Acórdão nº 38/21.4YRGMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. X – distribuição de Electricidade, SA, actual denominação da anterior Y Distribuição – Energia, SA, intentou a presente acção de anulação de decisão arbitral contra A. M., pedindo que seja anulada a sentença arbitral proferida no âmbito do processo ...
/2020/AR, pelo T - Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do ...
, sedeado na Rua … Guimarães, alegando para o efeito, na parte relevante, o seguinte: «14.
Por ofício datado de 29 de junho de 2020, foi a ora Autora citada pelo T, para contestar a reclamação apresentada por A. M., Réu, no âmbito do processo de arbitragem n.º ...
/2020/AR (conforme documento n.º 1 já junto) 15.
No âmbito desse processo, pedia o aqui Réu, que “(…) fosse declarado não ser devedor da quantia de € 1.451,98, que a Reclamada está a exigir, ou de outros relacionados com a alegada utilização irregular de energia elétrica decorrente de atuação indevida no contador”.
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Analisada a reclamação concluiu a aqui Autora, que a factualidade em apreço naquela tem como fundamento factos que consubstanciam a prática de um crime de furto, e que dessa forma não se subsumem no conceito de litígio de consumo.
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Ora, estamos perante um crime de furto de energia elétrica que se consumou com a apropriação ilegítima de energia elétrica por parte do utilizador da instalação, no caso o Réu (R.), que beneficiou e enriqueceu com o ilícito praticado na medida dos consumos não facturados.
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Estando em tempo e tendo legitimidade para o efeito, a A., procedeu à apresentação de queixa crime, junto dos serviços do Ministério Público de Braga, com vista a ser instaurado um processo de inquérito pelos factos vertidos na Reclamação, cf. cópia da queixa crime que se junta como documento n.º 3.
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De tal sorte encontra-se a correr termos o processo de inquérito n.º 1698/20.9T9GMR junto dos serviços do Ministério Público de Braga – 2.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Guimarães.
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Desta forma, e uma vez que está em causa um litígio de natureza criminal entendeu a ora A. que o Tribunal Arbitral não é materialmente competente para julgar a Reclamação apresentada.
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Assim, e em resposta à reclamação apresentada, a reclamada, ora A., informou o douto Centro de Arbitragem, ter apresentado queixa crime pelos factos vertidos naquela reclamação e que como tal, não se revelaria útil o recurso à arbitragem até trânsito em julgado da correspondente decisão judicial, conforme documento n.º 4 que ora se junta.
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Não obstante o Tribunal Arbitral, notificou, a A., através de ofício datado de 09 de Outubro de 2020, da marcação da audiência de julgamento arbitral, tal como documento n.º 5 que aqui se junta.
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Ora, não se conformando, a A., através de requerimento datado de 20 de Outubro de 2020, suscitou, junto daquele tribunal, a sua incompetência material, porquanto em causa estava um crime de furto, tendo sido apresentada a respectiva queixa-crime, conforme documento n.º 6.
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E que nesse sentido, não se revelaria profícua a realização da audiência de julgamento.
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Certo é que o tribunal arbitral não se pronunciou sobre essa questão, tendo prosseguido para o julgamento.
V. Do pedido de anulação 26.
O tribunal arbitral proferiu a sentença, cuja cópia certificada vai junta.
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Pronunciando-se sobre a sua competência, afirma que “(…) apenas considera estar indiciado delito de natureza criminal quando essa indicação decorre de factos traduzidos em comprovada apresentação e ou pendência de apreciação de apreciação nas autoridades judiciárias competentes (…).
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No entanto, declara-se competente por entender estar em causa a “(…) exig[ência] [de] uma indemnização ao consumidor fundada em alegados factos ilícitos praticados no âmbito duma relação de consumo de serviço essencial, mas que não foram participados ou denunciados ao Ministério Público”.
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Assim, e como se pode verificar, determinou como procedente a reclamação apresentada, nomeadamente declarou não ser devido à reclamada, ora Autora o montante de € 1.415,98 (mil, quatrocentos e quinze euros e noventa e oito cêntimos).
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Isto posto, o pedido de anulação aqui em causa assenta na violação das disposições dos artigos 46.º n.º 3, alínea a), subalínea v) e n.º 3 alínea b), subalínea i).
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Tal com explanado supra, entende a A., que os factos vertidos na Reclamação apresentada no Tribunal Arbitral, por parte do ora R., consubstanciam a prática de um crime de furto, e que dessa forma não se subsumem no conceito de litígio de consumo.
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Em causa está um crime de furto, sob a forma continuada, previsto e punido nos termos do artigo 203.º e 30.º, ambos do Código Penal.
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Por outro lado, constituem ainda, aqueles factos, uma prática fraudulenta nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do DL n.º 328/90, de 22 de outubro, diploma que consagra, além do mais, as regras aplicáveis à medição e controlo da energia elétrica e potência tomada em caso de práticas fraudulentas.
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O crime de furto aqui em apreço consumou-se com a apropriação ilegítima por parte do utilizador da instalação, que beneficiou e enriqueceu com o ilícito praticado na medida dos consumos não faturados.
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Ora, é o próprio regulamento do Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflito de Consumo, no seu artigo 4.º que determina que “o centro não pode (…) decidir litígios em que estejam indiciados delitos de natureza criminal (…)”.
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Um conflito de consumo é o que resulta de uma relação jurídica de consumo, subsumível às regras do direito privado e entendida como aquela que emerge da celebração de um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços de consumo.
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No caso em apreço, a indemnização pedida não emerge do contrato de fornecimento de energia Elétrica.
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Antes, é estranha a este contrato.
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Na verdade, conforme já referido, tal indemnização tem como fundamento a prática de um ato suscetível de consubstanciar prática de um crime de furto, 40.
Ou ainda a prática de um ato ilícito subsumível ao regime jurídico previsto no DL 328/90 de 22 de outubro e ao regime jurídico da responsabilidade civil subjetiva consagrado no artigo 483.º do Código Civil.
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Atente-se que as partes em litígio no processo arbitral nem sequer são as partes que celebraram o contrato de fornecimento de energia elétrica.
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Com efeito, o processo arbitral opõe o utilizador da instalação ao operador da rede elétrica – a aqui A. X – enquanto o contrato de fornecimento de energia elétrica é celebrado entre o consumidor de energia e o comercializador respetivo.
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O valor da indemnização peticionado é calculado sobre energia elétrica que não chegou a ser comercializada, ou seja, sobre energia elétrica que foi desviada da rede pública e que não foi contada pelo contador.
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Considerando que apenas a energia medida pelo contador é entendida como consumida para efeitos do contrato de fornecimento, então...
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