Acórdão nº 729/08.5TABGC-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução08 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo comum com intervenção do tribunal coletivo que, com o nº 729/08.5TABGC, corre termos no juízo central cível e criminal de Bragança foi decidido não revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido A. F. e declarar extinta a pena imposta, não obstante não ter cumprido, em igual prazo, a condição de pagar aos assistentes a quantia de 49.880€, em prestações mensais, iguais e sucessivas. *Inconformados com a decisão recorreram os assistentes concluindo a sua motivação do seguinte modo (transcrição): 1º A decisão recorrida consubstancia uma solução que não consagra a justa e correcta aplicação das normas e dos princípios jurídicos adequáveis, não podendo a mesma manter-se.

  1. O ora Recorrido, foi condenado, pelo Tribunal de 1ª Instância, a uma pena de prisão de três anos, suspensa na sua execução por igual período, sujeita ao cumprimento de determinadas injunções e deveres (Cfr.

    artigo 51º do Código Penal – CP).

  2. Dessa decisão o recorrido recorreu para o tribunal superior, tendo o mesmo mantido, na íntegra, o Acórdão proferido pela 1ª Instância.

  3. No caso dos autos foi imposto ao recorrido o dever de, durante o prazo da suspensão (três anos), proceder ao pagamento da quantia de quarenta e nove mil oitocentos e oitenta euros (49.880€), em prestações mensais e sucessivas, acrescida dos respectivos juros de mora.

  4. Ora, desde o trânsito em julgado do Acórdão emanado pelo Tribunal da Relação do Porto (18-06-2013) e até à presente data, o arguido apenas liquidou a importância de vinte mil euros (20.000 €), valor que somente pagou após insistentes interpelações dos Recorrentes.

  5. Restando ainda, ao recorrido, pagar 29.880€ (vinte e nove mil oitocentos e oitenta euros).

  6. Sucede, porém que, em 23/11/2020, foi proferido despacho pelo Tribunal de 1ª Instância que julgou extinta a pena de prisão suspensa aplicada ao recorrido.

  7. São três as questões essenciais na apreciação daquela decisão: por um lado, os recorrentes que a motivação e convicção do Tribunal a quo mostra-se contrária à lei; e por outro, inexiste matéria de facto suficiente para emanar tal decisão; e, consequentemente, verifica-se o erro na apreciação da matéria de facto.

    Assim vejamos, 9º A suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao ora recorrido terminaria em Agosto de 2016, mas antes da extinção da suspensão da pena, os recorrentes manifestaram ao Tribunal de 1ª Instância o incumprimento sucessivo do recorrido.

  8. Os Recorrentes juntaram aos autos inúmeros requerimentos alegando o incumprimento do dever que havia sido imposto ao Recorrido no Acórdão de condenação, em virtude dosquais, em22deMaio de2017, veio o Tribunal aquo proferir despacho impondo novos deveres ao Recorrido, designadamente, prorrogar por 24 meses o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido; impor ao arguido o novo dever de pagar o remanescente da quantia em divida aos recorrentes (18.500€ - dezoito mil e quinhentos euros), em três prestações iguais, semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 17/06/2017, a segunda no dia 17/12/2917 e a terceira e última no dia 17/06/2018.

  9. Ao longo deste período o recorrido apresentou argumentos fantasiosos por forma a justificar o seu incumprimento, tendo inclusivamente juntado aos autos extractos bancários dos quais se vislumbra que o mesmo aufere em Angola, onde reside e exerce a profissão de Engenheiro Electrotécnico, milhares de euros por mês, tendo residido anteriormente em Marrocos, exercendo a mesma profissão e auferindo os mesmos valores.

  10. O carácter duvidoso da argumentação do recorrido afiança-se nos comportamentos que no decurso dos autos adoptou, tendo chegado a enviar comprovativos de uma transferência que jamais efectuou, mas que foi dada como verdadeira pelo Tribunal a quo como fundamento de facto para decidir que se mostrava extinta a pena que foi imputada ao recorrido.

  11. Em 03 de Junho de 2019, em sede de audição do Recorrido, o recorrido comprometeu-se a pagar a quantia de sete mil e quinhentos euros (7500€), aos recorrentes, no prazo de seis meses. Até à presente data o recorrido nada pagou, nem manifestou qualquer interesse em fazê-lo.

  12. Existem, assim, fortes indícios de que o recorrido nunca teve qualquer intenção de cumprir a condição que determinou a suspensão da execução da pena de prisão.

  13. Acresce, ainda referir que, o registo criminal do recorrido é extenso e diz respeito aos mesmos tipos de crime, burla e falsificação de documentos.

    Por outro lado, 15º A crise económico-financeira da República Angolana, país onde atualmente reside o recorrido, não pode ser o “bode expiatório” para expurgar a responsabilidade criminal que lhe foi acometida pelo Acórdão proferido em 1ª Instância e confirmado pela Relação. Crise essa que não se verificava quando o recorrido foi pela primeira vez para Angola, gozando, assim, de meios económico-financeiros para cumprir as suas obrigações, não o fazendo, apenas porque não quis.

