Acórdão nº 3932/17.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelHEITOR GONÇALVES
Data da Resolução12 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. (…) , S.L., pede nesta ação declarativa a condenação solidária das rés (..) e (…), no pagamento da quantia de 29.261,56€, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, tendo liquidado os vencidos em 3.684,55€, com base no incumprimento do contrato de transporte terrestre internacional de mercadorias que teve por objecto a deslocação por terra de polvo, pois que a 1ª ré não procedeu à entrega da mercadoria ao destinatário indicado na declaração de expedição, o que sucedeu porque foi entretanto emitida nova declaração de expedição de tal mercadoria, da qual consta como transportadora a ré (…), declaração esta que é falsa, sendo a mercadoria descarregada em local diferente daquele indicado pela autora na declaração de expedição.

As rés contestaram por excepção e impugnação.

Em síntese, além de arguirem a prescrição do direito invocado pela demandante, alegaram que o contrato de transporte não foi estabelecido com a autora, mas com o destinatário da mercadoria, e que a autora não sofreu qualquer prejuízo pois ao entregar a mercadoria à transportadora deixou de ser proprietária da mesma, não podendo responsabilizar as rés pelo incumprimento do contrato de compra e venda.

Findos os articulados, foi realizada uma audiência prévia, no decurso da qual foi saneado o processo e proferido o despacho a que alude o artigo 596.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, após o que prosseguiram os autos para julgamento, que culminou com a prolação da sentença final, absolvendo a ré (..) do pedido da ação e condenando a ré sociedade (…) no pagamento à autora da quantia de 29.261,56€ (vinte e nove mil duzentos e sessenta e um uros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 5%, desde 28/07/2017 até ao efectivo e integral pagamento.

  1. Recorreram da sentença final a ré (...) e, subordinadamente, a autora.

    Conclusões do recurso da ré (…) (recurso principal)

    1. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida a fls. (…), a qual julgou totalmente procedente a presente ação contra a 1. ª Ré X e, em consequência, condenou-a a proceder ao pagamento à Autora da quantia de Euros 29.261,56, acrescida de juros de mora à taxa de 5%, contados desde 28 de julho de 2017, até integral e efetivo pagamento; b) Em primeiro lugar, refira-se que a sentença recorrida é nula, na medida em que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre todos os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados e relativamente aos quais foi produzida prova (artigo 40.º da Petição Inicial e 9.º da contestação); c) Apesar de i) a presente ação ter como causa de pedir o incumprimento do contrato de transporte e ii) de ser facto controvertido no âmbito da presente ação que partes acordaram entre si o transporte do polvo, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal matéria; d) Não consta de nenhum ponto da matéria de facto a quem o referido adquirente da mercadoria à Autora solicitou a prestação dos serviços de transporte, se à 1.ª Ré ou à 2.ª Ré Transportadora ...; e) Nem da matéria de facto não provada (que apenas incide sobre a data do transporte), nem da fundamentação da sentença recorrida (que apenas se refere “à transportadora”) se consegue concluir quem o Tribunal a quo considerou ser contraparte do adquirente no contrato de transporte; f) Pretender inferir-se que, se o Tribunal a quo condenou a 1.ª Ré, tal condenação deverá decorrer do facto de o Tribunal a quo ter considerado que o adquirente do polvo contratou o transporte com a 1.ª Ré X, tal conclusão tem por base a própria condenação, o que não se revela admissível, sob pena de violação de todos os princípios que regulam o processo civil.

      g) Sem prejuízo do acima exposto, caso o Tribunal a quo se tivesse efectivamente pronunciado sobre a matéria alegada pelas partes, nomeadamente, a matéria alegada nos artigos 40.º da petição inicial e 9.º da contestação, tinha concluído que foi a 2.ª Ré Transportadora ... quem foi contactada pelo adquirente da mercadoria para efetuar o transporte, a qual por sua vez subcontratou a 1.ª Ré X; h) Tal factualidade está provada pelas declarações de parte do legal representante da Ré, pelo depoimento da testemunha M. F. e pelas declarações de parte da legal representante da Autora, nos termos melhor transcritos nas presentes alegações, sendo que, o Tribunal a quo expressou a sua convicção, durante o interrogatório à testemunha, no mesmo sentido; i) Em face do exposto, e uma vez que a factualidade relativa à identificação das partes contratantes do transporte é matéria essencial à decisão da causa, requer-se seja a matéria de facto aditada, mediante a alteração da alínea W) da factualidade provada, nos seguintes termos: “A realização do transporte foi solicitado pelo adquirente da mercadoria à 2.ª Ré Transportadora ..., a qual, por sua vez atribuiu o serviço à 1.ª Ré X”.

