Acórdão nº 2518/19.2YLPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório C. F.

e mulher, M. C.

, instauraram, junto do Balcão Nacional do Arrendamento, procedimento especial de despejo n.º 2518/19.2YLPRT contra M. S.

e mulher, M. E.

, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento de duração limitada iniciado a 01 de setembro de 1994 e celebrado pelo prazo limitado de 5 anos, por oposição à renovação por parte dos senhorios notificada aos requeridos em 22-06-2018, e na qual era pedida a entrega do locado aos requerentes até 31-08-2019, o que os requeridos não fizeram.

No prazo previsto para o efeito vieram os arrendatários M. S. e mulher, M. E., deduzir oposição do procedimento especial de despejo, alegando, em síntese, que a oposição à renovação que estes fizeram ao contrato de arrendamento celebrado é ineficaz, por efeito da aplicação do artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2018, de 16-07 e do artigo 14.º, n.º 3, da Lei n.º 13/2019, de 12-02.

Remetidos os autos à distribuição foi concedido o contraditório aos requerentes do procedimento, vindo estes alegar que os diplomas invocados não têm aplicação no caso concreto, sustentando a improcedência da oposição apresentada.

Após foi proferida sentença que conheceu do mérito da causa, julgando a oposição ao procedimento especial de despejo totalmente improcedente.

Inconformados, os requeridos apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Tendo o Tribunal dado como provado que: “2. Por meio de notificação judicial avulsa efetuada no dia 22 de Junho de 2018, C. F. e mulher M. C. comunicaram a M. S. e M. E. o seguinte: "( ... ) pretendem impedir a renovação automática do presente contrato de arrendamento, pondo-se á renovação do mesmo ( ... ). Assim não se operará a renovação automática do referido contrato, devendo os requeridos proceder á entrega do arrendado (e suas respetivas chaves), livre e devoluto e em perfeito estado de conservação e utilização até ao dia 31 de Agosto".

  1. Nunca o Tribunal poderia concluir, na aplicação do Direito aos Factos Provados (na sua apreciação de “Direito” da Douta Sentença), que a oposição á renovação efetuada pelos senhorios (aqui Recorridos) produziu efeitos no dia 31 de Agosto de 2019, pois aquele facto provado é completamente omisso quanto ao ano a que respeita 31 de Agosto.

  2. Pelo que não poderia o Tribunal julgar improcedente a oposição deduzida pelos aqui Recorrentes ao procedimento especial de despejo e, assim sendo, estamos inequivocamente perante uma Nulidade da Douta Sentença agora recorrida, nos termos do artigo 615º, nº1, alínea c), do Código de Processo Civil.

  3. Contudo, e sem conceder, 5. Está assente e provado que: os Recorrentes á data da notificação judicial avulsa (de 22/06/2018) da oposição á renovação do contrato de arrendamento tinham a idade de 69 anos (Recorrente marido) e 61 anos (Recorrente mulher); os Recorrentes, também á data de 22/06/2018, já residiam no arrendado há mais de 23 anos (desde 01/09/1994); Tudo isto resulta dos Factos Provados nºs 1,2,3,4 e 5 da Douta Sentença.

  4. Entendeu o Tribunal que a Lei n° 30/2018, de 16/07, não tem aplicação no caso dos autos e, como tal, não estavam os aqui Recorridos impedidos de efetuar a oposição á renovação (esta ocorreu em momento anterior á entrada em vigor daquela Lei), nem esta se deve considerar suspensa (a sua produção de efeitos não ocorreria até 31/03/2019 mas sim para além do período de vigência da mesma Lei, e que a opção desta foi de apenas suspender a eficácia da oposição á renovação cuja produção de efeitos estivesse iminente - até 31/03/2019 -, optando por deixar de fora todas aquelas cuja produção de efeitos estivesse projetada para além do prazo), invocando assim para tal entendimento os nºs 1 e 2 do artigo 3° daquela Lei.

  5. Muito mal andou o Tribunal ao considerar que a Lei n° 30/2018 não tem aplicação ao caso concreto dos autos. Com efeito, 8. Tal diploma veio criar um regime extraordinário para a proteção de arrendatários idosos ou com deficiência, estabelecendo que até 31/03/2019 ficam suspensos todos os processos (incluindo os que já tivessem sido iniciados antes da entrada em vigor daquela Lei) de oposição á renovação ou denúncia de contrato de arrendamento, por parte do senhorio, quando o inquilino for uma pessoa com 65 ou mais anos ou com um grau de deficiência de pelo menos 60%, que resida na mesma casa há mais de 15 anos.

  6. Tal Lei serviu para proteger de despejo os grupos sociais mais vulneráveis até que fosse aprovado novo pacote legislativo de habitação, conforme resulta dos artigos 1º,2º e 3º da citada Lei.

  7. Inclusive, quando no âmbito dos contratos abrangidos por esta Lei, ficariam suspensos procedimento especial de despejo ou a competente ação judicial de despejo, com fundamento nas alíneas b) e c) do artigo 1101º do CC, ou na sequência da oposição pelo senhorio á renovação (artigo 4º da citada Lei).

