Acórdão nº 7074/18.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório O Ministério Público instaurou ação de processo comum contra Herdeiros de D. D.
, A. L.
e M. C.
, formulando os seguintes pedidos: a) se declare que C. S. é o legítimo proprietário do veículo da marca SAME, com a matrícula EV, quadro ...
e motor ...
, que adquiriu a X - Sociedade ... de Máquinas Agrícolas, Lda., e cuja propriedade se encontra registada a seu favor na Conservatória do Registo Automóvel pela apresentação n.º ..
de 03-06-1978; e, b) em consequência, se declare a nulidade dos registos feitos a coberto das apresentações: - n.º 4 de 13-05-1986 - registo de propriedade a favor de D. D.; - n.º 12 de 07-10-1996 - registo de propriedade a favor de A. L.; - apresentação n.º ..
, de 27-07-2006 - registo de propriedade a favor de M. C.; c) se ordene o cancelamento das supra referidas transcrições.
Para tanto, alegou, em síntese: - o trator com a marca SAME, quadro n.º ...
e motor ...
foi inscrito no registo automóvel pela apresentação n.º 6 de 9-11-1977 a favor de X-Sociedade ... de Máquinas Agrícolas, Lda.; - pela apresentação n.º 9 de 03-06-1978 foi inscrita no registo automóvel a propriedade do veículo atrás referido a favor de C. S., por compra verbal a X-Sociedade ... de Máquinas Agrícolas, Lda., encontrando-se presentemente à guarda de um dos herdeiros de C. S., sua filha M. J.; - o trator marca SAME, quadro ...
, motor ...
foi igualmente inscrito no registo automóvel, desta feita pela apresentação n.º 4 de 13-05-1986, sob a matrícula EV, a favor de D. D., por compra a J. J.
.
- o primeiro veículo indicado pelo autor não foi vendido nem entregue por C. S. a J. J., sendo que com a apresentação n.º 4 de 13-05-1986 e correspondente pedido de registo não foi anexado qualquer documento identificativo do veículo cuja propriedade se pretendia registar, nomeadamente o título de propriedade do referido veículo, sendo falso o requerimento para registo de propriedade do veículo a favor de D. D. porquanto J. J. nunca comprou o veículo acima referido e o C. S. nunca entregou o veículo com a matrícula EV, quadro n.º ...
e motor n.º ...
a J. J., não se tratando do mesmo veículo cujo registo foi requerido pela apresentação n.º 4 de 13-05-1986, sendo por isso, nulo o registo, como o são os relativos às subsequentes apresentações pois ao veículo de matrícula EV correspondeu sempre o quadro n.º ...
e o motor nº ...
, não tendo nunca sido atribuída a referida matrícula a veículo com o quadro n.º ....
O réu M. C. contestou, suscitando, além do mais, a ilegitimidade passiva por não figurar da ação um dos titulares da relação material controvertida, J. J., o suposto (primeiro) proprietário do veículo trator de marca SAME, com matricula EV, n.º de quadro ...
e de motor o n.º ...
, após o que veio o autor deduzir incidente de intervenção principal de J. J., o que foi deferido.
Foi citado o chamado J. J., o qual aderiu à contestação já apresentada pelo réu M. C.
.
Comprovado o óbito do chamado J. J. foram habilitados os respetivos sucessores para os termos da presente ação.
Findos os articulados foi o autor convidado a esclarecer o alcance dos pedidos formulados atenta a eventual ilegitimidade ativa do Ministério Público face aos mesmos, vindo o Ministério Público reiterar os pedidos formulados e a respetiva legitimidade para propor a presente ação em face da relação material controvertida configurada na petição inicial.
Em contraditório face aos esclarecimentos prestados pelo autor vieram os intervenientes/habilitados M. J. e M. L. pugnar pela ilegitimidade processual ativa do Ministério Público na presente ação por atuar fora das suas atribuições e competências, sustentando que a prossecução do interesse público implicaria que o autor visasse a fidedignidade do registo automóvel e não antes, e em primeira instância, a declaração da titularidade do veículo de matrícula EV a favor de C. S., tanto mais que o registo automóvel nem sequer é constitutivo de direitos, não existindo norma legal expressa que atribua ao Ministério Público competência em matéria de defesa dos interesses particulares prosseguidos na presente ação.
Fixado o valor da ação, foi proferido despacho saneador no qual o Tribunal a quo julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, entendendo que os pedidos não permitem enquadrar a atuação do Ministério Público em nenhuma das alíneas do respetivo Estatuto, em consequência do que determinou a absolvição dos réus da instância.
