Acórdão nº 5193/19.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANIZABEL SOUSA PEREIRA
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório (que se transcreve): A autora D. V., residente na Rua …, Barcelos, intentou a presente acção declarativa contra C. C., residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos, pedindo que o réu seja condenado a restituir pelo menos 50% do valor do património adquirido através do esforço comum de ambos enquanto viveram em união de facto no período entre 2005 e 17 de Março de 2018, e que equivale a quantia não inferior a €945.446,50, bem como o valor que corresponde a 50% do património resultante dos depósitos a prazo, à ordem e demais aplicações financeiras em nome do réu em qualquer instituição financeira, cuja liquidação remete para momento posterior, bem como juros vencidos e vincendos.

*O réu apresentou contestação, invocando a excepção de prescrição do direito invocado, alegando que: - a união de facto, que a A. e R. iniciaram em Dezembro de 2006, dissolveu-se em - de Agosto de 2014, por vontade da A., bem como por vontade do R.; - já passaram mais de três anos desde a data da dissolução/rompimento da união de facto entre a A. e o R., ocorrida em 11/08/2014, e a data da citação do R. para esta acção, ocorrida em Outubro de 2019.

Deduziu ainda reconvenção contra a autora pedindo que seja declarada a dissolução no dia 11 de Agosto de 2014, por vontade da autora e do réu, da união de facto que estes iniciaram em Dezembro de 2006 e peticionando a condenação da demandante como litigante de má fé.

*Foi apresentada réplica, na qual se conclui pela improcedência da reconvenção e se peticiona a condenação do réu em multa e indemnização como litigante de má fé.

*Na sequência do despacho de fls. 331, a autora respondeu à excepção de prescrição através do requerimento de fls. 332 ss., concluindo pela sua improcedência.

Por despacho de fls. 342 foi suscitada oficiosamente a excepção de caso julgado no que concerne às questões já decididas no âmbito do processo penal nº 296/18.1GBBCL do Juízo Local Criminal de Barcelos - Juiz 2.

A autora pronunciou-se sobre a mesma através do seu requerimento de fls. 355 ss., cujos fundamentos aqui se dão por reproduzidos, concluindo que deverá improceder a reconvenção e a excepção de prescrição invocada pelo réu.

Por sua vez, o réu veio pronunciar-se através do seu requerimento de fls. 357 ss., concluindo pela procedência da reconvenção e da excepção de prescrição.

***Foi proferido despacho saneador a decidir do mérito da causa na parte acima enunciada com o seguinte dispositivo: “Em conformidade, julga-se improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu, bem como improcedente a reconvenção, absolvendo-se a autora do pedido reconvencional.

Custas da reconvenção a cargo do réu (art. 527º do Código de Processo Civil).

*Nos termos do art. 306º do mesmo Código, fixa-se à causa o valor de € 975.447,50.”*Inconformado com esta decisão, veio o R interpor recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho Saneador proferido pela Mma. Juiz “a quo”, na parte em que julgou: «Em conformidade, julga-se improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu, bem como improcedente a reconvenção, absolvendo-se a autora do pedido reconvencional. Custas da reconvenção a cargo do réu (art. 527º do Código de Processo Civil).».

  1. Resultando daquele douto despacho saneador sob recurso, não só um manifesto erro de julgamento quanto à aplicação da matéria de direito no caso concreto, muito por causa da falta de produção de prova necessária para julgar e decidir naquele sentido, tendo em conta os factos e fundamentos referidos para a Douta Decisão, como ainda a prática de um acto processual ferido do vício de nulidade.

  2. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto.

  3. Por seu lado, a decisão é nula, essencialmente, quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados.

  4. Nos termos do disposto no art.º 615.º do CPC, os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, tal como ocorre quando o Tribunal não trata de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

  5. Essencial torna-se que a fundamentação da sentença reflicta de forma clara, inteligível e segura a convicção a que o julgador chegou sobre os factos provados e não provados, e a aplicação subsumida do direito aos factos provados (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) – sob pena de nulidade (cfr. art.º 615.º, n.º 1, al.ªs b) e c), do CPC) –, pois, só desta forma é possível aos destinatários sindicar a justeza da decisão tomada no caso concreto.

  6. A errada fundamentação e apreciação dos factos provados, no processo 296/18.1CBBCL do Juízo Criminal de Barcelos – Juiz 2, levada a cabo pelo Tribunal “a quo” é mais do que manifesta, uma vez que a apreciação da questão reconvencional a decidir, levada pelos R./Recorrente aos autos, e a respectiva aplicação das normas jurídicas, ao caso concreto, não estão correctas. Exigindo-se, pois, neste sentido, a correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, que o Tribunal “a quo” não fez.

