Acórdão nº 4/12.0IFLSB-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução08 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 4/12.0IFLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 1, pelo Mmº Juiz foi proferido despacho a 03.03.2021, com o seguinte teor (fls. 109 a 112/ref. 172064979): “Proceda-se à liquidação das quantias em dívida.

Remeta boletim à DSIC.

Comunique a sentença proferida nos autos à administração tributária (artº 50º nº2 do RGIT).

*Da prescrição do procedimento criminal: Veio o arguido J. V., através de requerimento enviado no dia 10/09/2020, invocar a prescrição do procedimento criminal contra si instaurado.

Depois de transcrever um excerto da sentença por nós proferida na parte em que apreciou tal excepção, realçando, inclusive, algumas passagens, de forma claramente descontextualizada, parte de um prazo de prescrição de cinco anos, aceita que tal prazo teve o seu início em 22 de Maio de 2009 (data da consumação do crime) para concluir que o mesmo se completou em 22 de Novembro de 2019 (5 anos+ 2 anos e 6 meses+3 anos de prazo máximo de suspensão).

O MP promoveu que se indeferisse a prescrição do procedimento criminal, pois, conforme já apreciado na sentença condenatória, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos e não de 5 anos.

Decidindo.

Não podemos deixar de começar a nossa apreciação sem efectuar um reparo ao modo como o arguido se reporta à apreciação da prescrição do procedimento criminal por nós efectuada em sede de sentença, transcrevendo determinadas passagens e não outras, começando tal transcrição a meio e não no início e sublinhando até o que, supostamente, mais lhe interessa.

Tal procedimento não só descontextualizou, desvirtuou e deturpou o que então foi escrito como, verdadeiramente, inverteu por completo as premissas subjacentes a essa apreciação, pois nunca defendemos que o prazo de prescrição do procedimento criminal era de cinco anos, mas sim de dez anos.

Dito isto, passemos ao que verdadeiramente importa.

É jurisprudência pacífica que a prescrição do procedimento criminal deve ser suscitada até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, pois ultrapassado tal marco temporal fica precludido o direito de a invocar ou conhecer oficiosamente e qualquer erro cometido nesse âmbito coberto pelo caso julgado. Por outro lado, a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, deixa de correr o prazo da prescrição do procedimento criminal, iniciando-se, eventualmente, o prazo da prescrição da pena.

Neste sentido, o Ac. STJ de 11/01/2007, Processo 06P4261, Relator: Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.dgsi.pt, o Ac. RE de 3/12/2013, Processo 559/07.1TAABT-A.E1, Relator: Juiz Desembargador António Latas, in www.dgsi.pt.

, o Ac. RC de 18/05/2016, Processo 372/01.0TALRA.C1, Relator Juiz Desembargador Jorge Dias, in www.dgsi.pt e o Ac. RG de 3/06/2013, Processo 1037/08.7PBGMR-A.G1, Relator: Juiz Desembargador Paulo Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt.

Com algum interesse para a resolução do problema que nos ocupa, pode ainda ver-se o Ac. RL de 25/01/2017, CJ, Ano XLII, Tomo I, págs. 130 e 131: “Compete ao Tribunal a quo decidir de alegada prescrição do procedimento contra-ordenacional invocada perante o Tribunal da Relação, após a prolação de acórdão por este.

Tal prescrição deve ser apreciada oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão condenatória e mesmo depois dessa data se a questão tiver sido suscitada pelos interessados em data anterior à do trânsito em julgado, pois o esgotamento do poder jurisdicional apenas se refere ao objecto do processo” Dúvidas não restam que a prescrição do procedimento criminal foi invocada tempestivamente, pois, à data (10/09/2020), a sentença por nós proferida ainda não transitara em julgado, embora tal trânsito, como se verá oportunamente, tivesse, entretanto, ocorrido.

Conforme já se deixara claramente expresso na sentença por nós proferida, o prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso vertente, de 10 anos e não de 5 anos. Disse-se, então: “Tendo em conta que o arguido encontra-se pronunciado e irá ser condenado (como se verá em tempo oportuno) pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada punível com prisão de 1 a 5 anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso concreto, de 10 anos (art. 118º nº1 al. b) do CP), o qual, evidentemente, ainda não se completou, já que desde a data da prática dos factos não decorreram 10 anos.” Poderíamos, pura e simplesmente, ter ficado por aqui. Mas, na altura, fomos mais longe, apenas para evidenciar que, mesmo que se considerasse que o crime praticado pelo arguido era o crime de fraude fiscal simples, o prazo de prescrição do procedimento criminal (que seria então de 5 anos) continuaria a não ter decorrido.

