Acórdão nº 7288/16.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. J. F.
intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X – Companhia de Seguros, SA, e Y des Transports (representada em Portugal por W Portugal, Unipessoal, Lda.), pedindo a condenação das Rés a pagar ao Autor a quantia de € 1.369.500,00 (um milhão, trezentos e sessenta e nove mil e quinhentos euros), bem como as despesas e restantes danos derivados de futuras intervenções cirúrgicas ou tratamentos, a liquidar em execução de sentença, todas acrescidas dos juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.
Para o efeito, alegou a ocorrência, em Espanha, de um acidente de viação consistente num embate entre o veículo pesado de passageiros de matrícula francesa “MB”, no qual o Autor seguia como passageiro, e o veículo pesado de passageiros de matrícula portuguesa “JA”, por culpa de ambos os respectivos condutores, devendo as respetivas seguradoras Rés, para quem a responsabilidade emergente pela sua circulação está transferida, indemnizar o Autor pelos prejuízos sofridos.
*As Rés contestaram, ambas impugnando a matéria relativa à dinâmica do embate e às consequências do acidente para o Autor. A Ré Y invocou a sua ilegitimidade e a prescrição do direito exercido pelo Autor, bem como requereu a intervenção principal do Fundo de Garantia Automóvel, a qual foi deferida.
*O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, na qual arguiu a nulidade do ato de oposição praticado pela W Portugal, por entender que esta não é parte nos autos, sustentou a sua ilegitimidade passiva para intervir nestes autos e, no mais, aderiu ao alegado pela W Portugal quanto à defesa por exceção e por impugnação, e invocou os limites de responsabilidade previstos no artigo 51º, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08.
O Fundo de Garantia Automóvel recorreu do despacho que deferiu a sua intervenção principal, tendo esta Relação decidido que aquele intervém nos autos a título acessório (acórdão proferido no apenso D – fls. 37 a 52).
*No decurso da acção, o Autor ampliou o pedido, peticionando ainda a condenação das Rés no pagamento das seguintes quantias: - € 160.000,00, a título de indemnização pelo auxílio de terceira pessoa de que o Autor carecerá no futuro até ao final da vida; - € 2.500,00, a título de indemnização pela adaptação da casa de habitação do Autor (para construção de base de duche nivelada ao chão); - € 340,00, a título de indemnização pela necessidade futura de aquisição de canadianas; - € 700.00, a título de indemnização pela necessidade de aquisição e substituição futura de cadeira de duche; - € 3.500,00, a título de indemnização pela necessidade de aquisição e substituição futura de colchão; - € 3.600,00, a título de indemnização pela necessidade de aquisição e substituição futura de estrado articulado; - € 21.000,00, a título de indemnização pela necessidade de aquisição e substituição futura de scooter elétrica.
*1.2.
Proferido despacho-saneador, a desatender a excepção de ilegitimidade e a relegar para final o conhecimento da excepção de prescrição, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência final, proferiu-se sentença com o dispositivo que a seguir se transcreve: «A- Julgo improcedente a exceção de prescrição alegada pela Ré Y; B- Julgo parcialmente procedente a presente ação e, em consequência: 1- Condeno solidariamente as Rés X e Y a pagar ao Autor J. F.: i) A quantia indemnizatória de Eur 300.000,00 (trezentos mil euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrente da perda de capacidade de ganho e dano biológico, vencendo juros à taxa legal de juros de 4%, desde a presente data até integral pagamento; ii) A quantia indemnizatória de Eur 65.000,00 (setenta e cinco mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, desde a presente data até integral pagamento; iii) A quantia indemnizatória de Eur 33.150,00 (trinta e três mil e cento e cinquenta euros), a título de indemnização pelas ajudas técnicas de que o Autor carecerá, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento; iv) A quantia indemnizatória de Eur 142.350,00 (cento e quarenta e dois mil e trezentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelo custo correspondente ao auxílio (futuro) de terceira pessoa, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento; 2- Determino o abatimento das prestações pagas pelas Rés, ao abrigo das decisões cautelares proferidas nos processos apensos “A” e “B”, aos montantes indemnizatórios fixados a favor do Autor em 1-; 3- Relego, nos termos do artigo 609º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, a fixação da indemnização devida ao Autor a respeito da necessidade futura de assistência medicamentosa e de realização de consultas da dor, de medicina física e reabilitação e tratamentos de fisioterapia e despesas de deslocação correspondentes; 4- Absolvo as Rés do restante peticionado».
*1.3.
Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1ª - A Exmª Senhora Juíza a quo soube prescrutar as fragilidades do depoimento do condutor do “JA”, pela insegurança demonstrada, pelas contradições com declarações prestadas anteriormente, entre outras razões.
