Acórdão nº 1969/20.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório M. S., com os sinais dos autos, veio intentar esta acção declarativa de simples apreciação, materializada sob a forma de processo comum, contra F. C.

, T. S.

e R. C.

, pedindo que a acção seja julgada procedente e em consequência: a) ser considerada a autora legítima comodatária da fracção supra referenciada (prédio urbano sito no Lugar ..., ...

Braga, inscrito na matriz sob o art.

...

) até ao fim dos seus dias de vida; b) caso assim se não entenda, e sempre subsidiariamente, julgar procedente o direito da autora ao uso e habitação no regime de usufruto vitalício.

Para tanto, alega em síntese que foi casada com o falecido J. S., que adquiriu e registou o imóvel em causa nos autos a seu favor, com o propósito do mesmo ser habitado por ele e a aqui autora, até ao fim das respectivas vidas, sendo vontade do falecido que a aqui autora ali permanecesse a título gratuito enquanto vivesse.

Mais invoca que sendo tal imóvel casa de morada de família, assiste-lhe o direito de ali permanecer ao abrigo da Lei 23/2010, protecção da união de facto.

As rés são filhas do falecido.

Correu termos sob o nº 5496/12.5TBBRG, Juízo local cível – J3 – inventário por óbito de J. S., e ali constava como interessada a aqui autora, tendo a ré F. C. ali sido nomeada cabeça de casal.

Alega ainda que no referido processo de inventário tal fracção foi adjudicada às rés, mas ainda assim a autora continuou a fazer daquela a sua residência habitual. Considera pois estar perante um contrato de comodato sem prazo e com fim e uso demonstrado.

As rés foram citadas e vieram contestar, suscitando logo em primeiro lugar a excepção do caso julgado.

Com efeito, dizem que o objecto da presente acção já foi decidido por sentença judicial, no âmbito do processo de inventário nº 5496/12.5TBBRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Braga, Juíz 3.

A autora veio responder, negando que exista qualquer situação de caso julgado.

A acção chegou então à fase de saneamento, onde se aferiu da validade e regularidade da instância.

E de imediato foi apreciada a excepção de caso julgado, tendo o Tribunal concluído pela sua procedência, pelo que absolveu as rés da instância.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 629º, 631º 637º, 638º, 639º, 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1, todos do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: I.

A douta sentença recorrida absolveu as Recorridas da instância porquanto entendeu que "os pedidos foram já objecto de decisão no processo de inventário".

II.

Tal não sucede no caso em apreço, porque não há identidade de sujeitos, o pedido e a causa de pedir claramente não são as mesmas, porquanto naquele processo de inventário por óbito de J. S. não se estava a discutir o direito de uso e habitação da imóvel casa de morada de família.

III.

Discordando dessa decisão, a Autoral Apelante vem interpor o presente recurso, sustentando, em resumo, que não se verifica a excepção de caso julgado porquanto não existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir como seria necessário - de acordo com o disposto nos artigos 580.° e 581.° do CPC - para que se pudesse falar em tal excepção.

IV.

Com efeito, tendo corrido um Processo de Inventário para partilha de bens de uma herança indivisa, em nada coincide com os presentes autos, onde se pede o uso e habitação do imóvel onde a reside a Recorrente.

V.

No Processo de Inventário e na Conferência de Interessados com data de 07 de Dezembro de 2016, as partes não chegaram a acordo quanto à partilha dos bens nem se mostraram interessados na licitação de qualquer verba da relação de bens.

VI.

Ora, nesse despacho relativo à Conferencia de Interessados, foi apenas e como resulta bem claro do aí exposto, da menção de haver falta de acordo quanto à partilha de bens e de ninguém se mostrar interessado na licitação de qualquer verba, em homenagem a um princípio de economia processual.

VII.

Entretanto os autos foram prosseguindo sempre com novas diligências.

VIII.

Ao não determinar para a Conferência de Interessados que a Recorrente teria de determinar se pretendia ver reconhecido o direito de uso/ocupação/habitação do imóvel que integrou a partilha, o despacho recorrido violou o disposto no nº 1 do artigo 1111º do Código de Processo Civil.

IX.

Ora, face à decisão tomada no Processo de Inventário, a Recorrente não pode ser lesada.

X.

Em momento algum, a Recorrente no Processo de Inventário renunciou ao direito de uso /ocupação/habitação do imóvel onde vive, expressamente.

XI.

Quando se procedeu à avaliação do imóvel, venda do bem, sempre e à vista de toda a gente, a Recorrente viveu e vive no imóvel, e nunca em momento algum foi questionada à Recorrente, se pretendia sair do imóvel.

XII.

A verdade é que, esse direito não foi renunciado, e se não foi renunciado expressamente e no Processo de Inventário não lhe foi dada oportunidade de expressamente renunciar a tal direito, entende a Recorrente que a presente acção em nada colide com o Processo de Inventário.