  8. Resultando provado que os Recorrentes á data da notificação judicial avulsa (datada de 22/06/2018) da oposição á renovação do contrato tinham 69 anos de idade (Recorrente marido) e 61 anos de idade (Recorrente mulher), que também á data de 22/06/2018 já residiam no arrendado há mais de 23 anos (desde 01/09/1994), é inequívoco que aqueles estavam abrangidos pelo regime estabelecido na Lei nº 30/2018, independentemente de tal oposição á renovação do contrato de arrendamento ter ocorrido em momento anterior á entrada em vigor daquela Lei ou independentemente da produção dos efeitos ocorrer para além do período de vigência da mesma Lei.

  9. Aquela Lei não quis apenas suspender a eficácia das oposições á renovação cuja produção de efeitos estivesse eminente nem tão pouco deixar de fora todas aquelas cuja produção de efeitos estivesse projetada para além desse prazo (31/03/2019), pois se assim não fosse existiria uma inequívoca e considerável contradição com o âmbito da aplicação da mesma, excluindo muitas situações de regime extraordinário e transitório por ela instruída.

  10. Pelo que os argumentos e interpretação do Tribunal quanto á não aplicação aos presentes autos da Lei nº 30/2018. são completamente erróneos, sem cabimento e extravasam em muito o âmbito e razão de ser da mesma Lei.

  11. Entendeu, ainda, o Tribunal que a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não tem também aplicação ao caso concreto dos autos, argumentando, por um lado, que a oposição á renovação efetuada pelos senhorios (Recorridos) não foi feita na vigência da mesma Lei mas em momento anterior á sua entrada em vigor, e por outro lado, argumenta que o artigo 14°, n° 5 da citada Lei veio declarar ineficazes apenas as oposições á renovação que hajam sido efetuadas durante a vigência da Lei nº 30/2018.

  12. Concluindo o Tribunal que a oposição á renovação efetuada pelos senhorios produziu efeitos no dia 31/08/2019 e, como tal, estavam os inquilinos obrigados a restituir o locado nessa mesma data (artigo 1038º, al. i), do CC).

  13. Mais uma vez muito mal andou o Tribunal ao considerar que a Lei nº 30/2019, de 12 de Fevereiro, não tem aplicação ao caso concreto dos autos. Senão vejamos, 17. Esta Lei nº 13/2019 pretendia dar resposta a algumas preocupações causadas pela pressão imobiliária sentida no país, corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano, combater o assédio no arrendamento e proteger arrendatários em situações de especial fragilidade.

  14. Surge no seguimento do regime extraordinário instaurado pela Lei nº 30/2018, a qual veio converter, de forma definitiva, algumas das medidas que o legislador quis acautelar.

  15. O nº 3 do artigo 14° da Lei nº 13/2019, pese embora seja uma norma de natureza transitória, introduz uma alteração ao artigo 26º da Lei 6/2006 (o qual se aplica a arrendamento habitacionais celebrados na vigência do RAU e a arrendamento não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei nº 257/95), dizendo apenas respeito a arrendamento habitacionais celebrados na modalidade temporal de “duração limitada” (contratos a prazo).

  16. Pelo que, o arrendatário que já vive no local arrendado há mais de 20 anos, na data da entrada em vigor da presente Lei (contratos anteriores a 13 de Fevereiro de 1999), e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau de incapacidade superior a 60%, fica protegido face á possibilidade de o locador se opor á renovação do contrato, sendo que tal oposição passa a ser apenas possível na hipótese da aI. b) do artigo 1101° do Código Civil, ou seja, em caso de extinção para a realização de obras.

  17. A factualidade dos presentes autos subsume-se a este quadro jurídico, ou seja, o aqui Recorrente M. S. (que outorgou o contrato de arrendamento nos autos com vigência a partir de 01/09/1994 no estado de casado com a também recorrente M. E.) tinha, e tem, á data da entrada em vigor da Lei n° 13/2019 mais de 65 anos de idade e vive no locado há mais de 20 anos, verificando-se estas circunstancias inclusive á data da notificação judicial avulsa (datada de 22/06/2018) da oposição á renovação do contrato de arrendamento.

  18. Pelo que inequivocamente o artigo 14°, n" 3, da Lei n° 13/2019 aplica-se rigorosamente ao contrato de arrendamento dos autos e celebrado entre Recorridos e Recorrentes, ao contrário do entendimento do Tribunal na Douta Sentença.

  19. Aliás, nem tão pouco se pode colocar minimamente em causa a aplicabilidade do citado artigo 14º, nº3, da citada Lei ao contrato de arrendamento dos autos por eventual violação de qualquer princípio constitucional da nossa Constituição da República.

  20. A realidade factual e a consequente fragilidade de uma das partes, o arrendatário, sustenta a confiança e a segurança do cidadão na ordem jurídica e a este propósito, e porque estão em causa os mesmos interesses, convêm recordar o Acordão do Tribunal Constitucional nº 297/2015, in DR, II Série de 07.07-2015: “Julga inconstitucional a alteração...

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