

Para isso, de acordo com o artigo 141.º, terá o requerente de, ou obter autorização da requerida, ou então pedir, se não a obtiver, do Tribunal o suprimento dessa autorização, pois parece ao signatário que sem a verificação deste requisito, não pode submeter a requerida a julgamento, de acordo com as normas levadas ao novo regime do maior acompanhado.

Assim sendo, notifica-se a requerente para, em conformidade e no prazo de dez dias, demonstrar que a legitimidade originária que tinha se mantém agora, de acordo com a nova lei.

Face ao exposto, dou sem efeito a presente diligência”.

O Autor apresentou requerimento em que refuta os argumentos aduzidos pelo tribunal, sustentando que continua a dispor de legitimidade ativa para instaurar a ação de interdição e para com ela prosseguir e isto, não obstante a entrada em vigor da nova lei.

Por sua vez, a requerida pronunciou-se no sentido do Autor não dispor de legitimidade ativa para prosseguir com a presente ação de interdição face à entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14/08.

O tribunal a quo, ao abrigo do princípio da adequação formal, ordenou que fosse aberta vista ao Ministério Público no sentido de informar se pretende intervir nos autos, a título principal, do lado ativo da demanda.

Tendo tido vista nos autos, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que “face ao teor dos relatórios da perícia médico-legal juntos aos autos, não pretende intervir nos autos, a título principal, do lado ativo da demanda”.

Após, proferiu-se sentença julgando extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e que consta do seguinte teor: “Com a entrada em vigor da Lei 49/2018 de 14.8, vincou-se nas normas levadas ao artigo 891.º, 1 do Código de Processo Civil (designadamente com a aplicação das regras próprias dos processos de jurisdição voluntária ao processo de maior acompanhado) e ao artigo 141.º do Código Civil (com a obrigatoriedade de, fora dos casos da atuação do Ministério Público e suprimento judicial, o acompanhamento ser requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, por determinadas pessoas) o entendimento de que não há, ou não pode haver, conflitos de interesses a dirimir no regime jurídico do maior acompanhado. O interesse a prosseguir é o de apenas uma pessoa: o do/a maior que se pretende ver acompanhado/a. E, para tanto, não admite a nova lei, salvo nos casos que exceciona, que a manifestação desse interesse se faça ao arredio da vontade do interessado na medida (agora designado por beneficiário). Ou este requer a medida de acompanhamento ou concorda que esse requerimento seja deduzido por pessoa que a lei aponta.

Dito de outra forma: o interesse do requerido deixou, fora da atuação do Ministério Público e do suprimento da autorização do tribunal, de poder ser, sem a obtenção da autorização do interessado, questionado isoladamente.

E, perdendo a aqui requerente, ainda que supervenientemente, legitimidade para, isoladamente, questionar o interesse da aqui requerida em beneficiar de medida de acompanhamento, impossível se torna o prosseguimento da ação, sob pena de, em plena vigência do novo regime jurídico, se submeter a aqui requerida, contra a sua vontade, aos efeitos de uma decisão judicial, seja ela qual for – de procedência ou improcedência – decorrentes de um processo cuja existência não admite.

Assim sendo, perdendo a requerente a legitimidade ativa processual outrora prevista na lei, e não tendo a ilegitimidade sido, pela via do mecanismo da adequação processual, suprida, impõe-se a extinção dos autos ao abrigo do disposto no artigo 277.º, e) do CPC.

Pelo exposto, julgo a ação extinta por impossibilidade superveniente da lide.

Valor: €30.000,01 Custas em partes iguais – artigo 536.º, 2, a) do CPC”.

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso interposto da sentença despacho proferido a fls… pela Instância Local de Ponte de Lima do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no processo supra referido, de acordo com a qual foi “Assim sendo, perdendo a requerente a legitimidade ativa processual outrora prevista na lei, e não tendo a ilegitimidade sido, pela via do mecanismo da adequação processual, suprida, impõe-se a extinção dos autos ao abrigo do disposto no artigo 277.º, e) do CPC.” 2) Absit injuria verbo, não pode o Recorrente conformar-se com tal sentença/decisão. Isto porque, entendeu o digníssimo Tribunal “a quo” que “Com a entrada em vigor da Lei 49/2018 de 14.8, vincou-se nas normas levadas ao artigo 891.º, 1 do Código de Processo Civil (designadamente com a aplicação das regras próprias dos processos de jurisdição voluntária ao processo de maior acompanhado) e ao artigo 141.º do Código Civil (com a obrigatoriedade de, fora dos casos da atuação do Ministério Público e suprimento judicial, o acompanhamento ser requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, por determinadas pessoas) o entendimento de que não há, ou não pode haver, conflitos de interesses a dirimir no regime jurídico do maior acompanhado. O interesse a prosseguir é o de apenas uma pessoa: o do/a maior que se pretende ver acompanhado/a. E, para tanto, não admite a nova lei, salvo nos casos que exceciona, que a manifestação desse interesse se faça ao arredio da vontade do interessado na medida (agora designado por beneficiário). Ou este requer a medida de acompanhamento ou concorda que esse requerimento seja deduzido por pessoa que a lei aponta. (…) 3) E, perdendo a aqui requerente, ainda que supervenientemente, legitimidade para, isoladamente, questionar o interesse da aqui requerida em beneficiar de medida de acompanhamento, impossível se torna o prosseguimento da ação, sob pena de, em plena vigência do novo regime jurídico, se submeter a aqui requerida, contra a sua vontade, aos efeitos de uma decisão judicial, seja ela qual for – de procedência ou improcedência – decorrentes de um processo cuja existência não admite.

Assim sendo, perdendo a requerente a legitimidade ativa processual outrora prevista na lei, e não tendo a ilegitimidade sido, pela via do mecanismo da adequação processual, suprida, impõe-se a extinção dos autos ao abrigo do disposto no artigo 277.º, e) do CPC.

Pelo exposto, julgo a ação extinta por impossibilidade superveniente da lide.”. – (cfr. com sentença recorrida).

4) Salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa não se crê que assista razão ao digno tribunal a quo.

5) Estamos perante um problema de aplicação da lei processual no tempo, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12.º, n.º 1 do CC.

6) A lei só se aplica aos factos que depois da sua entrada em vigor se operaram; e, mesmo que normativamente...

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