XIII.

A Recorrente peticiona que lhe seja reconhecido o direito de residir no imóvel ou, subsidiariamente, com direito de habitação a seu favor.

XIV.

A recorrente não concorda, nem se conforma ao não ver reconhecido o direito real de habitação sobre o imóvel onde reside.

XV.

Após a adjudicação do imóvel pelas Recorridas, estas permitiram que a Recorrente permanecesse no imóvel, porque sabiam que a Recorrente sempre lá viveu e nunca renunciou expressamente a esse direito.

XVI.

A anuência das Recorridas na permanência da Recorrente significou a aceitação de um prolongamento do direito de habitação a seu favor.

XVII.

A faculdade de permitir o uso da coisa por terceiros insere-se no leque de poderes dos proprietários, significando o consentimento em nova oneração da sua propriedade.

XVIII.

Por todas as razões acima descritas, deverá proceder-se à alteração da decisão, e reconhecer à Recorrente um direito de uso e de habitação.

XIX.

O facto da permanência no Imóvel da Recorrente, nunca ter sido contestada, criou nesta a convicção de que o seu direito em ali habitar estava amplamente consolidado.

XX.

A questão que aqui se coloca é exactamente a do alcance do caso julgado resultante da decisão proferida na referida acção de inventário, isto é, se a decisão transitada em julgado proferida em acção de inventário, impede que a Recorrente interponha uma nova acção pedindo o reconhecimento do direito de uso e habitação que entende que lhe assiste.

XXI.

Naquele processo de inventário esta nunca renunciou expressamente ao direito de uso /ocupação/habitação, entendemos por isso que a resposta a dar a esta questão terá de ser necessariamente negativa.

XXII.

Não está aqui em causa a excepção de caso julgado; inexistindo in casu a necessária tríplice identidade não se verifica a excepção de caso julgado.

As rés/recorridas apresentaram contra-alegações, findando as mesmas com as seguintes conclusões: 1- A sentença da Meritíssima Juiz a quo não merece censura ou reparo, pelo que é de manter in totto na medida em que fez a correcta aplicação do direito à factualidade carreada para os autos.

2- Nos presentes autos, a Recorrente/Autora vem peticionar que seja considerada legítima comodatária do prédio urbano sito no Lugar …, ...

, Braga (inscrito na matriz sob o art.

...

), ou que lhe seja reconhecido o direito de uso e habitação daquele imóvel, em regime de usufruto vitalício.

3- As Recorridas/Rés contestaram a acção que lhes foi movida, invocando excepção de caso julgado (por entenderem verificar-se a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir que enforma o caso julgado, já que a mesma pretensão havia já sido deduzida por três vezes no processo de inventário judicial nº 5496/12.5TBBRG, e decidida, inclusive, por esta Relação), excepção de autoridade de caso julgado (que igualmente pressupõe a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida), e ainda por impugnação.

4- A douta sentença, prolatada nos autos em sede de despacho saneador, veio decidir pela procedência da excepção de caso julgado.

5- A recorrente argumenta, no presente recurso, que não se verifica a excepção de caso julgado nos autos, alegando que deve reconhecer-se, ainda, à recorrente um direito de uso e habitação.

6- Ora, salvaguardada diversa opinião e o devido respeito pela mesma, as Recorridas não poderiam discordar mais com a posição manifestada pela Recorrente. Recorde-se toda a cronologia: 7- No âmbito do processo de inventário nº 5496/12.5TBBRG, teve lugar, a 7 de Dezembro de 2016, conferência de interessados, na qual, não havendo acordo entre os interessados na partilha (entre os quais, a aqui Recorrente e as Recorridas), foi requerida a venda dos bens que integravam o acervo hereditário; 8- Nessa sequência, foi proferido despacho no sentido de ordenar a prossecução dos autos no sentido da requerida venda, por meio de propostas em carta fechada; 9- A aqui Recorrente nada requereu em seu favor na Conferência de Interessados, nem manifestou intenção de exercer direito algum; 10- Meses depois, em 6 de Março de 2017, a aqui Recorrente veio ao aludido processo de inventário requerer o preenchimento do seu quinhão hereditário com o direito de uso e habitação do prédio identificado nos presentes autos e seu recheio, como casa de morada de família, a título vitalício, nos termos do art. 2103º-A do Código Civil; 11- Em 26 de Abril de 2017, foi proferido despacho de indeferimento liminar do supramencionado requerimento, ali apresentado pela Recorrente, fundamentando: “Sendo a partilha judicial, o pedido de encabeçamento terá de ser formulado na conferência de interessados (1), por se tratar de uma das “questões cuja resolução possa influir na partilha. Com efeito o lugar e altura própria para se...

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