2ª – A debilidade desse depoimento ficou evidenciada no confronto com o depoimento do outro condutor, o qual depôs de modo espontâneo e seguro, mormente quanto ao facto das luzes do pesado francês se encontrarem ligadas.
3ª - Porém, quando foi apreciada a proporção de culpa com que cada um dos condutores contribuiu para a eclosão do sinistro, a Exmª Senhora Juíza reputou-a de igual… 4ª - Esta conclusão configura uma contradição com as fragilidades antes evidenciadas sobre o comportamento do condutor do “JA”, mas, acima de tudo, colide com os factos dados como provados, que apontam para uma distração imperdoável deste condutor.
5ª - O comportamento de ambos os condutores foi culposo e causal do sinistro, mas não se pode aceitar que o sejam “igual medida” – de modo algum! 6ª - A tese do sinistro alegada pela ré Y, na sua essência, foi dada como provada. Já a tese do sinistro alegada pela Ré X faliu por completo! 7ª - A ré X alegou que o camião francês não teve tempo de se desviar, o que não se provou, alegou que o local evolui em curva, o que não se provou, e ainda alegou que o veículo francês se encontrava imobilizado na via de aceleração, ou seja, em plena via, o que também não se provou, 8ª - E, “como se refere no “informe técnico”, o condutor daquele veículo teve ao seu dispor, pelo menos, 150 metros de visibilidade (ótima), percurso durante o qual teria tempo de ter olhado para o trânsito que seguia na sua retaguarda e ter reagido à imobilização do “MB” na via de aceleração (…) – cfr. douta sentença de fls. .
9ª – Além disso, e como a própria “X” alegou, o condutor do veículo português “estava com a sua atenção direccionada para o controlo do tráfego na auto-estrada onde ia entrar”, valendo o mesmo dizer que não olhava para a frente!!!! O que diz tudo !!!! 10ª - O veículo seguro na X embateu ainda fora da Auto-Estrada, num local onde dispunha de visibilidade na ordem dos 150 metros e num veículo que se mantinha com as luzes ligadas. Não tem perdão! 11ª - Note-se que o autocarro parado com as luzes ligadas até podia ter um motivo atendível para a paragem. Não teve. Daí a imputação de um grau de culpa marginal.
12ª - Porém, a culpa do condutor do pesado “JA” é infinitamente superior, é a mesma coisa que comparar uma avioneta a um Jumbo, uma casa térrea com uma torre, ou, descontado o exagero, uma pulga a um elefante… 13ª - O condutor do “JA” podia ter avistado o camião francês, podia ter parado antes de embater, ou podia ter-se desviado. Teve espaço livre e visível para o efeito.
14ª - Só não o fez por uma falta de atenção, por uma falta de cuidado absolutamente imperdoável. Não há outra explicação para o acidente, atenta a prova provada, do camião francês se encontrar imobilizado com AS LUZES LIGADAS! 15ª - O pormenor das luzes ligadas faz toda a diferença, e cava um fosso entre a culpa do condutor do “JA” e a culpa do camião francês.
16ª - Face aos factos provados, aos deveres gerais de cuidado, aos deveres especiais destes condutores profissionais, ao disposto no artº 18º nº 1 do Reglamento General de Circulación (aprovado pelo Decreto n.º 1428/2003, de 21 de novembro), e demais circunstâncias, deve o condutor do “JA” ser considerado culpado na proporção de 80 % e o condutor do pesado francês na proporção de 20 %.
17ª – Quanto à medida da obrigação de indemnizar, impõe-se a modificação de alguns segmentos da douta decisão recorrida, pois os autos fornecem todos os meios de prova conducentes a uma decisão diversa da recorrida, com base no reexame da matéria de facto nos termos amplos do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil.
18ª - A matéria impugnada é a constante dos pontos 202 e 203 dos factos dados como não provados de fls., os quais devem passar a provados - artº 640º nº 1 do C.P.C..
19ª - Os meios de prova que impõem uma decisão diversa da recorrida quanto a esta matéria são, em concreto, o depoimento das testemunhas A. P., D. N. e A. N., depoimentos devidamente gravado em suporte digital na audiência de julgamento de 22 de Outubro de 2020, e ainda o depoimento da testemunha S. P., este gravado em suporte digital na audiência de julgamento de 5 de Novembro de 2020, com as exatas passagens assinaladas supra.
20ª – Merece especial destaque o depoimento de A. P., min. 1.40 a 3.40, e min 3.57 a 8.32, min. 10.00 a 15.00 e de S. P., min. 31.22 a 33.40 e min. 34.00 a 37.29..
21ª - Destes depoimentos resulta a certeza de que o Autor já dispunha de duas propostas de emprego firme, em França, para auferir quantia nunca inferior a Eur. 2 200, 00 líquidos.
22ª - A douta sentença de Fls lavra em equívoco neste...
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