Acórdão nº 855/20.2T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório J. S.
e M. F.
, instauraram procedimento cautelar de embargo de obra nova contra A. S.
e M. A.
, requerendo a suspensão imediata dos trabalhos e serviços que estão a ser executados para a construção da casa - habitação unifamiliar - enunciada na petição inicial.
Alegam, para o efeito, em síntese: - são proprietários de um prédio rústico denominado “Bouça ...”, composto por pinhal e mato, com a área de 1.600m2, o qual confronta atualmente a poente com o prédio dos requeridos - este inscrito na matriz rústica sob o art.º ...
.º de ...
, com a área declarada de 4.700m2 - sendo a separação entre os dois prédios feita por uma parede em pedra, com a altura máxima de 1,2 metros; - em 23 de novembro de 2020, os requeridos deram início no respetivo prédio à construção de uma habitação unifamiliar para a qual obtiveram prévio licenciamento na Câmara Municipal de ...
, conforme processo n.º LE-EDI-4/2015 e alvará de construção 34/2017; - a construção e implantação da casa situa-se na sua vertente nascente, em relação ao prédio dos requerentes, a 6,5 metros de distância, não garantindo uma faixa de 50 metros de distância para o prédio rústico propriedade dos requerentes, distância essa imposta pelo Dec. Lei 124/2006 de 28-06 (1), sendo que o terreno dos requerentes é uma bouça de pinheiros, eucaliptos e mato, desde o local de confrontação com o prédio dos requeridos, e por toda a sua área, situando-se a construção licenciada pelos requeridos, face ao atual PDM, e sempre se manteve, mesmo à data do licenciamento, em espaço rural (área agro florestal); - a licença administrativa que ordenou a emissão do alvará de licenciamento, com as vicissitudes e atropelos alegados, é claramente nula (não anulável) por violação da lei, e deveria ser imediatamente revogada pela autarquia, questão a decidir em fórum próprio, que não este tribunal; porém, o não distanciamento de 50 metros trará para os requerentes a obrigatoriedade de proceder à gestão de combustíveis no seu prédio numa faixa de 50 metros, nos termos do disposto no artigo 15.º do Dec. Lei 124/2006 de 28-06 pelo que a referida construção, com o distanciamento referido, não é permitida por lei e cria ex novo um ónus legal gerador de obrigações para o prédio e pessoa dos requeridos, e para toda a vida.
Concluem que os trabalhos de construção, iniciados em 23 de novembro de 2020, para além da ameaça aos seus direitos e interesses, causam prejuízos atuais e futuros aos requerentes, ofendendo o seu direito de propriedade, posse e gozo do prédio de que são donos, através do ónus legal que se cria e impõe a gestão de combustível das árvores situadas numa faixa de 50 metros de largura na zona confinante com o prédio e casa dos requeridos.
De seguida foi proferido despacho liminar, indeferindo liminarmente o procedimento cautelar.
Nessa decisão consignou-se, além do mais, o seguinte: «(…) Ora, analisados os fundamentos do requerente, verifica-se imediatamente que a obra em causa não viola o direito de propriedade do autor, nem tal é alegado.
Com efeito, o que se alega é que a construção, que é feita dentro dos limites do prédio dos requeridos, sem violar o direito de propriedade ou a posse dos requerentes, irá fazer emergir para os requerentes uma obrigação legal, a obrigação de procederem à gestão do combustível no seu prédio.
No entanto, salvo o devido respeito, essa circunstância não constitui a violação do direito de propriedade, mas um ónus a que qualquer proprietário rural está sujeito.
Assim sendo, será de indeferir liminarmente a providência em causa.
**Pelo exposto, indefere-se liminarmente se o presente procedimento.
Custas pelos requerente.
Notifique e registe».
Inconformados, os requerentes vieram interpor recurso de apelação pugnando no sentido da revogação da decisão e que a mesma seja substituída por outra que ordene o prosseguimento do procedimento de embargo judicial requerido, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Os Apelantes no seu requerimento inicial, alegaram factos que consubstanciam todos os requisitos legais e típicos do embargo, exigidos pelo nº1 do art. 397º do C.P.C.
- Alegaram o direito de propriedade e posse sobre o prédio de que dizem ser donos; - Alegaram o inicio de construção duma casa, pelos Apelados, há menos de 30 dias, num prédio destes, e a uma distância inferior a 6,5 metros da extrema do prédio dos recorrentes, com o qual confronta directamente; - Alegaram que essa construção é ilegal, face à lei, pareceres técnicos e até do recorrido.