      j) Acresce ainda que, o Tribunal a quo deveria ainda ter tido em conta os factos instrumentais que resultaram da instrução da causa, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil; k) No caso sub judice, a legal representante da Autora, nas declarações por si prestadas e acima transcritas asseverou que o adquirente da mercadoria, M. S., com quem a Autora contratou e a quem vendeu a mercadoria, lhe confirmou ter efetivamente recebido a mercadoria, conforme aliás resulta das suas declarações acima transcritas; l) Na medida em que nos presentes autos se discute o incumprimento do contrato de transporte, a efetiva entrega da mercadoria é relevante para a decisão da causa, pelo que deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo; m) Ainda com relevância para a decisão da causa, ficou demonstrado nos autos que a mercadoria foi vendida pela Autora ao comprador M. S., “… Work”; n) Tal facto resulta provado das declarações da legal representante da Autora que confirmou ter “vendido a mercadoria à porta da fábrica” - conforme declarações acima transcritas e devidamente identificadas -, bem como dos documentos n.º 4 e 5 junto com a petição inicial; o) Em face do exposto, e uma vez que os dois factos acima descritos são muito relevantes para a decisão da causa, sempre o Tribunal a quo deveria tê-la incluído na matéria de facto provada, pelo que se requer o seu aditamento nos seguintes termos: “X) O adquirente da mercadoria, M. S., com quem a Autora contratou e a quem vendeu a mercadoria, confirmou à Autora que tinha efetivamente recebido a mercadoria e Z) A Autora vendeu a mercadoria à porta da sua fábrica, onde o adquirente da mesma a foi levantar; p) Sem prejuízo do que antecede, e mesmo que assim não se entendesse, sempre se diga que o direito da Autora está já prescrito; q) Entendeu o Tribunal a quo que “ à luz dos factos provados é manifesto que a 1.ª Ré X agiu com negligência grosseira”, vindo a concluir que o comportamento negligente da Recorrente deve ser equiparado ao dolo, por aplicação do regime do artigo 798º do Código Civil (e por essa razão, entender aplicar-se o prazo de três anos de prescrição aos caso de neglicência); r) Ora, salvo o devido respeito que o Tribunal a quo lhe merece, não se pode aceitar que sejam aplicadas as regras do instituto da responsabilidade civil à prescrição, porquanto cada um dos institutos tem regras, finalidades e naturezas jurídicas distintas que impedem qualquer equiparação ou analogia; s) As regras da prescrição e mais precisamente dos prazos que originam a sua verificação visam precisamente garantir a segurança do trafego jurídico, evitando que os cidadãos fiquem à mercê do tempo e da atuação (ou não) de terceiros, principio, aliás, consagrado constitucionalmente; t) A Convenção da CMR prevê expressamente um prazo de três anos nos casos de dolo, pelo que, não poderá admitir-se o alargamento de tal prazo também para as situações de negligência, na medida em que, a legislação nacional, não prevê tal equiparação; u) Veja-se no sentido ora defendido e expressamente sobre esta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de janeiro de 2009, proferido no âmbito do processo (disponível em www.dgsi.pt); v) Caso, porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, diga-se que, ainda assim, nunca a 1.ª Ré poderia ter sido condenada nos termos em que o foi, uma vez que, conforme resulta da matéria de facto provada, o contrato foi celebrado entre a 2.ª Ré Transportadora ... e o adquirente da mercadoria; w) A 1.ª Ré X, enquanto subcontratada, é apenas responsável perante a 2.ª Ré Transportadora ..., pelo cumprimento das obrigações de transporte, sendo que esta, por sua vez, responde perante o expedidor.

    2. Com efeito, bastará atentar-se quer nas normas da Convenção CMR quer no artigo 368.º do Código Comercial para se concluir que é a 2.ª Ré Transportadora ..., quem responde perante o expedidor da mercadoria, como se ela própria tivesse executado o transporte, tendo, porém, direito de regresso sobre o seu subcontratado, no caso a 1.ª Ré X, e aqui Recorrente, caso esta não venha a cumprir as suas obrigações de transporte, conforme aliás resulta do artigo 3.º da Convenção CMR; y) Aplicando-se tal regime ao caso em apreço, sempre se concluirá que a 1.ª Ré não pode ser diretamente responsável perante a Autora, terceira entidade face à relação de transporte estabelecida entre a 2.ª Ré (transportadora) e o adquirente da mercadoria (expedidor e destinatário); z) Caso, porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, diga-se que, ainda assim, a presente ação improcede totalmente, porquanto, o Tribunal a quo não aplicou corretamente, nem as regras previstas na Convenção CMR relativas ao contrato de transporte, nem interpretou adequadamente a doutrina e jurisprudência que se têm debruçado sobre a relação de transporte; a

    3. E mesmo que se admita que o contrato de transporte foi celebrado entre a 1.ª Ré e o adquirente da mercadoria - o que não se concede e...

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