Acórdão nº 2240/19.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 15 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório R. F. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra J. L., pedindo que seja reconhecido e declarado que é filho do Réu, com as legais consequências e que se ordene o correspondente averbamento no respectivo assento de nascimento.
Para tanto alegou, em síntese, que foi registado na CRC de … como filho de M. F., sem que nada ficasse a constar quanto à paternidade.
Em 2018, ficou a saber que a sua mãe e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa e que fruto dessas relações nasceu o autor.
*Citado, o réu apresentou na contestação, na qual pugnou pela procedência das invocadas exceções de caducidade do direito à ação e do abuso de direito, por o autor agir apenas com o intuito de conseguir vantagens patrimoniais (ref.ª 33664438).
*O autor apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções (ref.ª 34059147).
*Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foram relegadas para final o conhecimento das invocadas excepções; procedeu-se à identificação do objeto do processo, à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª 44702098).
*Procedeu-se à realização de audiência de julgamento (ref.ª 45861812).
*Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual, julgando procedente a excepção de caducidade da ação, absolveu o réu do pedido (ref.ª 45890608).
*Inconformado com esta sentença, dela recorre o autor (ref.ª 37596946), o qual, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I- A sentença ora em recurso, enferma de erro na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento e prova documental, nomeadamente aos factos dados como Não Provados, no paragrafo 1, 2, 4 e 5 da douta sentença.
II- Com efeito, os meios probatórios constantes do processo e da gravação dos depoimentos das testemunhas, impunham ao julgador decisão diversa da recorrida.
III- O M.mo. Juiz recorrido deu como não provado os factos no paragrafo 1, 2, 4 e 5 da douta sentença, quando na nossa modesta opinião impunha resposta diferente, ou seja, ser considerado como Provado.
IV- A prova testemunhal não permitia, como não permite, que o M. mo. Juiz “a quo” dê como não provados os factos elencados.
V- A testemunha M. R. referiu ter conhecimento dos factos, porque chegou a trabalhar para a mãe do Autor, e a mesma em conversa lhe confidenciou quem era o pai do Autor.
VI- Afirmou ao longo do seu depoimento que a mãe do Autor lhe pediu para não dizer ao Autor quem era seu pai.
VII- Referiu que o Autor obteve esse conhecimento no Natal de 2018 numa zanga com a irmã, a mesma “lhe atirou à cara” quem era seu pai.
VIII- Baseado no depoimento da testemunha M. R. facilmente se constata, que o Autor apenas teve conhecimento dos factos em 2018, numa briga com a irmã e que a própria mãe do Autor sempre pretendeu ocultar a verdade ao Autor.
IX- Baseado, na testemunha M. O., esposa do Réu pode-se constatar que, o Autor era uma pessoa acarinhada pela família do Réu, e até pelo Réu e pela sua esposa X- Os mesmos se contactavam por telemóvel, para ter notícias da irmã e cunhada.
XI- Assim como podemos também retirar deste depoimento que o Autor nutria um grande carinho por esta família.
XII- O Tribunal “a quo” argumentou a sua decisão com base na testemunha, esposa do Réu M. O., quando a mesma afirmou que o Autor mandava rezar missas intitulando-se como sobrinho.
XIII- Porém, o Tribunal recorrido não levou em conta o depoimento da testemunha A. V. que, afirmou que nunca ouviu o Autor a intitular-se como sobrinho da falecida.
XIV- É de estranhar que uma pessoa que reside no Porto, vá ouvir missas a ..., a 100 quilómetros de distância da sua residência e se apercebe que na freguesia o Autor se intitula como sobrinho da falecida.
XV- Quando na realidade a testemunha A. V., que reside em ..., no seu depoimento afirmou que nunca ouviu o Autor intitular-se como sobrinho da D. OT., cunhada da testemunha e irmã do Réu.
XVI- Não se percebe também como o tribunal “a quo” deu como provado a troca de mensagens entre o Autor e a testemunha, quando nem sequer foi feita qualquer prova, se aquele é ou não o número de telemóvel do Autor, e até sobre a veracidade das mensagens, para além que se pode verificar, que os números que constam nas duas mensagens não é o mesmo.
XVII- É certo que o povo da freguesia falava, mas também é certo pelos depoimentos das testemunhas em sede de audiência e julgamento, que nunca ouve uma certeza, era mais uma especulação do povo.
XVIII- Foi provado que a mãe do Autor, queria manter em segredo para com o Autor, quem era o seu pai, XIX- O próprio Réu, e conforme o depoimento da sua esposa M. O. “ele nunca pensou quer era pai, não assumia porque não tinha confiança que era pai”.
XX- Posto isto, e salvo melhor opinião, entendemos que o Tribunal recorrido esteve mal ao proceder a exceção da caducidade invocada pelo Réu, uma vez que o Autor apenas teve constatação mais segura quando a sua irmã lhe disse em 2018.
XXI- Assim, os factos que o M.mo. Juiz recorrido deu como não provados nos parágrafos 1, 2, 4 e 5 da sentença deveriam ser dados como provados e em consequência a exceção invocada pelo Réu ser improcedente.
XXII- Foi violado o art.º 1817º n.º 3 alínea c) do Código Civil.
XXIII- Foi feita prova suficiente que, apenas em 2018 é que o Autor obteve factos concretos que justificassem a proposição da ação contra o Réu.
XXIV- E não há dúvidas quanto relatório pericial, onde resulta que a probabilidade do Réu ser pai do Autor é de 99,99992% Termos em que, a douta decisão recorrida, deve ser revogada, sendo substituída por decisão que reconheça a tempestividade, da presente ação de investigação da paternidade, e reconhecer que o Réu é o pai do Autor, seguindo-se os demais termos legais.
Assim decidindo, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, farão Vossas Excelências a devida JUSTIÇA!!!».
*Contra-alegou o Réu, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida (ref.ª 37934539).
*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (ref.ª 46447002).
*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II. Delimitação do objeto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: i) - da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; ii) - da caducidade do direito de propor a ação de investigação da paternidade; iii) - em caso negativo, se procede a excepção de abuso de direito.
*III.
Fundamentos IV. Fundamentação de facto.
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. O autor nasceu em - de Setembro de 1959, na freguesia de ...
, concelho de Caminha – certidão de nascimento junta com a p.i..
-
O autor foi registado como filho de M. F. e sem qualquer registo de paternidade.
-
A mãe do autor, M. F. faleceu em - de Junho de 1999 – certidão de nascimento junta com a p.i..
-
A mãe do autor manteve com o réu relações sexuais de cópula completa.
-
Foi na sequência dessas relações que a mãe do autor engravidou, gravidez essa de que veio a nascer o autor.
-
O réu é uma pessoa respeitada na freguesia de … que pela sua perseverança e trabalho adquiriu património imobiliário na freguesia de …, concelho de Caminha.
*Factos não provados: - A mãe do autor foi empregada doméstica do réu, no final da década dos anos 50 e início da década dos anos 60.
- Em 2018, numa discussão com o seu irmão, o autor descobriu que a sua mãe e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa durante o tempo em que ela trabalhava como doméstica para o réu.
- Nesse período, a mãe do autor não mantinha relações sexuais com mais ninguém.
- O autor sempre nutriu um grande carinho pelo réu, do qual era retribuído, mas nunca desconfiou, dos verdeiros motivos.
- O autor tentou junto do réu descobrir a verdade, mas o mesmo recusa-se a falar sobre o assunto.
- O autor age nesta acção com o intuito de extorquir vantagens patrimoniais do réu.
*IV. Fundamentação de direito 1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios...
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