E facilmente se percebe a razão por que fomos mais longe. A prescrição do procedimento criminal foi apreciada como questão prévia, numa altura em que ainda não estava assente se o crime de fraude fiscal era simples ou qualificado, podendo, inclusive, em sede de um eventual recurso, ser o mesmo desqualificado.

Quisemos, então, salvaguardar todas as hipóteses possíveis: qualquer que fosse o crime de fraude fiscal praticado pelo arguido (simples ou qualificado) e, consequentemente, qualquer que fosse o prazo de prescrição do procedimento (5 anos ou 10 anos), tal prescrição não tinha ocorrido.

Como facilmente se percebe, agora nada há a salvaguardar.

A situação é perfeitamente clara, pois está definitivamente assente, por sentença transitada em julgado, que o crime cometido pelo arguido J. V. foi o crime de fraude qualificada p. e p. pelos artigos 103.º n.º 1 als. a) e b) e 104.º nº1 als. d) e f) do RGIT na redacção anterior à Lei nº 64-B/2011, de 30/12.

Estatui o artº 21º nº1 do RGIT que “O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”.

Acrescenta o nº2 do mesmo normativo que “O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.” Ora, sendo o crime de fraude fiscal qualificada punível com prisão de 1 a 5 anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso concreto, de 10 anos (art. 118º nº1 al. b) do CP).

Sobre a data da consumação dos crimes fiscais, escreve Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, pág. 232: “O crime consuma-se no momento em que a conduta se esgota e esgota-se no termo do prazo para apresentação da declaração à administração tributária, nos termos da legislação aplicável.

Tem-se discutido na doutrina se o crime se consuma com a apresentação da declaração ou se, estando ainda dentro do prazo para a apresentação, a declaração fraudulenta apresentada pode ser substituída. Cremos que a declaração pode ainda ser substituída se o prazo para a sua apresentação não estiver esgotado, por aplicação do art. 59º nº3 al. a) do C.P.P.T.

Também a alínea b) do mesmo artigo do C.P.T.T.

A apresentação posterior pode relevar como mera circunstância atenuante, mas o crime fica consumado com o termo do prazo para apresentação da declaração.” Mesmo adoptando a posição doutrinal mais favorável ao arguido J. V., o crime ter-se-ia consumado a 22 de Maio de 2009, data em que apresentou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2008, ocultando os rendimentos que obteve referentes aos juros resultantes dos diversos depósitos a prazo e aplicações que efectuou em Cayman.

Efectivamente, as condutas imputadas ao arguido, ainda que respeitantes à ocultação de rendimentos obtidos no estrangeiro ao longo de vários anos, consubstanciam a prática de um único crime, tendo como último acto de execução a omissão declarativa aquando da apresentação da referida declaração de rendimentos em 22 de Maio de 2009.

Estatui o nº 4 do artº 21º do RGIT que “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal…” J. V. foi constituído arguido em 21/02/2013 (cfr. fls. 58), data em que se interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal (art. 121º nº1 al. a) do CP).

A partir dessa data, começou a correr novo prazo de prescrição (art. 121º nº2 do CP), o qual ainda não se completou.

É certo que, nos termos do disposto no art. 121º nº3 do CP, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.

Contudo, no caso concreto, ainda não decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade, isto é, ainda não decorreram 15 anos.

De resto, importa ainda atender a que o arguido J. V. foi notificado do despacho de acusação em 14/11/2016 (cfr. fls. 1465), o que constitui não só uma outra causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal (artº 121º nº1 al. b) do CP), como uma causa da suspensão do prazo da prescrição desse mesmo procedimento (artº 120º nº1 al. b) CP).

Efectivamente, com a notificação da acusação ao arguido, tal prazo suspendeu-se durante três anos (artº 120º nºs 1al. b) e nº2 CP).

Em suma: por força das várias causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal (não existe um hiato temporal de 10 anos entre elas) e da causa da suspensão da prescrição do procedimento criminal (durante 3 anos), o procedimento criminal prescreveria apenas em 22 de Maio de 2027 (10 anos+5 anos + 3 anos de prazo máximo da suspensão da prescrição do procedimento).

Dizemos prescreveria e não prescreverá, pois, em 6 de Janeiro de 2021, a sentença condenatória transitou em julgado, ficando completamente arredada tal possibilidade. A partir dessa data, passa a falar-se em prescrição da pena e não em prescrição do procedimento.

Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção da prescrição do procedimento criminal.

Notifique.

*Do trânsito em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT