Acórdão nº 671/20.1T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório A. E. e mulher V. M.

vieram instaurar procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova contra J. C. e mulher M. F.

, pedindo, a final, que se ordene a ratificação do embargo extrajudicial efetuado e notificação dos Requeridos atenta a sua qualidade de donos da obra.

Para tanto e em síntese alegam que são donos do prédio identificado no artigo 1º da Petição Inicial, sendo os Requeridos donos do prédio aludido no artigo 2º do mesmo articulado, existindo entre ambos os imóveis uma parcela de terreno que, durante anos, foi utilizada por Demandantes e Demandados, quer a pé, quer por via de veículos motorizados, sendo que em meados de 2016 tal passagem teria sido obstruída pelos Demandados, facto que foi discutido, primeiro em procedimento cautelar nº 82/17.6T8BGC, no âmbito do qual foi dada razão aos Demandantes, e, de seguida, na ação principal que correu termos no Processo n.º 812/17.6T8BGC, processo esse no qual foi proferida sentença, posteriormente, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que deu razão aos Requeridos, apesar de reconhecer a existência de um logradouro comum entre ambos os prédios.

Mais alegaram os Requerentes, não obstante, que, apesar de, na ação anterior terem alegado que tal passagem constituiria caminho público ou, pelo menos, terreno onerado com servidão de passagem a favor daqueles, alegação essa que não foi aceite pelo Tribunal, na verdade, após consulta da Junta da Freguesia, apuraram que o referido terreno seria baldio, sendo aqueles compartes e tendo, portanto, direito de defender a posse do mesmo pela comunidade a quem tal terreno serve.

Referiram ainda que, por essa razão, embargaram no passado dia 04/07/2020 o muro que os Requeridos se encontram a construir no referido terreno baldio, requerendo, como tal, a ratificação judicial de tal embargo.

Citados os Requeridos vieram deduzir oposição invocando a ineptidão da Petição, bem como a ilegitimidade ativa dos Requerentes.

Mais alegaram que a ação anterior com o n.º 812/17.6T8BGC, havia considerado não terem os Demandantes qualquer direito de passagem sobre o local onde o muro se encontra a ser edificado, existindo apenas um logradouro comum a ambos os prédios de Requerentes e Requeridos que iria da rua pública até ao portão intermédio da casa dos Demandantes, sendo que, após tal portão, local onde o muro se encontra a ser erguido, o que existiria seria apenas o prédio rústico propriedade dos Demandados.

Mais alegaram que a construção não colide nem impede o uso desse espaço comum.

Finalmente, concluíram, requerendo, não só a improcedência do procedimento cautelar, como também a condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé.

A exceção de ineptidão da Petição Inicial foi julgada improcedente por se entender que a causa de pedir se encontrava minimamente alegada, tendo os Requerentes convidados a aperfeiçoar tal articulado, o que fizeram, tendo os Requeridos respondido.

Foi proferido ainda despacho a julgar improcedente a exceção de ilegitimidade ativa deduzida pelos Requeridos.

Realizada a audiência foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar: “Pelo exposto, decide o Tribunal: I. Julgar improcedente, por não provado, o procedimento cautelar instaurado pelos Requerentes, A. E. e V. M., absolvendo os Requeridos, J. C. e M. F., do pedido.

  1. Condenar os Requerentes, A. E. e V. M., como litigantes de má-fé nos termos dos artigos 542º nº2 alínea a) e 543 do CPC, bem como 27º nº3 do RCP, em multa fixada em 10 UC.

  2. Condenar os Requerentes em custas (artigo 527º nº1 do CPC)”.

Da sentença recorreram os Requerentes concluindo as suas alegações da seguinte forma: “IV. CONCLUSÕES

  1. Nos presentes autos foi proferida sentença na qual se julgou improcedente, por não provado, o procedimento cautelar instaurado pelos aqui Recorrentes, A. E. e V. M., absolvendo os ali Requeridos, J. C. e M. F., do pedido.

  2. Mais se decidiu, condenar os aqui Recorrentes, como litigantes de má-fé nos termos dos artigos 542º nº 2 alínea a) e 543 do CPC.

  3. Acontece que, face à prova produzida o Tribunal a quo devia ter decidido em sentido diverso.

    Senão vejamos: d) Foi incorretamente provado o facto constante do ponto 22, pois encerra formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica, pelo que, à luz do entendimento jurisprudencial, devem tais factos ter-se como não escritos.

  4. Com efeito, na matéria de facto provada tãõ só podem constar verdadeiros factos pelo que, verificada essa desconformidade com a lei (art. 607º, n.º 4 do CPC), os mesmos devem considerar-se não escritos, ser desconsiderados, expurgados, para efeitos da decisão a proferir nos autos.