- Alegaram a ofensa que essa construção opera no direito de propriedade, posse, direito de uso, fruição e disposição, dos Apelantes sobre o seu prédio.
Por tudo isto, o embargo devia ser deferido.
-
Estando em causa, e sendo único fundamento do indeferimento liminar da sentença, a ausência e inverificação da ofensa do direito de propriedade e posse sobre o prédio dos Requerentes, por causa da obra em construção levada a efeito pelos requeridos, nos termos que já alegamos, e que não repetimos, mas damos por inteiramente reproduzidos; a construção dos requeridos, além de manifestamente ilegal no seu licenciamento, ofende claramente o direito de propriedade dos Apelantes sobre o prédio de que são donos, e a posse, com a consequente liberdade de livre disposição do mesmo, uso e fruição.
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Os Apelados alteraram a função do prédio de que eram donos: passou de agro-florestal para terreno de construção.
Com essa alteração que é actual, pretendem criar um ónus sobre o prédio rústico dos vizinhos confrontantes, ao aí pretenderem construir uma casa.
Esse ónus e suas obrigações nunca existiram na lei.
É agora criado de novo pelos Apelados e pela sua acção, num manifesto VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM – o que é ilegal. O ónus é a pretendida e actual construção da casa.
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A douta sentença, claramente violou, entre outros, os arts. 397º e sgs. Do C.Civil, e arts. 15 e 16º do D.L. 124/2006 de 28 de Junho».
O recorrido apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito suspensivo da decisão Foi determinada a citação dos requeridos tanto para os termos do recurso como para os termos da ação, nos termos do artigo 641.º, n.º 7, do CPC, não tendo sido apresentadas contra-alegações.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.
II.
Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se à reapreciação do despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de embargo de obra nova, aferindo se deve ser determinado o prosseguimento da providência requerida; para o efeito, importa saber se as circunstâncias fácticas que foram alegadas pelos requerentes em sede de petição inicial são suscetíveis de permitir consubstanciar - desde que sumariamente demonstradas - os requisitos necessários ao deferimento do procedimento cautelar de embargo de obra nova, em especial quanto à eventual conformação da invocada ofensa ao direito de propriedade dos requerentes.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação 1.
Os factos 1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda as seguintes incidências processuais que se consideram devidamente documentadas nos autos: 1.1.1. Mediante requerimento inicial apresentado a 17-12-2020, os requerentes instauraram procedimento cautelar de embargo de obra nova alegando, além do mais, o seguinte: «1. Os requerentes são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico, denominado “Bouça ...”, composto por pinhal e mato, com a área de 1.600m2, o qual confronta a Norte com C. P., a nascente com Z. M., a Sul com A. A. e outro, a Poente com C. S. e outro, actualmente com os requeridos que adquiriram o prédio por herança, sito no lugar da Porta, freguesia de ...
, concelho de ...
, inscrito na matriz predial rústica sob o art.105 – Doc.1 – e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº … – freguesia de ...
– Doc.1 e 2.
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O direito de propriedade do prédio está registado em nome dos requerentes na respectiva Conservatória do Registo Predial – Doc.2.
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E são donos deste prédio, pelo mesmo lhes ter sido adjudicado em acto de partilhas e por sucessão hereditária, conforme o Doc.1 e 2 que se junta e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido; 4. Mas os requerentes, já adquiriram o direito de propriedade sobre o imóvel, por posse, já que há muito mais de vinte anos, que por si e antepossuidores, estão na posse pública, pacífica, titulada e ininterrupta do referido prédio, à vista de toda a gente, com animus de verdadeiros donos, cientes e conscientes de não lesarem direitos ou interesses alheios; 5. E por todo esse lapso de tempo, têm roçado o mato nesta bouça, abatendo pinheiros que utilizam no aquecimento de sua casa, vendendo ou doando a terceiros, pagando os respectivos impostos e taxas inerentes à condição de donos que são.
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Os requerentes adquiriram o direito de propriedade sobre a identificada bouça, quer por via derivada, quer por via originária – através de usucapião – que expressamente invocam.
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Aliás, presumem-se donos desse prédio, face ao registo do direito de propriedade em nome próprio, na respectiva Conservatória do Registo Predial – art.7º do C. R. Predial – Doc.2.
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Conforme o que já se alegou, o prédio dos requerentes atrás referenciado, confronta do seu lado Poente, com um prédio dos requeridos.
Este prédio estás inscrito na matriz rústica sob o art.
...
º (rústico) de ...
, tem a área declarada de 4700m2 –...
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