Inconformado, o autor apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que julgue improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade e declare o Ministério Público parte legítima, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1.ª) A legitimidade da intervenção do Ministério Público para propor acções que tenham por objecto a validade do Registo decorre das suas competências na defesa do Estado Colectividade, nos termos dos artigos 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 16.º-B e 17.º, n.º 3, do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo automóvel por força do disposto no artigo 29.º, do Decreto n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, e 30.º, do Código de Processo Civil.
-
) É do interesse do Estado Colectividade que os registos oficiais da situação jurídica dos veículos a motor sejam autênticos, tutelando-se, em primeiro lugar, os interesses de terceiros indeterminados e do público e, reflexamente, o interesse privado daquele que aproveita do facto registado.
-
) O Ministério Público estruturou e configurou a Petição Inicial destinada à declaração de nulidade do registo assentando, no essencial, na premissa de que o requerimento apresentado por D. D., na Conservatória de Registo Automóvel, a 13-05-1986, para registo de aquisição a seu favor, por compra, do tractor com a matrícula EV é falso, por dois motivos: (i) porque quem constava no registo como seu proprietário – C. S. – o não transmitira a quem quer que fosse; (ii) e porque nesse requerimento se fez corresponder a matrícula EV ao quadro n.º ...
e ao motor n.º ...
, tendo este o quadro n.º ...
e o motor ...
(fls. 10 e artigos 6.º e 12.º, da PI).
-
) A declaração de falsidade da Apresentação de 13-05-1986 pressupõe que o legitimo proprietário fosse C. S. e não, como se fez constar falsamente do registo, D. D..
-
) Caso o petitório do Ministério Público fosse “estritamente privado”, como se diz ser na douta decisão recorrida, sempre a consequência do primeiro pedido seria a condenação dos RR. a restituírem o tractor ao seu legitimo proprietário e não, como se pediu, a declaração de nulidade dos registos subsequentes.
-
) Tanto assim é que, existindo dois tractores com a mesma matrícula e com diferentes números de quadro e de motor, é incontrovertido qual deles pertença a quem, não se alcançando sequer que da procedência da acção resultem consequências no património dos RR.
-
) Procedendo o pedido, tal-qual vem formulado, assegurar-se-á a autenticidade do Registo Automóvel e preservar-se-á a fé pública que o mesmo deve inspirar em todos os seus elementos e foi para alcançar tais utilidades, que consubstanciam interesses públicos cuja realização está a cargo do Ministério Público, que o pedido foi formulado nos aludidos termos.
-
) Não é por a procedência da acção ter reflexos na esfera jurídica dos particulares que o Ministério Público se priva de legitimidade para agir.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação do douto despacho ora recorrido, substituindo-se por outro que julgue improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade e declare o Ministério Público parte legítima.
V.as Ex.as, porém, decidirão conforme for de Direito e Justiça!» O réu M. C. apresentou resposta na qual defende a manutenção do decidido.
Também os intervenientes/habilitados - M. J. e M. L. - apresentaram contra-alegações, sustentando a manutenção do decidido.
O recurso foi então admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.
II.
Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir se o Ministério Público detém legitimidade processual para a instauração da ação em referência.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
-
Fundamentação 1.
Os factos 1.1.
Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I.
supra, relevando ainda as seguintes incidências processuais que se consideram devidamente documentadas nos autos: 1.1.1. Mediante petição inicial apresentada a 21-12-2018 o Ministério Público instaurou a presente ação alegando, além do mais, o seguinte: 1- Pela apresentação nº 6 de 9-11-1977 foi inscrita no registo automóvel a favor de X-Sociedade ...
de Máquinas Agricolas, Lda a propriedade do veículo (tractor)de marca SAME, com a matricula EV, quadro nº ...
e motor nº ...
- cfr doc. nº1 e doc. nº2.
2- Pela apresentação nº 9 de 03-06-1978 foi inscrita no registo automóvel a propriedade do veiculo atrás referido a favor de C. S. por compra verbal a X-Sociedade ...
de Máquinas Agricolas, Lda.- cfr. Docs nºs. 2 e 3.
3- C. S. nunca vendeu o referido veiculo.
4- C. S. faleceu em --12-2007 - cfr. Doc. nº.
5- O referido veiculo encontra-se à guarda de um dos seus herdeiros, sua filha M. J., na sua residência, sita em Rua …, Ponte de Lima .- cfr. doc. nº5 a 7. Porém, 6- Pela apresentação nº 4 de 13 de Maio de 1986, foi inscrita no registo automóvel a propriedade do veiculo tractor de marca de marca SAME, com a matricula EV, quadro...
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