  5. A factualidade vertida nos pontos 1 a 5 não podia ter sido dada como provada com base no acordo das partes, uma vez que apenas se pode provar por documentos escritos (art. 574º, n.º 2 do CPC e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, entre outros, datado de 09-05-2006, proc. 966/06, disponível em www.dgsi.pt).

  6. Também os factos 6 a 8 não podiam ter sido dados como provados porquanto não existe qualquer confissão judicial, qualquer prova de usucapião e/ou prova testemunhal que permita concluir nesse sentido.

  7. Antes pelo contrário, a testemunha E. A. – que referiu estar de relações cortadas com os AA. – questionada pela Ilustre Mandatária dos AA. sobre a identidade do vendedor do terreno em causa responde “comprou à junta, mas eles venderam aquilo que não era deles” (sessão do dia 24-06-2021, intervalo 14:09:20 a 14:28:35, minutos 07:40 a 07:45).

  8. Por sua vez, a testemunha H. R., que esteve ligado ao executivo autárquico e que não tem qualquer relação de proximidade nem com os AA. nem com os RR., afirmou “ao presidente de junta ouvi isto: toda a área da Feira era baldia” (sessão do dia 24-06-2021, intervalo 10:40:59 a 11:04:28, minutos 06:53 a 06:58).

  9. Sendo que o Tribunal a quo podia, e devia, face a tal afirmação, ter ordenado a notificação do então presidente de junta por existirem razoes para presumir que tem conhecimento de factos importantes para a descoberta da verdade (arts. 411º e 526º todos do CPC).

  10. Ainda, os factos 13, 14 e 15 não resultam nem da inspeção ao local levada a cabo no processo 812/17.6T8BGC, nem dos depoimentos das testemunhas E. A. e J. A., pelo que, não se percebe a motivação do Tribunal quanto a estes factos não podendo, por isso, ter sido dados como provados.

  11. Por sua vez, os factos 9 a 12 também não podiam ter sido dados como provados com base na inspeção ao local levada a cabo no processo 812/17.6T8BGC.

  12. Pois que, o art.º 421º, n.º 1 do CPC é claro ao determinar que “Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova” (o sublinhado é nosso).

  13. E porque assim é, este preceito não se aplica à inspeção ao local – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-05-2005, proc. 05B691, disponível em www.dgsi.pt.

  14. Nem tão pouco podiam dar-se como provados com base nos depoimentos das testemunhas E. A. e J. A., pois que, como se disse, revelaram um depoimento claramente tendencioso e a configuração de prédios não pode determinar-se, apenas e tão só, através dos depoimentos das testemunhas.

  15. Sem prescindir, sempre deveriam ter sido considerados provados com interesse para causa - “Que a faixa de terreno referida em 12) integre desde tempos imemoriais o designado “Largo /Lugar ...

    ”, baldio afeto à gestãõ da Uniãõ de Freguesias de ... e de …”; - “Abrangendo tal baldio toda a extensãõ e área que confronta a Norte e Sul com a Rua Pública e Poente com Caminho Publico, bem como Nascente com Rua Pública”.

    - “Competindo à Junta de Freguesia a gestão e distribuiçãõ das parcelas de terreno aí existentes, a sua administraçãoo e cedência para plantaçãõ, fruição, apascentamento de gado e realização de feiras semanais, publicitando aquela aos domingos no termo das missas, quer as contas, quer os arremates públicos”.

    - “Tendo sido, pois, a Junta de Freguesia que, no referido local, sempre determinou a utilização das parcelas que integram o baldio, inclusivamente cedendo áreas para construçãõ, conforme sucedeu com os prédios urbanos de Autores e Réus”; - “Sendo ainda a Junta quem, no referido local, cede, no âmbito dos seus poderes de gestãõ do referido baldio, terrenos para pastoreio ou para plantação de castanheiros”.

  16. Expurgados os factos que o não são (porque conclusões ou conceitos jurídicos), desconsiderados aqueles que não estão fundamentados e os que, no entender dos recorrentes não foram provados, restam, assim, como factos que o Tribunal considerou provados e aceites, os refletidos nos pontos 16, 17, 18, 19, 20, 23 e 24.

  17. Tais factos consubstanciam referências documentais ao processo n.º 812/17.6T8BGC, contudo, os mesmos não são adequados a provar a posse, sequer a titularidade de qualquer faixa de terreno, pois que a propriedade de uma faixa de terreno não se prova por presunção registral ou sequer e muito menos matricial.

  18. Isto posto, a ser bem decidida a questão, devem ser alterados, após reapreciação da prova produzida nos termos expostos, os factos provados e enumerados na decisão como 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 21, para não provados, bem como aditados os factos supra mencionados no ponto 36, como factos provados, deve ser expurgado e desconsiderado o facto 22, por não estar fundamentado, conter meras conclusões e conceitos jurídicos; por sua vez, em face dos restantes factos que se aceitam como provados, estes não são adequados a provar a posse, sequer a titularidade de qualquer faixa de terreno.

  19. O que, tudo conjugado, teria de...

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