  14. Crê-se, deste modo, não existirem motivações para fazer extinguir a pena de prisão suspensa, já que o recorrido ainda não cumpriu o dever que lhe foi imposto, apesar de gozar de meios económico-finaceiros para concluir o pagamento do remanescente.

  15. Mostra-se, assim, evidente que o recorrido violou repetidamente o dever imposto, agindo, desse modo, com culpa grosseira, no incumprimento da obrigação, violando o disposto nos artigos 55º e 56º do CP.

  16. De facto, a revogação da suspensão da pena de prisão tem que ser considerada pelo julgador como um último recurso.

    Para tanto, o arguido deverá ter um comportamento significativamente culposo, de modo a colocar em causa a esperança de que o mesmo se pode recuperar.

  17. São dois os fundamentos da revogação da suspensão da pena de prisão - para aplicação da pena de prisão efectiva -, o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres impostos; e o cometimento de crime e respectiva condenação.

  18. Conforme vem sendo decidido pela doutrina e jurisprudência portuguesas, o incumprimento grosseiro é o que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos. Já o incumprimento repetido resulta da atitude do condenado de leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da condenação. – Veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/12/2017, publicado em www.

    dgsi.

    pt 21º Não restam dúvidas que, no caso em apreço, estamos perante o incumprimento repetido do dever de pagamento da quantia imputada ao recorrido pelo Acórdão proferido pela 1ª Instância e a violação grosseira desse mesmo dever.

  19. Recorrido alega, em sua defesa, que não aufere de meios económico-financeiros suficientes para fazer face ao pagamento da quantia em que foi condenado, por um lado, e por outro, escuda-se no facto de não conseguir enviar as divisas para Portugal.

  20. Refutando as suas alegações, poder-se-á dizer que, por um lado os extractos bancáriosqueorecorridojuntacomassuasrespostas,vislumbra-sealiquidez financeira do mesmo, suficiente para honrar os seus compromissos; e por outro, não obstante o atraso das divisas a chegar Portugal, verdade é que elas chegam, e o recorrido nada faz para pagar aos recorrentes.

  21. Nesse sentido, dir-se-á que, a transferência que o recorrido alega ter efectuado, jamais ingressou na conta bancária dos recorrentes.

  22. Emface doexposto, verificando-se,porumlado,oincumprimento repetidodo dever imposto e a violação grosseira desse mesmo dever, por outro, entendemos que se mostram preenchidos os pressupostos para revogar a suspensão da execução da pena de prisão decretada ao recorrido.

  23. Mais se acrescenta, que por despacho datado de 15/01/2019 veio o Tribunal a quo notificar o recorrido para juntar aos autos “o extracto da conta, referente ao período temporal de 1/5/2018 até Fevereiro de 2019, acompanhada de declaração emitida pela dependência bancária da sua domiciliação que ateste as razões da eventual retenção da transferência.

  24. Nesse sentido, veio o recorrido, em 24/01/2019, juntar aos autos uma cópia de um artigo de um Jornal, datado de 29/06/2018; uma cópia da “conta corrente Bancária complementar”, com movimentos verificados entre 02/05/2018 e 05/11/2018; uma cópia do pedido ao Banco ...; duas cópias de mensagens trocadas entre o recorrido e a JAR, através de correio electrónico, que também desconhecem os recorrentes de quem se trata.

  25. Não resulta, deste modo, dos documentos juntos aos autos pelo recorrido, a pendência da transferência bancária que o mesmo alega ter efectuado para a conta bancária dos recorrentes, de modo a liquidar algumas das prestações em divida, contrariamente ao que é proferido no despacho de que ora se recorre.

  26. Atento o exposto, pode assim, dizer-se que os argumentos do recorrido se mostram frustrados.

  27. O Recorrido, individuo de caracter suis generis, usou da sua astúcia para ludibriar o Tribunal a quo, tendo-se visto na obrigação de lhe extinguir a pena antes de a ter cumprido.

  28. Refira-se, ainda quehánegligência grosseira(ouviolação grosseira)quando estamos perante uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o “comando jurídico-penal”, plasmando nele qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez.

  29. No caso que levamos à consideração do Tribunal ad quem, nenhum esforço foi feito pelo recorrido, no sentido de cumprir a obrigação imposta pelo Tribunal recorrido, da qual dependia a sua liberdade.

  30. Em face do exposto, é incompreensível que o Tribunal a quo entenda não existir por parte do recorrido uma violação grosseira, uma fuga preconizada pelo recorrido às suas responsabilidades.

  31. E os três anos atrás? Quanto ganhou, quanto pagou, quanto enviou para Portugal? A crise económico-financeira...

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