  7. O R./Reconvinte, através do seu pedido reconvencional, apenas pretende e pede em concreto que seja “declarada a dissolução no dia 11 de Agosto de 2014, por vontade da A. e do R., da união de facto que estes iniciaram em Dezembro de 2006”, ou seja, apenas pede que seja declarado que esta concreta e primeira união de facto da “A. e do R.

    ” teve o seu início em “Dezembro de 2006” e “dissolução no dia 11 de Agosto de 2014”, e nada mais além disso.

  8. Invocando o R./Reconvinte a excepção de prescrição do pretenso direito da A./Recorrida à restituição “à A. pelo menos de 50% do valor correspondente ao património adquirido através do esforço comum de ambos” e de “restituir à A. o valor correspondente a 50% do património resultante de depósitos a prazo, à ordem e demais aplicações financeiras existentes em nome do R.

    ”, que a A./Recorrida identifica na sua petição, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, no que respeita ao período compreendido entre “Dezembro de 2006” e “11 de Agosto de 2014”, data esta em que se dissolveu a “união de facto que estes iniciaram”.

  9. O Tribunal “a quo”, erradamente, entendeu julgar improcedentes a excepção de prescrição invocada e a reconvenção, absolvendo-se a autora do pedido reconvencional, atendendo para o efeito, apenas, aos “factos julgados provados na sentença penal acima referida”, com os fundamentos contantes da decisão.

  10. Fundamentos que não podem ser aceites, desde logo porque da própria fundamentação da Sentença penal condenatória consta também o seguinte: “E foram estas as razões que levaram a ofendida a tomar a decisão, no ano de 2014, de por termo à relação, dizendo, a este respeito, que foi protelando a saída de casa por medo e dependência económica do arguido.

    Neste contexto, sublinhou D. V. que, quando manifestou essa intensão ao arguido este reagiu da forma descrita nos pontos 6 e 7 dos factos provados, descrevendo o incidente de forma absolutamente cristalina, acrescentando que, nessa altura, a sua mãe e o seu irmão “tiraram-na de lá”.

    E depois de um interregno de cerca de um mês e meio, D. V. explicou que foi na convicção de que o arguido podia mudar que aceitou reatar o relacionamento.

    ” “A repetição destes comportamentos levaram a que D. V., em dia não concretamente apurado do ano de 2014, comunicasse ao arguido a intenção de terminar o relacionamento que mantinham,” “Contudo, passados cerca de 4 anos, mais concretamente em Março de 2018, voltou a terminar o relacionamento e a sair de casa, …” (sublinhados e negritos são nossos).

  11. Resultando claro que ocorreu uma ruptura definitiva da relação de facto em 2014, tendo a A./Recorrida, naquela altura, manifestado a sua vontade definitiva e inequívoca ao R./recorrente “de terminar o relacionamento que mantinham”, 13. ruptura definitiva que em nada é afectada pela nova relação que A. e R. iniciaram “depois de um interregno de cerca de um mês e meio”, nova relação que a A. “voltou a terminar”, factos estes que também tornam claro que o anterior relacionamento rompeu-se definitivamente em 11 de Agosto de 2014.

  12. Na douta Sentença penal condenatória, também com relevância para decisão sobre a invocada excepção prescrição e reconvenção, foi considerado provado, além do mais, que: “5.º - Em dia não concretamente apurado do ano de 2014, a ofendida disse ao arguido que queria terminar o relacionamento que mantinham.

    1. - Ao ouvir tal intenção o arguido pegou numa faca de cozinha, apontou-a à ofendida e em simultâneo disse-lhe que antes que a matava.

    2. - De seguida agarrou as mãos da ofendida e retirou-lhe os anéis que esta trazia nos dedos, pegou no seu telemóvel e partiu-o, partiu objectos que se encontravam no interior da residência e rasgou diversas peças de vestuário da ofendida, que se encontravam nos armários da residência.

    3. - Nesse dia a ofendida saiu de casa …” (sublinhados e negritos são nossos).

  13. Sendo, por isso, claro que a dissolução/ruptura definitiva ocorreu em 11 de Agosto de 2014, ou no mínimo “Em dia não concretamente apurado do ano de 2014”, e que nessa altura a A./Reconvinda quis romper a união de facto que mantinha com o R./reconvinte e não restabelecer a vida em comum com o mesmo, o que também foi vontade do R./reconvinte, 16. O mesmo tendo acontecido em Março de 2018, quando pela segunda vez a A. quis acabar com a nova união de facto que mantinha com o R. desde 2014 e não restabelecer a vida em comum com o mesmo, o que também foi vontade do R./reconvinte, tendo sido dado como provado na Sentença...

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